VOZ PASSIVA. 95

04-08-2020 19:43

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

História Secreta de Portugal (reinvenção da capa da primeira edição)

Cynthia Guimarães Taveira

 

«Há uma história oculta de Portugal. Não dizemos isto no sentido em que de tudo se pode afirmar ter um aspecto oculto.

Pensamos que houve entre nós, senão connosco, uma organização esotérica que, de uma maneira perfeitamente consciente e intencional, procurou a partir desta Pátria, a que deu existência, redimir o mundo do mal e da divisão.

A existência de organizações secretas no mundo medieval é reconhecida unanimemente pelos historiadores, embora divirjam quanto à importância a atribuir-lhes no plano histórico. Uns consideram a sua influência decisiva, enquanto outros nem sequer se lhes referem quando procuram determinar as causas dos acontecimentos. Trabalhando sobre documentos de natureza especificamente historicista, como crónicas, registos notariais, etc., que representam, quase sempre, uma descrição exterior e já muito afastada do centro dos acontecimentos, não podem, evidentemente, por esse caminho, ter qualquer notícia daquilo que, por ser de natureza secreta, nem sequer era pressentido pelos próprios contemporâneos. Se tivessem um real amor da verdade, teriam de reconhecer noutro tipo de documentos a fonte verídica do conhecimento histórico.

Estamos a pensar, como o leitor já o adivinhou, nos vários documentos cifrados existentes na época que constitua objecto de estudo, porque não há outra forma de expressão reveladora daquilo cuja natureza é, por definição, secreto. Em vão procuraremos noutro lado. Não poderíamos, evidentemente, esperar que os outros que não os próprios nos tivessem dito o que só eles sabiam. Dizendo, calavam. Pelo dizer calando se define precisamente a cifra.

A cifra é o decifrável, embora a decifração não possa consistir noutra coisa que não seja a transposição, isto é, a metáfora. Explicada nos termos da língua comum, foge e escapa-se, e quando julgamos ter-lhe apreendido o sentido e mantê-lo preso num ponto já esse sentido está distante noutro ponto, noutro lugar de nós. Daqui a falta de força persuasiva para quem não seja capaz de situar-se no espaço mental feito de evidências em que se movem as metáforas, mas contra os historicistas há sempre o recurso de lhes mostrar que as suas explicações não explicam nada.»

 

António Telmo, in História Secreta de Portugal