UNIVERSO TÉLMICO. 74

13-11-2022 08:37

Pedro Agostinho está agora brincando no “mundo dos encantados”

Helena Briosa e Mota

 

Todos gostamos de brincar. Uns mais que outros. E os que de nós se esqueceram do gostoso que é ser criança, da maravilha que é rir, abrir a boca e deixar soltar gargalhada pura e límpida – em particular para de si próprio rir –, esses terão dificuldade em entender quem, sendo adulto, soube guardar no coração a singeleza e a candura infantil da crença na bondade d’O Outro. Na bondade do mundo.

Ontem, quando o dia se despedia do sol para deixar entrar a noite, Jorge Barros – o mais indefectível, presente e atento dos Amigos de George Agostinho, pai de Pedro – trouxe a notícia; e ei-la correndo deste lado do Atlântico como fogo em erva seca. Quase que de imediato, da Alemanha, Ângela, em amorosa e serena evocação do mestre de eleição, o seu primeiro na Antropologia, presenteia-nos com a imagem do Amigo partido que vejo agora, brincando e rindo no “mundo dos encantados”.

 

O jovem Pedro Agostinho (à esquerda) e Agostinho da Silva

 

Apaixonado pelo conhecimento do passado como forma de entender e perspectivar o futuro, divulgador do pensamento e da acção cultural de seu pai, George Agostinho Baptista da Silva, Pedro Manuel Agostinho da Silva, professor e renomado antropólogo, ficará conhecido e será lembrado pela luta em defesa da ecologia em geral e, em concreto, dos povos indígenas e originários no Brasil; por ter trazido para a pauta a questão dos direitos humanos e do conhecimento da grandeza cultural dos Pataxó, dos Yanomami, dos Kamayurá, dos Nambikwara, ….; por ter pugnado pela defesa da sua emancipação, pelo direito de viverem em liberdade nos terrenos que dos seus ancestrais herdaram e exemplarmente preservaram.

Pedro Agostinho é amado. E não será esquecido por alunos e pares, por gente erudita e gente comum. Pela mestria, sem dúvida, mas particularmente pela humanidade.

Ângela Nunes enaltece o «amigo incondicional e generoso, acolhedor, se esquecendo de si para dar lugar aos outros. E distraído, capaz de se rir às gargalhadas das suas próprias “falhas”.» Igual ao Pai, é aclamado pela «sabedoria imensurável sobre TUDO!!!» e estimado por «aquela simplicidade verdadeira», exemplar, n’«aquela vida espartana…»

Pedro deixa-nos no dia em que a comunidade luso-brasileira chora a partida da senhora da inconfundível voz. Ei-los, Pedro e Gal, Gal e Pedro; ei-los que entram na cosmologia do reino dos mortos. Da Região do Baixo Amazonas; da Região das nossas vidas.

Na companhia dos que os antecederam, mais que integrarem a legião dos seres das terras, das águas e dos ares a quem os mortais recorrem em preito de devoção e pedido de ajuda, Pedro Agostinho passa agora a integrar o panteão de quantos, porque hábeis mestres na arte complexa de serem capazes de se fazer amar, passaram a habitar o coração dos homens. E por isso, com um sorriso, revejo-me no que João Rodrigo, o filho caçula, me diz: «Querida Helena, Pedrão vive em nós!!!!». Não tenho dúvidas, João; e sei que a “tribo”, mais que comungar da opinião, a aplaude.

Tendo partido com o Pai para terras da América Latina em Maio de 1944, Pedro Agostinho, então com 14 anos, viveu a quase totalidade da sua existência em terras de Vera Cruz. Cinquenta anos passados, em 1994, reconhecido pelo país que o viu nascer, o Presidente da República Portuguesa outorga-lhe a Comenda da Ordem Militar de Santiago da Espada. Pela brilhante acção desenvolvida nos campos das Ciências, Artes e Letras.

Convoco de novo quem de longe se faz presente. Secundando a afirmação nascida do espanto de Ângela Nunes:

                               «Gente assim há pouca! Que ricas somos, tê-lo tido como amigo.»

Sem dúvida, minha Amiga, Pedro Agostinho é e será para nós, «Inesquecível.»

                                               

         Em Lisboa, no dia de São Martinho de 2022