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EDITORIAL. 28
21-10-2022 00:01No centenário de Orlando Vitorino
Orlando Vitorino nasceu há cem anos. O irmão mais velho de António Telmo, como este (e como Rui Vitorino, termo médio da fratria) natural de Almeida, e falecido em 14 de Dezembro de 2003, foi um dos mais importantes filósofos portugueses do século XX, deixando uma obra singular e poderosa que terá porventura atingido o seu acme no díptico formado por Refutação da Filosofia Triunfante (1976) e Exaltação da Filosofia Derrotada (1983), títulos que de longa data reclamam o benefício da sua reedição.
Igualmente actor, encenador e dramaturgo (com incursões no domínio da sétima arte, em que rodou algumas curtas-metragens e uma longa metragem, além de colaborar com Manuel Guimarães), Orlando legou-nos notabilíssimas peças de teatro como Nem Amantes Nem Amigos (1962) e Tongatabu (1965). Se também estas são obras há muito desaparecidas dos escaparates, deve, porém, salientar-se o surgimento, desde há pouco mais de uma década, de alguns seus novos títulos fundamentais como Manual de Teoria Política Aplicada (2010), A Fenomenologia do Mal e outros ensaios filosóficos (2010) e As Teses da Filosofia Portuguesa (2015).
Tradutor de Hegel e Stuart Mill, mas também de Friedrich Hayek, cujo pensamento liberal introduziu em Portugal, Orlando foi ainda co-director do jornal 57 e da revista Escola Formal.
Em 1985 anunciou a sua intenção de se candidatar à eleição para a Presidência da República, sem que tenha, porém, conseguido recolher as assinaturas necessárias para esse efeito.
Orlando Vitorino teve uma influência decisiva no trajecto de seu irmão António Telmo como filósofo, ora mediando, na segunda metade dos anos 40, o ingresso deste na tertúlia filosófica lisboeta constituída em torno de Álvaro Ribeiro e José Marinho, ora apadrinhando, com a chancela da Teoremas de Teatro, o volume Arte Poética, com que Telmo, no final de 1963, faz a sua estreia em livro.
Já depois da partida de Orlando, foi a vez de António Telmo, em preito de gratidão e memória, se empenhar decisivamente na reedição de O Plutocrata, opúsculo que havia originalmente sido dado à estampa por Orlando, sob o pseudónimo de Ernesto Palma, em 1996, nas Edições Ledo, e que voltará assim a sair a lume em 2009, com a chancela da Serra d’Ossa.
É sobretudo a partir das páginas deste livrinho, que tão bem ilustram a sedução não isenta de mise-en-scène e o jeito provocador e potencialmente polémico com que Orlando sempre nos interpela, que assinalamos hoje, nesta página, o centenário do seu nascimento, recuperando, para o efeito, o texto preambular que Elísio Gala escreveu para a sua reedição e, bem assim, uma reflexão que a leitura desta obra surpreendente motivou a Risoleta C. Pinto Pedro. A primeira e última palavra cabe, porém, a António Telmo, com o retrato que de Orlando nos deixou em Congeminações de um Neopitagórico. O de um Quixote que nos move.
INÉDITOS. 101
16-10-2022 11:21Filosofia, religião e poesia[1]
O conceito de religião não deve perder-se na noção geral da relação do homem com Deus, pois outras formas dessa relação existem, como a filosofia e a poesia, tão presente e vivente nas duas que falar de filosofia religiosa ou de poesia religiosa deriva do erro de se pensar que possa haver filosofia e poesia analfabetas. O que importa, pois, distinguir é o que em cada uma forma a relação.
A filosofia é o conhecimento de Deus pela razão; a religião pelo rito; a poesia pela palavra.
António Telmo
VOZ PASSIVA. 124
21-08-2022 00:25António Telmo e a astrologia: doze anos depois
(das terras de Estremoz vê-se melhor os céus)
Eduardo Aroso
Parece ser desígnio dos grandes seres a admiração pela relação que possa haver dos astros e dos humanos nas suas múltiplas facetas, influência extensiva ao mundo mineral, vegetal e animal. De tempos a tempos surgem listas, algumas exaustivas, de personalidades históricas que viveram nessa pertinência divina da relação causa-efeito e de uma mais ampla fraternidade cósmica. Muitas vezes, nessas almas invulgares, o espanto e interrogação dão mesmo lugar ao estudo mais ou menos afincado na matéria em causa. No momento em que escrevemos estas palavras, lemos um dos dezassete sonetos que William Shakespeare dedicou ao Jovem Desconhecido e onde o notável escritor escreve: «Das estrelas não vou julgamento extrair, /Mesmo tendo o saber de toda a astronomia» (*), tradução da brasileira Renata Maria Parreira Cordeiro, Landy editora, S. Paulo, 2003. Um ponto assaz importante é que Shakespeare, no contexto, por uma atitude porventura cauta, abstém-se de dar conselhos no seguimento do soneto. Todavia, clarividente da situação, não deixa contudo de animar o jovem.
Para além das situações de tipo utilitário a que a vida muitas vezes nos obriga (estas também revestidas do que se poderia chamar actos conscientes), é sempre difícil averiguar se também – ou essencialmente - haverá razões mais profundas que levem um filósofo nascido numa região montanhosa da Beira Alta a ir descendo até à planície alentejana, onde, como certamente todos já tivemos a experiência, o céu parece estar mais próximo de nós, e mesmo que assim não seja realmente, a nossa visão é mais nítida, e neste sentido podemos criar uma outra proximidade sobre o sentido da vida.
António Telmo marcou o seu sério interesse pela astrologia em várias obras, faceta do filósofo que, mais detalhadamente, será explanada por nós numa publicação a editar brevemente, com escritos inéditos. Assim, não apenas um interesse dir-se-ia circunstancial, mas através da astrologia (qual Fio de Ariadne) melhor o filósofo pôde adentrar-se nos meandros ocultos do nosso destino, o que está bem patente, por exemplo, na sua obra História Secreta de Portugal. Quando da publicação do vol. VII das Obras Completas de António Temo (editora Zéfiro), tivemos a honra de prefaciar o livro. Vamos recordar algumas passagens, sempre oportunas para manter bem presente que o filósofo ultrapassava o próprio ecletismo, a interdisciplinaridade ou mesmo a transdisciplinaridade, situando-se, sem titubear, na Tradição fosse através da Cabala, da Astrologia ou outra gnose. «Não deixa de soar estranho que, num país que tem uma longa tradição neste campo e que, à parte a velha dicotomia astronomia-astrologia, este conhecimento arcano que foi matéria essencial para levar a cabo o bem planeado «Projecto Áureo Português», seja ainda tabu, ou como diríamos hoje “culturalmente incorrecto”! Podemos dizer sem qualquer hesitação que António Telmo, enquanto filósofo, é um dos raros autores no que se tem chamado pensamento português (sobretudo do século XX, o que mais nos interessa agora), a tomar a astrologia não apenas como estudo em si mesmo, mas sobretudo na ordem maior da nossa tradição e destino, como o reflectiu em História Secreta de Portugal, Filosofia e Kabbalah, Horóscopo de Portugal e até em A Aventura Maçónica. Cremos que António Telmo sentiu uma necessidade vital da Astrologia, do mesmo modo que do estudo da Kabbalah, para melhor discernir a confluência das três grandes tradições entre nós». O filósofo tomou a sério a frase de Pessoa «a astrologia é verificável, se alguém se der ao trabalho de a verificar». Disso resultou o que todos sabemos e podemos ler numa das suas obras nucleares: O Horóscopo de Portugal. Assim, António Telmo, na busca sem limites, fez jus ao que, de outro modo ou noutra linguagem está escrito na sua pedra tumular: «É a Tua face que eu procuro, Senhor».
(*) a designação de astronomia é sinónima de astrologia até ao séc. XVII com a expulsão desta das universidades europeias, o que não acarretou o corte do seu estudo e prática até hoje, verificando-se até, no presente, uma nova abordagem muitas vezes associada à psicologia e à medicina. O facto é que o conceito moderno de astronomia não nasceu do nada, sendo esta “filha” da astrologia.
Agosto 2022
INÉDITOS. 100
21-08-2022 00:11Iniciação e gnoseologia[1]
Eu fui dos que leram[2] os quatro livros de Carlos Castaneda acreditando. Eu afirmo a realidade do mundo sensível. Acredito que independentemente de mim existem seres que não sou eu. Não sou, por tendência natural do meu espírito, um solipsista. Penso, porém, como Kant que a realidade das coisas, o seu eu real nos escapa. Divirjo de Kant, porque admito a possibilidade de adquirir órgãos, de desenvolver órgãos de conhecimento da realidade. Acho, pois, que as formas a priori da sensibilidade são modos entre muitos outros de apreender a realidade, mas, enquanto o espaço, o tempo e o número se interpõem entre o espírito e os nómenos, há outras formas de sensibilidade, desconhecidas de nós mas possíveis pela iniciação, que revelam as essências das coisas. Penso até que elas são inversas daquelas, que nós estamos voltados ao contrário: o espaço inverso é o aspecto negativo das coisas, o seu lugar; o tempo é o instante; o número é a qualidade.
António Telmo
[1] Nota do editor – O título é da nossa responsabilidade.
[2] Nota do editor – No original manuscrito, certamente por lapso, surge “li”.
EDITORIAL. 27
21-08-2022 00:02Publicar, estudar, conhecer
Doze anos após a sua partida para a grande viagem, evocamos António Telmo publicando um seu apontamento inédito e um estudo de Eduardo Aroso sobre o lugar da astrologia, ciência sagrada, no seu pensamento filosófico. Se o espólio do filósofo da razão poética ainda guarda páginas inéditas em que fulgura o seu pensamento operativo, o estudo sistemático da sua obra impõe-se como modo evidente de potenciar um legado singular e original.
VOZ PASSIVA. 123
02-05-2022 16:40António Telmo, do inesgotável ao infinito
Risoleta C. Pinto Pedro
A obra de António Telmo, por conta do trabalho sistemático com a publicação da sua Obra Completa que vem sendo feito pela editora Zéfiro, com a coordenação editorial de António Carlos Carvalho, Maria Antónia Vitorino e Pedro Martins, permite o que não tem acontecido com outros autores: o estudo, a leitura e releitura, e a permanente descoberta de novos textos a partir do espólio. Este ritmo apenas foi atenuado devido à pandemia, mas logo que todas as condições estejam reunidas, sairá o tão esperado XI volume, parado desde 2020 à porta do prelo pelas circunstâncias que todos conhecemos e vivemos. E se uma obra não é inesgotável, não está posta de parte a concretização de, pelo menos, mais um volume, que será o XII. Contudo, este conceito de inesgotável, talvez não coincida com o de infinito. Li, há pouco tempo, que dois infinitos não podem existir juntos, e como não sou matemática, fiquei a matutar no assunto sem sequer tocar na fímbria da questão. Contudo, a minha experiência com os livros de António Telmo, diz-me que uma fonte aparentemente finita pode produzir um infinito, e posso afirmá-lo sem grande hesitação. A obra do nosso filósofo esteve, durante alguns anos, esgotada, mas a reedição acrescida de novos textos permite dispor de uma série de volumes a partir dos quais o estudo pode ser organizado à maneira de cada um. Assim, o meu método é ir relendo os volumes mais antigos. A experiência é a de, se não total novidade, de pelo menos um refrescamento e novas descobertas como se o texto se abrisse a infinitas leituras e releituras. Claro que tal pode suceder-nos com outros livros e autores, mas nunca o experimentei a este nível com nenhum outro. Isto é sério, mas brincando, posso relacionar este dia 2 do aniversário do ano de 2022 com o oito, ou o mesmo infinito de que falo, e abrindo o volume que estou neste momento a reler, o IV, intitulado Filosofia e Kabbalah, procurando o ponto onde fiquei há dias, e passando para a página seguinte, leio no segundo dos trinta pontos do “Louvor da Matéria”, texto cuja leitura e meditação vivamente recomendo:
«A madeira é o que cresce indefinidamente, é o princípio da multiplicação sem divisão».
Assim sendo, parece-me que dois infinitos não apenas podem coexistir, como podem ser mais, muito mais do que dois. Não significa que eu consiga compreender isto, ou mesmo que seja verdade, mas o meu coração adere a esta realidade que experimenta cada vez que penetra na leitura desta obra magnífica e inesgotável, ainda que o espólio pareça desmentir o que digo.
2 de Maio de 2022
EDITORIAL. 26
02-05-2022 09:41Ressurgimento
Assinalando o dia em que se completam 95 anos sobre o nascimento de António Telmo, publicamos hoje uma carta inédita do filósofo para António Cândido Franco, datada de 17 de Julho de 2007 e recentemente reencontrada pelo autor de Arte de Sonhar, que generosamente nos cedeu a missiva para publicação. O seu texto integrará também, como um complemento, o Volume XI das Obras Completas de António Telmo, A Verdade do Amor precedida de Adriana, com edição prevista para o ano em curso, com a habitual chancela da Zéfiro, e que terá prefácio de Paulo Samuel. Após dois anos de uma tremenda crise pandémica, os tempos são, enfim, de ressurgimento.
CORRESPONDÊNCIA. 56
02-05-2022 09:20CARTAS DE ANTÓNIO TELMO PARA ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO. 09
ESTREMOZ
17-7-2007
Meu caro Amigo
António Cândido Franco
O texto de teatro filosófico[1] que lhe enviei foi escrito há seus quinze anos, bem como a “explicação”[2] que agora também lhe envio. Talvez que esta ajude a compreender porque a “apoteose” é a da recepção no Templo de Salomão, onde se encontra Caterina (o nome de deriva de cátaro ou de Kéter?) com quem o “argonauta” se une em esponsais.
Não conheço o valor musical do rock e até é possível que seja muito elevado para os apreciadores, figura ali como elemento a juntar-se a outros para exprimir o processo de decomposição psíquica em que também nós estamos implicados. Não o Leonardo Coimbra da minha imaginação e tal como o penso ter ele sido, que, à semelhança de Eneias na Eneida, de Ulisses na Odisseia e de Dante na Divina Comédia não se mistura com o sórdido e o abjecto, mas dele se separa pelo caminho que ascende até Deus.
As páginas que agora lhe envio são para preceder o texto teatral[3], caso o livro A Verdade do Amor venha a ser editado.
Estou-lhe muito grato pela atenção que me prestou mais uma vez lendo-me e pelo movimento junto do Paulo Loução.
Um grande abraço do seu muito amigo
António Telmo
P. S. A igreja, sendo o Templo de Salomão, é aquela que Bruno e Pascoaes queriam que fosse a Igreja Lusitana.
[1] Nota do editor – Trata-se da peça teatral, da autoria de António Telmo, A Verdade do Amor, originalmente publicada em 2008, com a chancela da Zéfiro, no volume A Verdade do Amor seguido de Adoração: Cânticos de Amor, de Leonardo Coimbra.
[2] Nota do editor – Trata-se de “Breve explicação do que atrás foi escrito”, publicado, no volume referido, logo após o texto teatral.
[3] Nota do editor- De facto, surgiram após aquele texto, conforme se explicitou na nota anterior.
VOZ PASSIVA. 122
23-08-2021 12:39António Telmo e a Santa Cabala
Eduardo Aroso
Escorre lentamente
A seiva das eras,
A cabeça e a cauda
Sempre primaveras.
Na imagem de fora
Só a ilusão é que corre.
Do sol à raiz
Nunca a árvore morre.
Letra a letra,
Tempo sobre tempo,
A escrita é soprada
E a noite mais dolorosa
Ilumina a palavra procurada.
EDITORIAL. 25
21-08-2021 00:15Um legado que se partilha
Assinalamos a passagem do décimo primeiro aniversário da partida de António Telmo com o início da publicação das cartas que o poeta e ocultista austríaco Max Hölzer lhe dirigiu, a qual se prolongará pelos próximos meses. A transcrição das missivas, escritas em língua francesa, bem como a apresentação e a anotação do conjunto, que ultrapassa as três dezenas de espécimes, são da autoria de Risoleta C. Pinto Pedro. No próximo número da revista de cultura libertária A IDEIA será publicada uma selecção deste epistolário traduzida para português pela sua transcritora, que igualmente o apresenta.
Proximamente, publicaremos ainda nesta página um conjunto de escritos inéditos de António Telmo versando a astrologia que serão comentados por Eduardo Aroso.
Acreditamos que a divulgação contínua e criteriosa do legado bio-bibliográfico do filósofo da razão poética será, ainda e sempre, a melhor homenagem que lhe poderemos prestar.