NO PASSADO SÁBADO, EM SETÚBAL: «AGOSTINHO DA SILVA EM SESIMBRA» LANÇADO NA CASA DA CULTURA

15-04-2014 09:17

Rui Lopo no uso da palavra, durante a apresentação de Agostinho da Silva em Sesimbra

Da esquerda para a direita: Pedro Martins, António Reis Marques, Augusto Pólvora, Daniel Pires e Rui Lopo

Rui Lopo, Daniel Pires e Pedro Martins

 

Agostinho da Silva em Sesimbra, livro da autoria de Pedro Martins e António Reis Marques, foi lançado em Setúbal, no passado sábado, na Sala José Afonso da Casa da Cultura, numa sessão conduzida por Daniel Pires, Presidente do Centro de Estudos Bocageanos. O livro, que constitui já o oitavo volume da Colecção Clássicos de Setúbal e tem a chancela do Centro, foi apresentado por Rui Lopo, que salientou o carácter pioneiro da obra enquanto estudo de geoliteratura ou geofilosofia, método que propôs como nova abordagem possível ao estudo dos grandes autores. "Poderíamos pensar num Agostinho da Silva em Brasília, em Itatiaia, na Galiza, em Monsaraz, e por aí adiante", ilustrou este profundo conhecedor da obra e do espólio do filósofo de Um Fernando Pessoa. António Reis Marques, co-autor da obra apresentada, na sua alocução ofereceu aos presentes uma magnífica lição histórica sobre as relações mantidas, ao longo dos séculos, entre os povos de Sesimbra e de Setúbal, que no final transcrevemos na íntegra. Pedro Martins, por seu turno, depois de salientar a ampla e fecunda cooperação que vem sendo mantida entre o projecto António Telmo. Vida e Obra e o Centro de Estudos Bocageanos, de que também é membro, frisou a coincidência de as comemorações da morte de Agostinho (20 anos) e do 25 de Abril (40 anos) andarem sempre a par quando se trata de assinalar efemérides de números redondos, e propôs que Agostinho fosse visto como um símbolo congregador da revolução, no sentido de que qualquer um de nós pode hoje rever-se em determinados aspectos da sua personalidade ou do seu pensamento, como sejam a sua liberdade, a sua coragem e o seu sentido da fraternidade. O Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, Augusto Pólvora, que encerrou a sessão, manifestou o seu orgulho pelo facto de a Piscosa ter tido tanta importância na vida de Agostinho e, sem deixar de lembrar os laços de ordem pessoal ou profissional que ao longo da sua vida tem mantido com a cidade de Setúbal, expressou o desejo, por todos partilhado, de que a Arrábida possa em breve vir a ser declarada Património Mundial. A sessão contou ainda com a presença de duas representantes da União de Freguesias de Setúbal e de António Marques, actual director do jornal Raio de Luz, mensário sesimbrense ao qual, em 1993, Agostinho concedeu aquela que viria a ser a sua derradeira entrevista de imprensa, então conduzida por Pedro Martins, António Ladeira e José Pedro Xavier, e agora pela primeira vez publicada em livro na parte final de Agostinho da Silva em Sesimbra.

 

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INTERVENÇÃO DE ANTÓNIO REIS MARQUES

As afinidades electivas que aproximaram dois homens de reconhecida valia intelectual, Pedro Martins em Sesimbra e Daniel Pires em Setúbal, estão na origem da cooperação, em boa hora estabelecida, entre o Círculo António Telmo e o Centro de Estudos Bocageanos.

É para mim motivo de grande regozijo estar presente neste acto de apresentação do livro Agostinho da Silva em Sesimbra, em cuja elaboração tive o gosto de colaborar com o meu preclaro amigo Pedro Martins, a cuja iniciativa se deve a edição que idealizou e concretizou com todo o mérito.

E a minha satisfação resulta mais por saber ter-se mantido, entre os dois amigos, um espírito de bom entendimento que vai dando seus frutos, do que propriamente por ser coautor do livro.

Até porque, quero aqui relevar, a história das relações entre Sesimbra e Setúbal está infelizmente mais marcada por divergências do que por actos de boa vizinhança, como seria de esperar dadas as conexões existentes nas respectivas actividades económicas e sociais, resultantes da partilha do espaço geográfico da região arrabidense.

Por isso, e até um passado ainda recente, havia em Sesimbra um movimento de contestação aos órgãos tutelares sediados em Setúbal, aos quais estavam sujeitos os principais vectores da economia local que eram a pesca e o turismo.

Quero até confessar que sou hoje o único sobrevivente desse movimento que, nos seus derradeiros actos, lutou contra a extinção da comissão municipal de turismo, a integração da administração do seu porto na Junta Autónoma do Porto de Setúbal e a perda de jurisdição, para o Seixal e Almada, de parte dos territórios de Fernão Ferro e da Fonte da Telha.

Para além disso insurgíamo-nos contra o processo de nomeação dos Presidentes da Câmara, mormente quando envolvia nomes estranhos à terra, atitude aliás em total acordo com a nossa tradição municipalista, que lembro ser tão cara a Agostinho da Silva, que caracterizava a monarquia portuguesa como um conjunto de pequenas repúblicas que eram os velhos municípios, dirigidos pelos homens bons dos concelhos e eleitos em assembleias populares realizadas nos adros das igrejas paroquiais.

Bem sabemos que tudo isso era resultante dos condicionalismos impostos pelo regime político da época e, portanto, mais de natureza institucional do que pessoal, dado que até os órgãos da governação distrital nem sempre estavam ocupados por setubalenses.

Devo também afirmar que me sinto à vontade para aqui falar dessa minha posição, visto que tal nunca foi impeditivo das boas relações que mantinha com as pessoas e instituições desta cidade, onde sempre tive diversos familiares e contei com muitos e bons amigos.

A título de exemplo recordo quanto fiquei devendo, na minha aprendizagem do jornalismo, à penhorante amizade recebida de duas valorosas figuras setubalenses que eram Guilherme Faria e o Dr. Rogério Peres Claro, respectivamente directores dos jornais O Setubalense e O Distrito de Setúbal, onde colaborei durante alguns anos tratando sempre de problemas e acontecimentos da vida de Sesimbra. Se todas as discórdias apontadas causaram ressentimentos entre os sesimbrenses, isso deveu-se não tanto à sua importância em si mesmas, mas mais por na sua memória colectiva permanecerem reminiscências de actos sobremaneira gravosos praticados contra a sua terra, em épocas mais recuadas.

Falamos de demandas que remontam aos séculos XIV e XV e ficaram na história com a designação de “guerras do vinho e do sal”.

Pela documentação trasladada no “Livro do Tombo da Vila de Sesimbra e seu termo e limite de Azeitão”, a mais antiga que se conhece data do reinado de D. Diniz que se opôs ao embargo feito por Setúbal à entrada no seu concelho de vinhos e alimentos provenientes de Sesimbra.

Mais tarde, e mais prejudicial do que a medida contra o vinho, foi a proibição do fornecimento do sal indispensável à conservação do pescado de Sesimbra que era então o mais importante porto de pesca do país.

Só ao fim de muitos anos e mercê de várias intervenções dos reis e dos mestres da Ordem de Santiago é que acabaram essas arbitrariedades que iam levando a economia sesimbrense à ruína.

E nisso tiveram também relevância as diligências feitas por alguns homens bons dos dois concelhos, que dariam depois origem a um tão importante como singular documento histórico que foi um tratado de amizade entre os concelhos de Setúbal e Sesimbra, em que “juravam e outorgavam a amizade e boa vizinhança que sempre uniram os nossos povos em terra e nos mares”.

Cabe aqui recordar que Agostinho da Silva, numa época em que partilhou connosco o conhecimento das fases mais significativas da vida e da história de Sesimbra, que tanto apreciava, nos disse que aqueles embargos à livre circulação do vinho e do sal eram de todo contrários ao espírito municipalista bem vivo nesse tempo. E, recomendando que todos dessem as mãos na salvaguarda do inestimável património que é toda a serra d’Arrábida, salientava que os seus extremos estavam sacralizados por dois extraordinários lugares de culto que, embora decadentes, a religiosidade popular tem conseguido manter. A nascente o convento, situado num recanto idílico da serra, com a singela beleza das suas construções, e a poente o santuário da Senhora do Cabo que dizia ser “o único monumento pelo povo inspirado, pelo povo construído, pelo povo conservado”.

Poderemos imaginar o gosto com que ele subscreveria a petição feita para classificar a Arrábida Património da Humanidade.

Porque nos foi dada a graça de sermos herdeiros de tão sublime legado, unamo-nos sempre no propósito de o preservar e valorizar ainda mais.      

 

António Reis Marques