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CORRESPONDÊNCIA. 36
05-02-2017 18:55CARTAS DE ERNÂNI ROQUE PARA ANTÓNIO TELMO. 02

Algés, 23/III/77.
Meu caro Telmo:
Está provado: quem porfia… fotografa.
Aí vai o que finalmente consegui. Não é famoso, mas para mais não chegou nem o engenho nem a arte. Devo entretanto dizer-lhe que também este rolo teve malapata: foi enviado pelo laboratório para outra casa, devolvido por esta, etc., originando um atraso de alguns dias na entrega. Fizeram as provas em papel baço (que não pedi), sendo mais conveniente para o efeito o brilhante, etc. Do São Jerónimo, parece-me acertada a escolha por ordem de numeração, mas ampliando (a 1 ou a 2). Todas elas precisarão ser “puxadas” ao passar à chapa, podendo também alguns contornos ser antes marcados a negro para melhor contraste e noção de volumes (descida da cruz, na cabeça de Cristo, etc.). O técnico sabe como é. (Os medalhões foram feitos só para acabar o rolo).
Desculpe o atraso, mas sem menosprezar a aselhice própria, continuo desconfiado da intervenção do além nos sucessivos desaires… Até consultei o I CHING (que aliás respondeu sibilina mas favoravelmente)! Enfim: penso estarmos arrumados de fotografias – e venha o livro.
Cumprimentos para sua Mulher e beijos aos gaiatos.
Um abraço amigo do
Ernâni Roque
P. S. – O “registo” é a última cautela…
CORRESPONDÊNCIA. 35
20-01-2017 22:18CARTAS DE ERNÂNI ROQUE PARA ANTÓNIO TELMO. 01

INTRODUÇÃO CORRIGIDA EM 14 de NOVEMBRO DE 2023
Amigo de António Telmo, que o conheceu através do sesimbrense Rafael Monteiro, num círculo a que também pertenceram António Reis Marques, Orlando Vitorino e Agostinho da Silva, entre outros, Ernâni Roque é uma das figuras menos conhecidas, mas nem por isso das menos significativas, do universo télmico. Não sendo natural de Sesimbra, manteve estreitos laços com esta terra, onde durante décadas, na segunda metade do século XX, passou as suas férias em casa arrendada, dados os laços de amizade que o ligavam a alguns dos seus naturais. Por um lado, o já referido Rafael Monteiro, que o conhecera, nos anos quarenta, na sede da Mocidade Portuguesa, no Palácio da Independência, em Lisboa, quando Marcelo Caetano era o Comissário Nacional daquele organismo. Roque conhecia Caetano, de quem era amigo, das lides do escutismo, e este, conhecedor dos seus dotes de escrita, nomeou-o editor do Jornal da Mocidade Portuguesa.
Ernâni Roque trabalhou como desenhador na Câmara Municipal de Lisboa, onde tinha por colega, na Repartição da Cor, um outro sesimbrense, João Cardoso Baptista Gouveia, circunstância que evidentemente concorreu na sua predilecção pela póvoa marítima. Mais tarde, ingressará nos quadros da Polícia Judiciária, onde chegará a subinspector.
Ernâni Roque foi director do jornal O Sesimbrense, entrevistando, em Julho de 1973, Álvaro Ribeiro para o periódico da Piscosa. São da sua autoria as fotografias do claustro do Mosteiro dos Jerónimos que ilustram a primeira edição da História Secreta de Portugal. Faleceu em 1982. A sua correspondência para Telmo, cuja publicação hoje iniciamos, dá-nos conta dos estranhíssimos episódios que envolveram a atribulada captação dessas imagens. Revela, ainda, informações preciosas sobre a recepção do livro pelo grupo da Filosofia Portuguesa e pelo grande público.
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Algés, 10/III/77.
Meu caro Telmo:
Você está mesmo com azar! O rolo (que não rolava), mas era a preto e branco, entregue a um idiota aqui em Algés para verificar em câmara escura, foi por ele remetido ao laboratório – que revelou um rolo inteiramente virgem, fazendo-me perder tempo e dinheiro. Visto o resultado, compro ao mesmo cretino um rolo preto e branco, volto aos Jerónimos, faço vinte exposições e entrego o trabalho a uma casa em Lisboa. Vou hoje de manhã busca-lo e verifico que, sem saber, estive a trabalhar a côres. Resultado: isto também não serve, porque não tem nitidez nem contraste capazes para dar gravura.
De qualquer modo, vão inclusos os oito ângulos, com as repetições que eu tive o cuidado de fazer, de São Jerónimo. Junto alguns dos medalhões. Pode guardar tudo como recordação dos sucessivos falhanços…
Como se prova portanto pelos documentos juntos, há necessidade de 4.ª (!) tentativa. Fá-la-ei sábado próximo e, se quiser, mande-me instruções entretanto no sentido de entregar as provas directamente ao homem da tipografia, que não sei onde é. Poderemos assim poupar algum tempo.
Um abraço do seu chatiadíssimo amigo
Ernâni Roque
INÉDITOS. 70
13-01-2017 23:56
Sobre a Pátria[1]
Para mim a Pátria não é um Estado definitivo, que por vezes se corrompe, por vezes se aperfeiçoa, assim como se fosse uma espécie de modelo fixo onde devem estar bem comidos, bem empregados e, na melhor das hipóteses, bem casados. Esta ideia de um país operoso e bem comportado, que aumenta pelo trabalho a riqueza, que dispõe de uma cultura (poetas, romancistas, pintores, filósofos), que terá, porventura, encontrado a melhor forma de economia, que vai todos os domingos à missa e, se não vai à missa, vai ao futebol, e tudo o mais que tão bem conheceis, não é melhor ideia do que aquela que nega uma cultura própria, que nega a propriedade da Pátria, a subordina a um único factor – o trabalho – e a dissolve num Estado mais vasto, o de toda a humanidade. As duas ideias não prestam porque não são ideias, são expressões do desejo de ser feliz. Num caso como noutro o que se pretende é a quietação, a tranquilidade, o bem estar, nem que, para isso, tenhamos de sacrificar, como na verdade sacrificamos, não a liberdade, como em geral se diz nada dizendo, mas o próprio ser, sem o qual existimos como se fôssemos e não sendo nada somos nada. “O fim do homem não é ser feliz; é ajudar a evolução da natureza.” Como pode o homem saber isto se se esqueceu de si e definitivamente ignora que é um intermediário entre os mundos inferiores e os mundos superiores? De tal modo ignora que temo, ao escrevê-lo, despertar o encolher de ombros do leitor.
Tu, homem operoso no domínio do músculo ou do intelecto, que julgas contribuir, trabalhando, para um mundo melhor, diz-me porque entras em pânico sempre que a ideia da morte se torna suficientemente intensa, quer a impressão que a cause seja um tremor de terra, uma guerra civil, uma doença grave ou a solidão nos baixos caminhos da noite? Se és capaz de, com um grupo de amigos, consultar os espíritos à volta de uma mesa de três pés, terás porém a coragem de o fazer sozinho num cemitério? Afastas a ideia da morte e julgas que não morrerás nunca. A morte para ti é uma ideia matemática. O que tu receias é o teu próprio ser, esse mistério que trazes contigo, que, por vezes, tornas consciente, mas que logo afastas para “poderes ser feliz”.
Então, não me venhas falar de política, de evolução da humanidade porque o que no fundo queres é a tua tranquilidadezinha na convicção de que isto – o mundo dos homens – continuará sempre como o encontraste ao nascer, pelos séculos dos séculos, com pior ou melhor distribuição da riqueza.
Claro que para quem pense que a humanidade evolui para que o mundo evolua, dentro de um grande e misterioso plano em que todo o Universo colabora, a Pátria aparece como um elemento criado para ajudar a evolução da humanidade. Quando um homem como Agostinho da Silva diz que Portugal é um dos nomes de Deus e D. Manuel Primeiro pede ao Papa que reconheça o Arcanjo São Miguel como o Anjo Portugal é então que a mais perfeita e verídica ideia de Pátria se encontra nestes dois espíritos régios e se, no primeiro, pode ser dada por uma ideia poética, no segundo, foi um acto de profundas consequências políticas.
Na casa de Portugal, antes da conversão obrigatória ao cristianismo, não havia uma Pá[tria.]
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Não há pátria, há Portugal.
É o não haver pátria nesta terra que explica a sua história, a sua política, a sua cultura.
De início e até D. Manuel Primeiro, houve, não uma, mas três pátrias: a judaica, a muçulmana e a cristã. Se queremos falar com propriedade, por “pátria” há-de entender-se uma comunidade referida a pais comuns ou a antepassados comuns. Moisés, Maomet e Cristo tivera, entre nós, desde o início do que se chama nacionalidade as suas três “nações”. Não era apenas uma diferença de religião. Cada Nação tinha tribunais próprios, administração própria, costumes próprios, representantes seus junto do Rei das três nações. Embora historiadores como o português Paulo Mereia e o espanhol Américo Castro tenham mostrado o que foi Portugal até à obrigatoriedade da conversão ao cristianismo de todos os portugueses, o facto é que com a vitória da casta cristã a história passou a ser contada como se fôssemos “ab initio” um povo de Cristo. O país estava cheio de sinagogas e de mesquitas e não só de igrejas. A grande maioria das sinagogas foram destruídas e as mesquitas transformadas em igrejas. Depois, judeus e mouros que não tiveram a coragem de partir, cruzaram-se com os cristãos, fizeram-se “mais papistas que o papa”, “vestiram a pele do lobo”, ou o “hábito do monge”, ensinaram os filhos a ser hipócritas.
D. Manuel Primeiro, consciente talvez de que o sentimento da Pátria estava para sempre aniquilado, pediu ao Papa que reconhecesse no Arcanjo São Miguel o Anjo Portugal. É aqui que Portugal se transcendentaliza, o que leva o poeta Fernando Pessoa a chamar-lhe São Portugal e Agostinho da Silva a tê-lo por um dos nomes de Deus.
Eis pois que nunca houve pátria, mas pátrias. Eis que passa com D. Manuel Primeiro a haver Portugal.
No portal sul dos Jerónimos, o Arcanjo São Miguel está no alto de uma linha vertical representativa do eixo do mundo, tendo em baixo primeiro Santa Maria e depois o Infante. Há aqui a adesão ao Mistério essencial, o Mistério do Espírito Santo, que se revelará inteiramente aos homens através de um Imperador que é o Infante ou a Criança. Os católicos gostarão de verificar como em Fátima às três crianças apareceu Santa Maria, antes anunciada pelo Anjo Portugal, mas já nos Açores, onde estão as ilhas de São Miguel, de Santa Maria e a Terceira (também chamada do Menino Cristo) se celebrava o culto do Espírito Santo.
Claro que esta ideia de uma criança ser o Imperador do Mundo, de ser ela a soltar os presos e a distribuir o pão por todos, faz “encolher os ombros a políticos e a sociólogos e até a religiosos demasiado ciosos da sua fé política. É um sonho bom para ser sonhado por poetas como aconteceu ao Alberto Caeiro a quem uma criança, a Criança Divina, ensinou a pensar, sentir e viver.
Oremos! Quer dizer, reflictamos!
Todos nós nascemos não para sermos os homens que somos; o de que a criança é embrião é outra coisa, mas a “educação”, não só do Estado mas também essa, transforma esse embrião de poder e de conhecimento no pobre ser frágil do adulto, num ser poltrão, vaidoso, superficial, movendo-se pelas impressões exteriores como um mecanismo, completamente dependente dos outros. Pelo contrário, se a criança recebesse o ensino que convém, aquele que soubesse tornar adulta a sua essência, teríamos nela finalmente o ser que em si tem o seu princípio, de que o Infante é o mais alto símbolo.
É evidente que quando se fala no reino da Criança, não é da criança que se fala tal como a vêem os adultos, um ser imaginoso, criativo, ignorante ainda da realidade, que confunde a lua com uma fada (assim ao jeito dos contos de Afonso Lopes Vieira, ridicularizados por Pessoa, ou de Sophia de Mello Breyner, consagrados nas nossas selectas). A criança é o ser que cresce e o Infante é o ser que não fala. A criança é, porém, desviada no seu crescimento e ensinada a falar pelos adultos que nas palavras a que a habituam transmitem a sua “representação do mundo”. Um dos aspectos dessa representação está em não ver a criança como uma potência, mas como uma deficiência. Claro que a lua não é uma fada, nem a criança pensa que seja uma fada, tal como esta se representa na cabeça dos adultos. Mas que a lua é qualquer coisa que os adultos ignoram isso se o não sabe a criança, tem em si a virtualidade de o saber.
É possível que, por circunstâncias excepcionais, alguns tenham escapado ao destruir de todas as suas virtualidades de conhecimento e de poder. E que, num país sem pátria, mas com um “nome” encontrem o segredo de fazer o que não pode ser dito. Nem a todos pode já ser comunicado o Graal e o Galo que o detém no Porto de onde sempre se parte, até quando se perdeu já o gosto de “viajar”.
O Graal? O Galo? Mas porque é que o Infante não fala, tal como o nosso Pai Rosacruz dos sonetos de Fernando Pessoa?
Entretanto, reflectindo, oremos.
António Telmo
[1] Título da responsabilidade do editor.
CORRESPONDÊNCIA. 34
13-01-2017 23:26
CARTAS DE ANTÓNIO CARLOS CARVALHO PARA ANTÓNIO TELMO. 03
9/2/77
… de facto a epistolografia pode remediar em parte os males do afastamento entre nós. Desde que consigamos vencer a nossa preguiça natural e passar ao papel pelo menos um resumo daquilo que vamos pensando, desejando, sonhando…
Tenho já escrita e entregue a apresentação do seu livro[1]. Assim que tiver provas dessa parte, pelo menos, mando-lhas para dizer de sua justiça. Aproveitei a oportunidade para explicar um pouco melhor o que se pretende com a colecção “Janus” e salientei, a propósito do seu livro, o significado da História como símbolo e mito, conceitos tradicionais.
Logo que puder mande as fotografias.
Entretanto, soube-se que a ACER, representante espanhola dos livros de Evola, teria cedido os direitos da “Metafísica do Sexo” a nós e às Edições 70… Efectivamente, o editor Soares da Costa apareceu na Quadrante, distribuidora da edição Ribeiro de Mello, a protestar porque também ele tinha os direitos do livro… Esperamos agora resposta da ACER para esclarecer toda esta embrulhada…
Esperamos também que eles nos digam quanto valem os direitos de “O Mistério do Graal” para podermos avançar. O ideal seria que houvesse sempre dois livros na forja, um na tipografia e outro na linha de montagem.
Aguardo, igualmente, resposta da Gallimard cerca dos direitos de “A crise do mundo moderno” e de “O Esoterismo de Dante”. No caso de estarem livres seria possível contar consigo para traduzi-los? Pessoalmente, desagrada-me traduzir coisas – faltam-me a paciência e a resistência física para esse fim…
Já agora, que novas me dá do projecto do seu livro sobre “Os Lusíadas”?
A respeito de Gustav Meyrink, dele conheço apenas “A Noite de Walpurgis” e passagens de “O Golem”, o que é pouco. Mas percebi já que se trata de um autor importante pelo que diz e pelo que sugere. Além dos outros livros gostaria de ler uma biografia ou um estudo sobre ele. Conhece algum?
Quando vem cá outra vez?
Continuo à espera de notícias de Coimbra.
“The Man and the Nature” está na lista de espera[2].
Diga coisas – cada carta sua é um estímulo – dos poucos que ainda vou tendo.
Madalena recomenda-se e diz que o não esquece…
Um abraço
António Carlos Carvalho
[1] António Carlos Carvalho prefaciou a primeira edição da História Secreta de Portugal.
[2] Referência ao livro, com este título, de Seyyed Hossein Nasr.
INÉDITOS. 69
07-01-2017 14:47
Rascunho de uma carta para Max Hölzer
Como deve calcular, leio sempre várias vezes as suas cartas, tentando tornar precisas as indicações que nelas me vai dando, indicações que muito agradeço.
Acabei hoje a segunda leitura do livro e vi e senti nele muitas coisas que na primeira leitura me passaram completamente desapercebidas. É um livro inesgotável para ler e estudar toda a vida.
Deixo o que digo no plano da generalidade, porque em relação a si passa-se em mim qualquer coisa de esquisito: de um lado, a impressão de que sabe muito melhor do que eu o que se está passando comigo, do outro lado um querer conduzir-me nesta nova forma de vida (antes, o ser e estar obrigado a conduzir-me porque estou só e o Max Hölzer longe) por mim próprio e meus próprios meios. Diga-me, pois: quer que lhe conte, em próxima carta, o que procuro procurar fazer?
Claro que estou consciente de que não sei ainda (sabê-lo-ei algum dia?) distinguir o subjectivo do objectivo, mas temo por vezes arriscar-me para além do devido neste momento. É exactamente isto: subjectivo, subjectivo com certeza, mas pode ser objectivo. Com efeito, começo a sentir cada vez mais a necessidade de uma orientação exterior (a sua), por assim dizer, enquanto não souber guiar-me por uma orientação interior. Devo dizer, ainda de uma maneira geral, que tenho procurado activar o sentimento de mim e das coisas onde estou, “não querendo nada”. Mas há cães, gatos que me aparecem quando tento, isolado e quedo, no meio da Natureza, o “rappel de moi” (afinal, começo a particularizar, mas vejo-o imediatamente a rir de mim).
O meu livro História Secreta de Portugal tem sido um êxito; é lido por muita gente. Adquiri uma certa celebridade e há pessoas que me procuram como se eu fosse um sábio; há também os que, depois de terem lido o livro, o aplaudem mas procuram dizer-me o verdadeiro segredo que ele contém. Recebo cartas a que não respondo; uma marca-me um encontro misterioso mas não vou. Eis nisto tudo uma prova para a minha vaidade. Julgo saber, porém, que a vaidade não se ataca de frente; cai de si, quando se conquista uma certa “plenitude” de ser; por ora, combato-a pela astúcia com perguntas deste género: o meu livro, naquilo que tem de verdadeiro, não o sei; eu não sei nada daquilo que lá escrevi; julgo ter apenas uma vaga premonição, por um lado, por outro uma série de associações mentais resultado de leituras, de alguma reflexão de outro que não sou eu.
Fala o Max Hölzer de uma certa “confluência” na interpretação sua e minha de Pessoa. Aceito, desde que se utilize a palavra confluência, pois creio que as duas fontes se encontram em planos distintos. O Max Hölzer diz o que sabe e diz bem; eu digo o que não sei e digo bem.
Creia que estou convencido de estar a dizer o que penso.
Ultimamente ocorreu-me a suspeita de que os poemas curtos de Pessoa são exercícios de “rappel de soi” sobre um suporte ocasional: o voo de um pombo, a brisa que passa, o gato que brinca na rua, a onda que enrolada torna ao mar que a trouxe. Que acha o Max Hölzer?
Estou passando a fotocópia do excerpto da carta ao Francisco aos outros participantes das reuniões. Seguirão, se puderem ou quiserem, a recomendação sobre leituras prévias.
Eu, por mim, já fiz a leitura do capítulo XII do Castaneda.
Dia quinze estaremos de novo em Lisboa, onde se lerá o capítulo XVII do B.
Claro que passo a fotocópia aos dois elementos de Estremoz: Ballesteros e Maria de Lurdes. Eles irão daqui comigo.
Como esta carta já vai longa, despeço-me de si, meu Amigo, pedindo-lhe que me diga alguma coisa de si. Já se libertou dos trabalhos físicos?
António Telmo
CORRESPONDÊNCIA. 33
06-01-2017 22:35
CARTAS DE ANTÓNIO CARLOS CARVALHO PARA ANTÓNIO TELMO. 02
17/1/77
Ora viva!
Afinal acabámos por nos despedirmos precipitadamente, cada um para seu carro, naquela madrugada fria em Miraflores. E frio foi também aquele serão, povoado de longos silêncios. Meu Deus, que falta de inspiração… Espero que não seja assim todas as quartas-feiras… Qualquer dia volto lá, para ver se tenho mais sorte com a animação cultural e filosófica. A propósito: qual é a morada do Luís Furtado Guerra (Júdice mas nunca judeu!)??
Devo confessar que saí de lá de casa bastante decepcionado. Tinha imaginado que iria encontrar um “festival” de diálogo socrático – mas como, se Platão era “apenas” um amante da “ironia”, “pouco sério”, etc., etc.?... preferi remeter-me ao silêncio, bem mais positivo neste caso.
Veja que diferença houve entre o diálogo a três[1], durante o almoço e na Pastelaria Zurique, e aquele serão em que todos parecíamos esperar que o Espírito Santo descesse sobre as nossas cabeças, sob a forma de línguas de fogo…
Uma certeza nos resta: a de que interessa realmente trabalhar noutro sentido, com outra profundidade e com os olhos postos em tarefas mais concretas que estão por fazer. O seu estudo sobre a “trilogia” Virgílio-Dante-Camões, o estudo alquímico de Yvette Centeno, a minha “viagem” ao Reino do Preste João e a simbologia numérica do nosso amigo Sottomayor (espero que lhe forneça o necessário estímulo) são perspectivas de trabalho muito reais para os próximos meses, já anunciadas por mim aos sócios da Vega. Entretanto, vamos apontar para uma assídua troca de conhecimentos e informações várias a partir do que formos lendo e sabendo. Certo?
A propósito: Edições Afrodite (Fernando Ribeiro de Melo) publicaram “Metafísica do Sexo”, livro que eu queria tanto para a nossa colecção. Paciência… espero agora resposta de Espanha, para saber o que está livre do Evola.
Espero também resposta de Coimbra, do tal grupo ligado à revista “Ruta Solar”. Vamos lá ver o que dizem.
E os “ruídos estranhos” continuam: depois e Coimbra, foram ouvidos na Marinha Grande…
Um abraço e até à próxima
António Carlos Carvalho
VOZ PASSIVA. 74
31-12-2016 18:53
Sobre a poesia de António Telmo
Rui Arimateia
Apresentar e falar sobre a figura e a Obra de António Telmo é sempre um desafio do “Arco da Velha”, simultaneamente difícil e estimulante.
Difícil, devido à complexa idiossincrasia do Autor, estimulante porque a presença de Telmo continua a inspirar-nos a constantemente re-trabalharmos (e não a repetirmos) a sua obra em nós e entre nós para que o poder do pensamento criativo aconteça e transforme e siga livremente para o Astro…
Tal como afirma António Telmo:
«A terra em que vivemos é apenas um laboratório; no athanor da humanidade separa-se o subtil do denso. Esta não é a terra definitiva. Para onde vai a energia que, pela entropia, constantemente se perde? Transforma-se em energia espiritual. Tudo quanto de bom e de verdadeiro se pensou e imaginou, e pensa e imagina, é o subtil que se separa do denso e vai formar a Terra Prometida.»
[A.T., in A Terra Prometida, Edições Zéfiro, Sintra 2014, pp.17-18].
No que diz respeito à sua personalidade única, poderemos socorrer-nos de uma auto-apresentação que o próprio António Telmo escreveu, na Carta-Prefácio ao livro de Alexandre Teixeira Mendes [“Barros Basto – A Miragem Marrana” (p.12)], é muito ao seu jeito:
«Não serve então de prefácio esta carta? É a obra de um marrano, cheia de paradoxos e de duplicidades, de desvios súbitos, de contradições, de certezas e de incertezas. (…).»
Daí que ao lermos e tornarmos a ler a extensa obra que Telmo nos legou, a nossa evolução/criação interior, a nossa reflexão que pretendemos séria, nos vai permitindo uma compreensão cada vez mais profunda da dinâmica do pensamento criacionista do Autor. Pois que a poesia para António Telmo é criacionista; uma vez que cria a realidade de que fala. E importa reescrever e verbalizar esse pensamento porque, como ele afirma, “Só há pensamento, pelo menos pensamento activo, através da palavra”.
Em momentos de profunda crise física (económica e financeira) e psicológica (carência de valores humanistas), como são os que nos encontramos a viver, estas Tardes Télmicas são fundamentais para a conservação e o fortalecimento da Cultura Portuguesa, da sua Filosofia, da sua Poesia, do seu Humanismo… entre as nossas comunidades.
É um projecto generoso construído em comum por homens e por mulheres preocupados com a participação e com a assumpção da palavra, factores importantes e fundamentais para a coesão e a harmonia, tanto social como espiritual. Um sentimento forte começa a nascer no mais profundo de nós próprios quando reflectimos em conjunto estas matérias, e de facto começamos a sentir que o poder da palavra (do diálogo, da partilha) cada vez mais terá de se impor perante a palavra do poder…
Diz-nos António Telmo, numa entrevista a Américo Rodrigues, que:
«(…). Não me considero um mestre. Eu não considero e qualquer desses que aí estão no livro [António Telmo e as Gerações Novas] não podem dizer que são meus discípulos, porque eu ainda não lhes disse que eram, não é? Porque o mestre é que diz quem é o discípulo.
E um discípulo não pode escolher um mestre?
Não pode. Podíamos estar sujeitos a que qualquer cavalheiro dissesse que era discípulo. Agora seguidor, aceito. Eu gosto muito da expressão “olhar a mesma estrela”. Eu aceito que eles todos olhem a mesma estrela mas isso não me põe a mim na situação de mestre. Companheiro mais velho, talvez.»
[António Telmo, in «A Terra Prometida», Ed. Zéfiro, Sintra, 2014, pág.185.]
E são sobre as palavras de poesia daquele Companheiro mais velho que gostaria de tecer algumas breves considerações, tentando continuar a “olhar a mesma estrela” que muitos de nós partilharam e vivenciaram com António Telmo.
Não queria deixar de felicitar a querida Amiga, a Escritora e Poeta Risoleta Pedro, cujo trabalho de compilação e de apresentação dos poemas, agora reunidos neste VI livro das Obras Completas de António Telmo, foi extraordinário e esclarecedor para quem se quiser debruçar mais aprofundadamente sobre os textos poéticos de Telmo.
Não queria também deixar de agradecer o convite que me foi feito pelo Amigo Pedro Martins para fazer esta pequena apresentação, dando-me a oportunidade de a partilhar com os presentes. E a todos os Amigos e Amigas do Projecto António Telmo que, continuando a trabalhar e a publicar a Obra de António Telmo, estão a contribuir decisivamente para o tornar imorredouro…
Sendo estas sessões também para nos reaproximarmos da obra de António Telmo, recorrerei à sua palavra sempre que a mesma for esclarecedora, sempre que nos dê mais claridade, sobre algum assunto mais complexo, dúbio ou esotérico apresentado nos poemas.
Elegi meia dúzia de poemas. Os que pela sua leitura, e neste momento, me tocaram mais fundo e que suscitaram uma ou outra reflexão.
Então, e para “entrar a matar”, recordemos que, para António Telmo,
«As ideias são comunicadas pelos anjos! Só que há quem as pense e quem as não pense. O pensamento é que é nosso. [pág. 57]
(…)
Acho que a poesia não tem intenções porque a poesia é também o resultado da colaboração do homem com o anjo. Claro que eu não digo que o anjo é que escreve os poemas, é o homem que escreve os poemas ajudado pelo génio! O génio era esse anjo que a gente vê nas “Mil e uma Noites”, os génios que são educados. (…).» [págs.183-4]
[António Telmo, in A Terra Prometida, Edições Zéfiro, Sintra 2014, pp.183-4].
Após esta consideração, indicarei então alguns dos poemas que me tocaram e que me fizeram alargar a consciência para outra Poeta, Beatriz Serpa Branco, cujas palavras considero estarem em perfeita sintonia com António Telmo e que inclusivamente se conheceram e trocaram publicações nos idos anos de 1982, em Évora.
Confesso que me diverti imenso a ler a poesia agora reunida de António Telmo e, sem esforço, ler as frases, olhar as palavras, sentir e desocultar os sentidos esotéricos e exotéricos das construções poéticas. Contudo obra inacabada, continuamente retrabalhada… sempre que me apropriar de um poema e lhe fizer uma nova leitura.
Dionísio, poema da juventude, em que António Telmo faz desocultar a relação entre o menino e sua mãe, num jogo onde a vida e morte nos alertam para o tempo mítico da criança. Obrigou-me a olhar para o tempo mítico da minha infância.
Para António Telmo – criança é o ser que cresce, o adulto em devir; a criança, através da educação deverá atingir o estado adulto com uma inofensividade (ahimsa, conceito espiritual que os orientais tanto prezam) que a tornará um “príncipe, isto é, um ser que em si tem o seu princípio e do qual o Infante é o seu perfeito símbolo.”
Tal como o Infante do poema Eros e Psique de Fernando Pessoa:
“(…).
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.”
A Inofensividade é um estádio de evolução psicológica e espiritual que acontece após a fase de inocência da criança; é um estádio em que a reflexão e o autoconhecimento constroem um homem novo. Nos contos do maravilhoso, o Príncipe e ou a Princesa, no início da saga encontram-se normalmente num estádio de graça onde a inocência impera! Através das provas físicas e psicológicas, através da experiência perigosa de contacto com o mundo real, vão adquirir força, beleza e sabedoria interiores suficientes para assumirem a transformação/crescimento do Ser e, através da escolha e do livre arbítrio transmutam a inocência (estádio inconsciente) em inofensividade (estádio consciente). O autoconhecimento tem aqui um papel fundamental.
Apresento-vos então um poema de Beatriz Serpa Branco, em casa de quem tive o prazer de conhecer António Telmo na Primavera de 1982, retirado do seu livro de poemas “A face e as sombras” [Colecção Daimon, Évora, 1959]:
“o menino é um recém-chegado de outros mundos.
anunciador de uma distância íntima. de onde nascer
é revelar
sinal de uma viagem a um viver separado.
memória. vaga memória. de brisas além da terra
em mares de aprofundar.
ele é o Anjo enviado de nossos reinos secretos. a este
mundo de fora onde depois da infância nos encontrámos
habitando. sem saber de outro lugar.
mas o menino é de longe. a Boa Nova soada de praias
além do mar.
rosto voltado aos cantos da distância.
olhos despertos ao acenar do longe.
de onde vieste e ainda lembras sem saber lembrar?
eco de mundos de silêncio o teu silêncio. menino
de silêncio olhando.
presença de um Real chamando.
além das vozes. das coisas. e dos gestos.”

Narciso, poema também da época da juventude de António Telmo. Utiliza neste seu muito longo poema, uma riqueza de metáforas e mais metáforas. Para António Telmo, e segundo António Cândido Franco, “a arte poética é o exercício da metáfora”.
A metáfora da água que António Telmo utiliza generosamente neste extenso poema, e ao longo de toda a sua obra poética, remete-me para uma quadra do cancioneiro popular alentejano dotada de uma profundidade de significado que importa ter em conta nas nossas pesquisas sobre a criação poética portuguesa, a saber:
Não me inveja de quem tem
carros, parelhas e montes
só me enleva quem bebe
água em todas as fontes.
A água em todas as fontes terá de ser bebida para que o Amor aconteça… para que o Amor prevaleça…
O cante alentejano, através do seu cancioneiro tradicional, contém em si vestígios de uma muito antiga sageza, sem idade… Uma sabedoria oculta, subterrânea, ancestral, que nos diz que todos os homens são irmãos, que todos detêm um saber que está para além da propriedade material das coisas, dos objectos. Como consequência directa, todos poderão partilhar e simultaneamente usufruir as riquezas espirituais comuns, colocando-se cada qual disponível para ouvir o outro e partilhar com ele.
Nos dias que correm é cada vez mais necessário que cada um de nós queira e consiga “beber água em todas as fontes” para que as diferenças de todos possam ser compreendidas e aceites por todos. Para que aquilo que diferencia os homens uns dos outros seja um factor de aproximação e não um factor de desavença e de desentendimento.
Terra escura de carne dolorida, poema em que António Telmo continua a cantar a água e o sol…
Refere a certa altura o canto do rouxinol, De lunar sentimento embriegado, talvez porque sinta em si próprio o tempo sem tempo.
Na nossa notável tradição galaico-portugueza relembremos a poesia de Afonso X, o Sábio, nomeadamente as suas “Cantigas de Santa Maria”. Ora justamente uma dessas Cantigas (a CIII) canta-nos a história de “Como Santa Maria fez estar o monge trezentos anos ao canto da passarinha, porque lhe pedia que lhe mostrasse qual era o bem que avian os que eran en paraiso”.
Reza assim:
“Certo monge rogava a Deus em instantes súplicas, que lhe desse em vida uma pequenina amostra dos gozos do paraíso. Eis senão quando um dia chegou aos seus ouvidos o canto dum passarinho, mas tão suave e melodioso que, no desejo de mais perto o ouvir, saiu do seu convento e foi prostrar-se junto do sítio onde a avezinha estava poisada. Sempre enlevado, ali se quedou algum tempo, segundo ele pensava, até que o alado cantor se afastou, dando fim aos seus trinados. O bom do monge voltou então ao cenóbio, mas grande foi a sua admiração, quando viu o exterior mudado, e maior ainda, ao saber do porteiro que nenhum dos seus antigos confrades lá estava. À vista da sua insistência em afirmar que poucas horas havia que dali saíra, perguntaram-lhe o nome do seu abade; foi então que, consultados os anais da casa, se reconheceu que trezentos anos se tinham passado entre a sua partida e chegada. Pouco tempo sobreviveu o santo homem à estranha aventura, voando o seu espírito de aí a pouco para o seio de Deus.”
[O Monge e o Passarinho – Uma Lenda Medieval, José Joaquim Nunes, Academia das Sciências de Lisboa, Separata do «Boletim da Segunda Classe», Vol. XII, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1919.]
“Fecunda a terra o sol do amor perfeito. / Meu coração fica todo florido.” – Não remeterão estes dois versos para a realidade inefável de uma passagem de uma transformação… de uma Iniciação? Onde de novo faz todo o sentido o tempo sem tempo!
Outros poemas me saltaram à vista e ao sentimento:
O teu amor não veio moça? Choras. – Utilização pelo Autor de Metáforas. Imagens de grande riqueza poética a cantar o Amor.
A família é quando se dorme. – O jogo simbólico da luz com a sombra. Duas faces da mesma moeda. O Inefável… o indiscritível… Novamente as crianças, aqui aparecem como intermediárias entre os homens e Deus!
A minha fé tem a medida do que sou / Que se passou na infância que não lembro – Dois poemas que fundindo-os se constrói um soneto que trata de duas realidades psicológicas determinantes na obra e na reflexão de António Telmo: a assumpção da máxima “Eu sou o que sou” e o facto da Memória encontra-se ligada em profundidade à Inteligência! Sem inteligência não há memória e sem memória não acontece a inteligência…
A mim próprio – poema em que se adivinha a luta humana do eu e do não eu. A Gnose e as contradições da natureza humana em busca da perfeição ou da Morte. “Não sei como tentar e, se sei, temo / O fulgor essencial que mata ou cega.”
Uma vez conheci pelo Espírito Santo – Conhecer é recordar e novamente a frase iniciática “Sou aquilo que sou” saltam-nos aos sentidos e fazem sentido enquadradas pelo Espírito Santo o Senhor das Linguagens e dispensador do entendimento – novamente a máxima platónica do “conhecer é recordar”, continuamente utilizada..
Mestria / Rotina – poemas que remetem para a realidade simbólica ou menos simbólica da Maçonaria.
No primeiro poema, António Telmo dá-nos a descrição sumária da vivência íntima da passagem do Grau de Companheiro para o Grau de Mestre Maçon. Pondera a eficácia de todo o cerimonial…
No segundo poema, António Telmo, critica o comportamento de maçons no interior da Maçonaria. Maçon porquê? Para quê?...
Levaram luz pr’a onde reina a treva – novamente António Telmo fala-nos sobre a autenticidade da Maçonaria nos dias de hoje.
Lembremos, a propósito, um pequeno trecho de António Telmo sobre o assunto:
“(…) É espantoso como foi possível conservar, ao longo dos séculos, inalteráveis, no que lhes é essencial, ritos e símbolos maçónicos, quando enormes forças, cá dentro como lá fora, tudo têm feito para os adulterar e corromper (…).”
[António Telmo, in A Terra Prometida, 2014, pág. 108].
Breve conclusão:
Diz-nos Carlos Aurélio, Amigo e Companheiro de longa data de António Telmo que “A sua vida e a sua obra são metáforas mútuas, reflexos similares da mesma alma inquieta por Deus e por Portugal, a sua criatividade é fértil porque exposta à expectativa do espírito, ao espanto de se estar vivo.”
[Carlos Aurélio, António Telmo (1927-2010) e Vila Viçosa, in “Callipole”, n.º 18, Ed. Câmara Municipal de Vila Viçosa, 2010.]
Mais uma vez recorro às sábias palavras de António Telmo quando refere que “Os grandes poetas fazem-nos esquecer as imagens visuais com que nos falam. Tudo, sob a sugestão encantatória do ritmo, se dissolve em sons, cheios de «espírito», cada vez mais altos e profundos, em que ideias e sentimentos se confundem numa mesma, única e indefinível vibração.”
* * *
Termino com a leitura e a partilha de dois pequenos poemas de Beatriz Serpa Branco exactamente sobre “o poeta”:
todo o poeta é profeta
só ele sabe antes do tempo
como acontece a verdade
e onde é verdade a cidade
aquela antiga cidade
da unidade e da altura
só ele sabe essa lonjura
terra em amor prometida
depois do tempo acabar
todo o poeta é profeta
só ele faz nascer o dia
antes de o sol o criar
* * *
deixa a Visão ficar
deixa o poeta morar ah deixa
deixa que o poeta viva em ti
ele vem a acordar o poeta que em ti era
e da infância esqueceste
pelos caminhos da terra
* * *
Rui Arimateia – Sesimbra, 10 de Dezembro de 2016.
Sessão de apresentação do Vol. VI das Obras Completas de António Telmo – VIAGEM A GRANADA SEGUIDA DE POESIA, na Biblioteca Municipal de Sesimbra, dia 10 de Dezembro de 2016, 15:00.
VOZ PASSIVA. 73
31-12-2016 18:36O plano C
António Couvinha
Estávamos em 1974 e vivia-se a revolução de Abril.
Viéramos de vários locais como Évora, Rio de Moinhos, Estremoz e o encontro estava marcado para o Café Plátano no Redondo.
Na sala interior à volta de umas garrafas de vinho, pão e queijo, éramos uns 11 ou 12, talvez 13. Não sei bem.
Relembrando um antigo “Manifesto” publicado em 71 e um segundo apreendido pela PIDE e sobretudo o que estava mais actual, a revista PI (com letra grega) da Escola Secundária do Redondo, orientada por Manuel Calado e Armando Carmelo, propúnhamo-nos criar uma outra publicação de intervenção artística e sempre empenhada politicamente como seria de esperar na época que decorria. (O Redondo era nessa altura mais ou menos a sede da LUAR no Alentejo).
O António Telmo e o Armando Carmelo eram os mais velhos participantes neste encontro e foi precisamente o António Telmo que propôs a criação de uma revista que fosse o braço artístico, ideológico e interventivo deste grupo ali presente. Constituir-se-ia assim um grupo ou “sociedade secreta” como centro de gravidade desta produção cultural. Foi então que sugeriu que o nome do grupo e o título dessa publicação começasse pela letra C visto que, apenas com uma excepção, o António João Brito, todos os outros presentes tinham um nome começado por C.
Foi um momento com muita surpresa e alguma expectativa perante aquele olhar e sorriso misterioso que todos conhecemos do António Telmo, pois não tínhamos tomado consciência disso e além disso ele não conhecia todos os presentes. Então todos nos entreolhámos para confirmar com satisfação, que salvo a excepção do Brito, que ficou um pouco desanimado, de facto o Armando Carmelo, o Manuel Calado, o Luís Cavaco e o seu irmão .... Cavaco, o António Fernando Cabeça, o José Manuel Carvalho (Pepe), a Lídia Cascalho, o meu primo José Manuel Couvinha, eu próprio António Couvinha e até o António Telmo Carvalho Vitorino todos tínhamos um nome começado por C!
Passados esses momentos de “suspense” começámos por aventar para a mesa sugestões do que poderia vir a ser o nome dessa publicação e que além do C, por ser pela Liberdade deveria ter o nome de uma ave. Lembro-me do quase óbvio Colibri, mas houve outras propostas embora a memória não me auxilie.
Não foi formado grupo nenhum. Ele já existia, estava ali. Não foi criada nenhuma publicação, apenas uns panfletos policopiados que foram o catálogo efémero da Exposição de Pintura e Desenho que o Fernando Cabeça, o Manuel Calado e eu próprio, viríamos a realizar no Alandroal e em Sesimbra, organizada pelo António Telmo. A intervenção musical foi do Vitorino e Cantadores do Redondo. Em Sesimbra também com a participação do Zeca Afonso.
Évora 29/10/2016
CORRESPONDÊNCIA. 32
31-12-2016 18:23
CARTAS DE ANTÓNIO CARLOS CARVALHO PARA ANTÓNIO TELMO. 01
5/1/77
Meu caro Amigo (permita-me que o trate assim, visto que, afinal, estamos ligados por laços tradicionais, ou seja, indestrutíveis, para além dos condicionalismos do tempo e do espaço)
Primeiro que tudo, um pedido de desculpas, que é a ao mesmo tempo uma justificação: escrevo-lhe à máquina porque a minha caligrafia tem piorado com os anos, a ponto de somente eu e minha mulher a podermos decifrar. E, mesmo assim, às vezes…
Vamos ao que importa: terça-feira passada[1] houve reunião com os sócios da VEGA[2], Assírio Bacelar e Vítor Paiva. Nessa reunião evidentemente o ponto principal da “agenda de trabalhos” foi o seu livro. Fiz-lhe a devida apresentação, afirmei claramente que tinha tanto interesse nele como se fosse meu e procurei realçar a importância do seu texto e da sua publicação numa colecção do tipo da “Janus”[3]. Tudo isto foi claramente entendido por eles, o que muito me consolou. E foram eles próprios a pôr a questão: não haverá outras pessoas, suas amigas ou conhecidas, interessadas nestes temas, que tenham projectos, investigações já feitas ou até livros já prontos que estejam apenas à espera de editor?... Veja a perspectiva que isso nos poderia abrir – formar um grupo de estudos a partir desta colecção, com autores-investigadores que encontrassem ali abrigo para os seus originais… Parece quase um sonho, não é verdade? Mas talvez se possa tornar realidade se os Fados nos forem propícios. Seja como for, vamos lutar por isso.
Em termos monetários e quantitativos, o seu livro deverá ter três mil exemplares vendidos a cem escudos. E dessa multiplicação cabem-lhe de direitos dez por cento, pagos em quatro prestações (a editora é “minhoca”, como sabe): a primeira a 30 dias da publicação, a segunda a 60 dias e as outras duas a 6 e 12 meses da publicação, com os devidos ajustamentos em relação às vendas. Espero que esta explicação esteja clara…
Mas este livro é só o princípio. Estão abertas as portas para continuarmos a escrever nesta colecção, nós e outras pessoas que estejam interessadas. Compete-nos, portanto, angariar colaboradores e textos que se enquadrem dentro desta linha. De facto o tempo que nos resta é escasso; convém aproveitá-lo bem. Que o Grande Arquitecto do Universo nos ajude.
Sempre se confirma a existência de um inédito “sebastianista” do José Marinho? Se assim fosse, teríamos que arrancar já com isso, para entrar a seguir na colecção.
Aguardo as suas boas notícias e entretantos estamos de parabéns!!!!!
Um abraço tradicional do seu amigo
António Carlos Carvalho
[1] A terça-feira imediatamente anterior à data desta carta foi o dia 4 de Janeiro de 1977.
[2] Chancela que publicou, em 1977, a edição prínceps da História Secreta de Portugal.
[3] António Carlos Carvalho era o director da Colecção Janus.
EDITORIAL. 10
20-12-2016 17:05
Um gigante entre gigantes
Há alguns dias, António Telmo foi um dos autores estudados em Lisboa no 8.º seminário do projecto Redenção e Escatologia no Pensamento Português, da Universidade Católica Portuguesa, ao lado de nomes como Antero de Quental, Fernando Pessoa ou Agostinho da Silva. Agora, de Espanha, chega-nos a notícia da homenagem que a prestigiada revista Cultura Masónica lhe prestou no seu mais recente número, o 27, enfileirando o seu nome - Telmo, simplesmente Telmo - na capa ao lado dos de René Guénon, Cagliostro, Pascoal Martins e Joseph de Maistre, entre outros. São “figuras que aportaron otras luces”, dando corpo ao tema desta edição da revista: “Heterodoxia Masónica”, onde se publica uma versão castelhana do escrito télmico sobre Abellio, já reunido em A Terra Prometida. Compreende-se que assim seja: o lugar de um gigante é entre os gigantes. Por muito que custe a alguns atormentados pela hiena da alma, a hora de Telmo está a chegar…
Um Santo Natal e um feliz ano de 2017!
