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VOZ PASSIVA. 105

21-08-2020 00:05

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

A Voz

Maria Antónia Braia Vitorino

 

Bem timbrada

Bem colocada

Atraía

Seduzia

Encantava

Quem ouvia!

Telmo usava

Improvisação

Ao expor.

Chamava

Mais atenção

Ao espectador.

Articulava

Pausadamente

Com boa dicção.

Olhava de frente

P’ra quem assistia

Àquela sessão.

Tudo se percebia.

Rosto erguido

Sem baixar

Nem virar

A cabeça.

Tudo era ouvido.

A intenção era essa.

VOZ PASSIVA. 104

20-08-2020 23:46

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro


 

(5) A Verdade do Amor

 

É na verdade que o Amor persiste

Adoração que nasceu em mim.

O Espírito nega, antes do fim,

A emoção que no pensar consiste.

 

Por via de Platão e Leonardo,

Memória, imagens que Bergson acorda,

Do N de Natália, aonde o bardo

Conduz Narciso, cujo beijo aborda.

 

Sendo a paisagem, para quem medita,

A montanha ladeada de ciprestes,

Nada faz pensar que a turbulência habita

 

Metistófeles, sob desvairadas vestes.

A força do nome que lhe pôs o Mestre

Soterra-o na treva do desdém terrestre.

 

VOZ PASSIVA. 103

20-08-2020 23:36

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

E se falássemos de António Telmo?

Pedro Martins

 

 

«Todos quantos podem dizer «nós» pensando na sabedoria esotérica que permitiu à Faculdade de Letras da Universidade do Porto ser uma escola esotérica serão capazes de pressentir, se não o souberam já, o que o discípulo de Leonardo Coimbra pretendia dizer ao invocar o nome de Hermes. A existência de uma sabedoria hermética, demonstrada neste estudo, sabedoria não inconsciente mas subconsciente à filosofia portuguesa, ao ser descoberta poderá traumatizar quem entrou na escola de Leonardo Coimbra pela porta da ortodoxia. A fidelidade ao ensino só poderá manter-se com o reconhecimento do que lhe aparecerá como terrível e inevitável. Qualquer subterfúgio para iludir a verdade frustrar-se-á perante os textos. Será talvez tarde para recuar, mas, se persistir, ao reconhecimento, no sentindo aristotélico da tragédia grega, seguir-se-á a catástrofe e, por fim, havendo coragem e inteligência, a entrada em Colona, onde Édipo, pela mão de Antígona, filha do incesto, ainda hoje exerce a medicina perfeita.»

 

                        António Telmo, in “As Tradições Heterodoxas da Filosofia Portuguesa”

 

 

O nacionalismo místico que António Telmo professava de modo confesso prestou-se por certo a equívocos que dele, porém, nunca partiram e de que o filósofo, de resto, se soube sempre precatar. Baste a leitura das primeiras páginas da História Secreta de Portugal para se perceber que nunca o seu nacionalismo foi um nacionalismo político, naquele sentido nefasto que ensombrou o século XX e o mundo civilizado se encarregou de apostrofar.

Ser Telmo nacionalista em mística, termo aliás equívoco, cujo significado se degrada quando o restringem ao domínio da religião, há-de parecer tão legítimo quanto o sê-lo em música um Lopes-Graça; mas esta asserção, que, em sua verdade, deveria parecer óbvia, talvez suscite hoje o esgar policial de uma chusma energúmena para quem mesmo o patriotismo (afinal, uma questão de amor próprio, um modo matinal de enfrentar o espelho) constitui crime hediondo. Terão também de se haver com Portugal, Razão e Mistério, de António Quadros, obra maior desse lídimo interlocutor de Telmo, agora regressada, na plenitude possível, aos escaparates de todo o país.

Não que Telmo curasse de quaisquer soslaios. Nivelando Sérgio por Salazar na balança escandalosa com que aferia a massa plúmbea da nossa decadência, sabia bem o filósofo, para quem a imparcialidade, como por mais de uma vez lhe escutei, era uma condição sine qua non do filosofar, quanto iria afrontar os modos instituídos de pensar.

São assim os livres-pensadores religiosos, atreitos aos códigos austeros do ocultismo que transcende os dogmas. Congeminado sem baias, afrontam os áulicos do fanatismo, esses milionários da fé, como dizia Pascoaes; inscrevendo a palavra Deus no horizonte das suas ideias, decepcionam o fanatismo dos áulicos, tão cheios de si como de verdades chãs.

Distante o fátuo proselitismo da estearina bafienta que aspirava a envolvê-lo, e cujos fautores, afeitos ao comércio de tronos e altares, enfim hauriram as consequências implicadas no excerto de Filosofia e Kabbalah dado à epígrafe destas linhas, o legado de Telmo, na senda de Bruno, Leonardo, Álvaro e Marinho, Eudoro e Agostinho, oferece-se então como porto de abrigo a quantos, sem perda ou ganho de credo próprio, se recusem a aceitar, sem mais, a institucionalização academicista da filosofia portuguesa pelo prisma redutor de um certo leonardismo tardio, a qual, de resto, já hoje arrosta o embate malsão de tensões intestinas cujo centro de gravidade, mostrando-se alheio, e mesmo adverso, ao cerne soberano da Escola Portuense, a esta, por isso mesmo, não hesita em impugnar-lhe a própria existência.

Caso este muito para meditar, o de uma improvável guerra civil, que se diria prestes a eclodir, entre díspares prelaturas, quando o móbil do prélio seja, afinal, um vergel gizado entre o filo-judaísmo redentorista com que Sampaio (Bruno), em seu anelo messiânico, tende, n’O Encoberto, à exaltação da Ordem Maçónica, e o sublime escândalo ebionita que Álvaro Ribeiro re-velou em A Literatura de José Régio. Pois se não for sobretudo isto, senhoras minhas e meus senhores, a filosofia portuguesa, que quereis vós que ela seja?

Se o canto das sereias usa causar naufrágios, a arca de Noé impõe-se ao dilúvio. Por estes dias, António Telmo pode bem ser tido por um autor ignorado da maioria e da multidão. Mas por submersa, ou subterrânea, que a sua influência seja, nem por isso será menos luminosa. E, como o filósofo não raro lembrava, é na obscuridade que as grandes transformações se dão.

VOZ PASSIVA. 102

18-08-2020 21:28

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Trilogia das naus

- Evocação de António Telmo

Uma década de serviço e de saudade

Eduardo Aroso

 

I

Estremoz foi cais de partida.

Dez naus largaram rumo

Ao que se há-de cumprir.

O lugar alarga-o a ideia

O arquétipo do poder-ser.

Dez naus levam a bordo

Pobres franciscanos do universal

Soldados de labuta, seara maior.

Desembainha-se a espada pela luz

Em cada acto eleva-se a espiral

E no meio do «plaino abandonado»

Avistam-se palpitantes cavaleiros do amor.

 

II

As dez naus enfrentam ainda

Precipícios e vagas de nevoeiro.

Multiplicam-se bichos e adamastores

Mas não treme ouroboros

Que permanece sempre inteiro.

O que sobrevive a ventos e marés

São os destinos-alquimias de temores.

As proas cruzam a medonha escuridão

Onde sulcos mostram promessas de azul

Eixos plenos de Oriente ao Poente 

E ao mistério ainda do Cruzeiro do Sul.

 

III

Estremoz foi cais de partida.

Mantinha-se toda a possibilidade

Da rosa ser a seiva da pupila

No rosto com séculos de saudade.

Onde cada um chega encontra

A pedra-angular à sua espera.

E aí seguro edifica seguindo a luz

Que se torna chave das linhas astrais.

Só a palavra livre se conquistou

Perdida e achada, para ser mais.

 

Agosto, 2020

 

 

 

 

 

 

INÉDITOS. 96

18-08-2020 21:17

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

O esplendor de uma síntese[1]

 

Um estudo de Filosofia Portuguesa demonstrando-a pelas três tradições que a constituem – a judaica, a cristã e a islâmica –, não pode ser a apologética de uma delas, como o fez Pinharanda Gomes, mas deve ser, dentro do caminho apontado por Álvaro Ribeiro, a procura do esplendor de uma síntese. Demonstrar que as três revelações sucessivas, através de Moisés, Jesus Cristo e Maomé, que se exprimem pelo Antigo Testamento, pelo Novo Testamento e pelo Corão são uma só Revelação tal é aquilo que a filosofia portuguesa se  propõe e que, segundo Álvaro Ribeiro, só ela está em condições de levar a cabo.

A filosofia portuguesa constitui, em relação às filosofias dos outros povos, um caso singular, com paralelo apenas na filosofia espanhola, porque nascerá da situação existencial do cristão-novo. A Inquisição, ao produzir o aparecimento na história espiritual da humanidade do cristão-novo parece poder interrogar-se, dentro do plano do Grande Arquitecto ou, em termos religiosos, da Providência, como um momento decisivo e necessário para que o esplendor do pensamento prepare a vinda do Paracleto.

 

António Telmo



[1] Nota do editor – O título é da nossa responsabilidade.

 

VOZ PASSIVA. 101

17-08-2020 14:46

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro

 

 

(4) Gramática Secreta

 

Só no três a progressão se faz.

Letra, tom, potência. Esta luz

Vinte e duas consoantes traz;

Com sete vogais fortes cria a cruz.

 

Toda a fala se vislumbra em som,

Ressoa ou explode em descontínuo ai.

O que há de comum àquilo que separa

É entroncar na árvore fonte: mãe e pai.

 

Não se degrada o que foi criado

Se nas colunas se sustenta em luz

E ocupa do centro cada lado,

 

Qual balança ideal e calibrada

Sopesando, como quem conduz,

Safira, cosmo, santo, glória ou espada.

 

VOZ PASSIVA. 100

17-08-2020 14:29

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

O Sorriso de António Telmo

Cynthia Guimarães Taveira

 

Quando penso em António Telmo, sorrio. A nossa expressão facial, quando nos lembramos de alguém que já partiu, é importante. Talvez nos fique na expressão a amargura e a tristeza dos últimos tempos de vida ao termos acompanhado alguém, diariamente, numa doença. Talvez nos fique uma expressão serena, como é o que me acontece quando me lembro de Dalila Pereira da Costa. De António Telmo, o sorriso mantém-se inalterável. Até num sonho no qual ele apareceu como um mestre de um estranho jogo. Sonho premonitório que falava dos passos seguintes da sua obra.

O sorriso de António Telmo era achinesado. Os olhos ficavam ainda mais rasgados. Normalmente conversava com um sorriso e dizia frases que ficavam na memória, como só aquilo que é escutado em presença fica. Lembro-me de uma pedreira e de um lago visto nela por Telmo. A sua visão de um lago de paz para onde se encaminharia depois de se libertar do seu corpo. Ou da brincadeira dele quando disse a um pequeno grupo que junto dele se encontrava que, se nos focássemos nas orelhas dos nossos interlocutores, estes, a pouco e pouco, se assemelhariam cada vez mais a animais. Lembro-me de uma refeição junto dele na qual falávamos baixinho sobre experiências extra-corporais e de me ter contado “sofrer” da tentação de se erguer além do corpo, indo mais longe assim, e de ambos termos concordado que, sem mestres, era uma actividade perigosa forçar esse tipo de vivências. Lembro-me de, já perto do fim, ele ter pegado num símbolo que lhe ofereceram, e que tinha sido desenhado por mim, e de me ter segredado: “Este é o meu lado pseudo-católico”. E de termos rido os dois quando lhe disse que era a autora do desenho do objecto. “Tem toda a razão”, disse-lhe,” isto é muito mais do que Católico. Tem a ver com a Idade do Espírito Santo” (a única em que os contrastes se harmonizam). Lembro-me de ele se rir ao contar uma historia passada com ele sobre a pseudo-serenidade, o pseudo-despojamento e a pseudo-impassividade e do modo como eram frágeis e nitidamente visíveis a olho nu esse tipo de pessoas que reclamavam isso para si próprias e exigiam o mesmo aos outros (mesmo que fosse uma exigência sub-reptícia). Lembro-me de, numa palestra sua, terem entrado três personagens com as quais tinham existido alguns desentendimentos e de ele ter parado de falar, de os ter olhado e de ter dito a sorrir: “Lá vêm os inimigos”.

Se o seu sorriso trazia boa disposição e ironia fina, a sua voz profunda, grave e com a estranha capacidade de ser o eco de ela própria, era um mistério. Foi um dos últimos portugueses livres a partir. Livre de rótulos políticos e religiosos (mal sabia ele a forma como, pouco depois de partir, esses terrenos se aproximariam de uma maneira tão promiscua – e crescentemente promiscua -- como só existiu na Segunda Guerra Mundial). Depois da partida de este tipo de pessoas, normalmente, o discipulado inseguro e difuso procura nelas a legitimação das suas ideias e das suas crenças, ou seja, abandonam no seu “professor” tudo o que não lhes interessa e aproveitam, muito bem aproveitado, tudo o que se possa vir a encaixar e assegurar a continuidade dessas mesmas ideias e crenças que adoptaram. Mas António Telmo sabia que não era assim o “movimento” da Tradição ao longo dos anos. Ele próprio tinha tido as suas personagens-chave, importantes para a sua aprendizagem, mas como tinha escutado a sua voz interior, a mais importante, depressa desbravou o seu próprio caminho, seguiu as suas próprias ideias, e foi estabelecendo para si próprio (e para mais ninguém) as suas crenças, tendo criado para Deus o seu próprio Universo e foi, por isso, um dos poucos portugueses completos que conheci. Os restantes, os que convictamente e conscientemente procedem a uma selecção do seu trabalho com vista a alimentar as ideias e crenças que adoptaram (nunca são genuinamente suas), são candidatos a portugueses, tendo ainda de percorrer um longo caminho até adquirirem voz própria (se é que alguma vez irão adquirir), indiscutivelmente sua. Portugal só pede que sejamos nós próprios.

Creio que António Telmo faz parte da constelação invisível que envolve e protege Portugal. Uma constelação de vozes próprias e inconfundíveis, de almas que amam o seu país e que se entregaram nos braços da Iniciação que este país permite, chamando a si aqueles que estão aptos a deixarem a sua marca, o seu modo de ser, de estar, de escrever, de pensar, de criar.

António Carlos Carvalho escrevia, há pouco tempo, que nós íamos alegremente ter com António Telmo. Não podia estar mais certo no advérbio de modo.  Íamos com um sorriso para encontrar o seu sorriso e as suas palavras, por vezes, desconcertantes e que nos faziam pensar. Os livros, li-os todos e muitos deles reli. Nem sempre os autores nos aparecem desfasados do que escrevem no convívio efectivo e presencial. António Telmo foi um deles, bem como Dalila Pereira da Costa. Lê-lo é, portanto, sentir a sua presença para quem com ele conviveu. Fez jus às palavras de Pessoa: “Põe quanto és/ No mínimo que fazes”. Foi um português completo e já restam muito poucos e, a maioria dos que restam, devido as estes tempos de fim de ciclo, permanecem invisíveis e camuflados por entre a vegetação caótica. 

O interesse de António Telmo pelo elemento vegetal é a sua marca rosa-cruz que é sempre totalmente independente das Ordens e seitas, quer sejam públicas ou pouco públicas. Esse interesse ou chamamento era absolutamente genuíno e de outra maneira não poderia ser. O elemento vegetal é o mais ancestral na constituição do ser humano e não se deixa apanhar nem pelas Ordens nem pelas seitas. Chama a si aqueles que lhe pertencem, sem palavras, apenas através da Santa Providência (que é diferente do sopro do Espírito Santo, ou seja, pode ser complementar, mais tem outras características) que é a sua linguagem. O elemento vegetal tende à difícil domesticação,  se é que esta não é mesmo impossível, e daí que, da mesma forma que reconhece os seus, também não reconhece os seus. O elemento vegetal é verdadeiramente o “Totalmente Outro” em nós, para além da nossa Vontade (a nossa Vontade só é adquirida muito mais tarde). António Telmo sabia disso. Um dia, íamos os dois a descer uma rua em Sesimbra. Parámos junto a um muro. Ele fez silêncio, olhou para o muro, apontou para uma flor que ali tinha nascido e perguntou-me:

-- A Cynthia sabe qual é o nome desta flor?

Totalmente ignorante do nome da flor, respondi-lhe:

-- Não faço a mínima ideia.

Ele sorriu ainda mais, os seus olhos brilharam ainda mais. E continuou o caminho.

Três anos mais tarde, fui chamada pelas flores. Lembrei-me da flor e do sorriso dele e dirigi-me a um novo mundo. O verdadeiro.

VOZ PASSIVA. 99

14-08-2020 10:39

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

António Telmo, o «Bateleur»

Paulo Jorge Brito e Abreu

 

 

(avoco, para a Musa minha, o 6 de Paus como Arcano)

 

I

 

Sou do Verbo e do florete,

Sou do salmo, em Santo Anselmo,

Penso em ti, 57,

E também no António Telmo.

 

Penso em ti, que foste sábio,

Foste invicto e vitualha,

E no Ás, no alfarrábio,

«Bateleur» e a Batalha.

 

E na safra, e verde monda,

Só d’ Amor, e só fiel,

Eis em Távola Redonda

O Tomé Natanael.

 

II

 

Vejo o Régio do Ribeiro,

Vejo a lis e vejo o lais,

E na Cruz, e no cruzeiro,

Leonardo e Pascoaes.

 

E na magia de Orfeu,

Vejo a Luz e muita chuva:

É viático e Museu,

São os Filhos da Viúva.

 

III     

 

Vai pra ti a leve loa,

A legenda e a parlanda.

Se tu ouves o Pessoa,

Se é colaço o Pinharanda,

 

Q’rido Irmão, tu és a clave,

Triplo V, tu és a vida:

Sempre em busca da Palavra,

A Palavra foi perdida.

 

Que Luz, 14/ 05/ 2020

 

MENS AGITAT MOLEM

 

POETA, JORNALISTA, BIBLISTA E ALFARRABISTA

 

PAULO JORGE BRITO E ABREU

 

NOTA DO AUTOR

 

Na última quadra, o Triplo V é a Via, a Verdade e a Vida, o Caminho, a Verdade

e a Vida re-apresentados, apresentados, por Cristo Jesus………..  

VOZ PASSIVA. 98

12-08-2020 09:16

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro

 



(3) Arte Poética

 

Quando a pergunta a si mesma se ultrapassa

E do pensar a poesia vem,

O valor supremo que a entrelinha faça

Não é zona que se leia com desdém.

 

Da efémera evasão à vã acção,

Todo um grito que metáfora imagina.

E nesse escuro sem cor, sem tradução

Onde a palavra lembrança se ergue e anima,

 

Nem fantasma, sonho ou recordação

Emergem claros despidos de emoção.

É sobre si que o espírito se enrola.

 

E se O que invoca lhe vem ter à mão,

Nem sempre cumpre a evocação

Se não olhar o alto da charola.

UNIVERSO TÉLMICO. 70

10-08-2020 10:11

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

O Mestre, Maria Azenha (arte digital)

____________

 

O Mestre

Maria Azenha

 

Ele era um mendigo que morava na rua.
Numa rua bem conhecida,
Ao pé de minha casa.
De face iluminada,
Como nunca outra pude ver,
Caminhava,
Sem rumo,
De um lugar para outro.
E rendia-me à sua beleza. E aos seus passos de música.
Ele era tão belo como a face de Cristo representada por alguns pintores.
Pude claramente ver  ali, ao vivo, como a chuva fluía
Ao longo das suas vestes
Acompanhando o seu antigo corpo.
Olhava-o com algum pudor.
De volta, ele fixava-me o rosto e mostrava-me a mão
Aberta.

Afinal quem era?
De onde viera?

Impossível saber se era grego ou egípcio ou
De outro lugar qualquer.
Com os seus profundos olhos
– Disso estou certa –
Ele era o meu Mestre.

De roupas longas,
Pés cobertos pelas pontas de um cobertor,
Na escuridão da rua,
Na mais pura noite coberta de estrelas,
Celebrámos a luz do amor.

Não falámos. Talvez comunicássemos numa língua arcaica.

Da última vez que o vi, já com algum esforço,
Parecia apontar para o mistério do fim,
Andando muito devagar.

Encostei-me ao seu ombro, estremeci.
Beijei-lhe o rosto.

 

Um relâmpago abriu o céu de uma ponta a outra.

 

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