VOZ PASSIVA. 93

01-08-2020 22:54

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

A luz e as trevas

António Carlos Carvalho

 

«Se não formos um foco de luz, nem a treva poderemos ver porque somos a própria treva» -- escreveu António Telmo em «A Aventura Maçónica».

Dez anos depois de ele nos ter deixado, podemos perceber plenamente a sabedoria dessas palavras, desse aviso muito sério, dessa questão posta a tantos à sua volta, os que não viram nada, afinal, mesmo estando debruçados sobre a sua obra, sobre o seu próprio ombro e ouvindo essas e outras palavras da sua própria boca.

Logo após a sua partida, e ao longo destes dez anos, assistimos estupefactos ao triste e revoltante espectáculo de tantos dos que o seguiam e o acompanhavam a apoucar a sua obra, a desdenhar os seus livros, a audácia do seu pensamento, dizendo até que «qualquer um» poderia ter feito e escrito o mesmo; a procederem como se não tivessem aprendido nada com ele, com o seu exemplo; a fazerem de conta que ele nunca tinha existido; a tentarem «convertê-lo» à força a título póstumo; a tentarem brilhar socialmente à sua custa, intitulando-se seus «amigos» para ficarem bem vistos na fotografia; até houve quem brincasse, dizendo que tinha visto a sua aparição num colóquio feito em sua homenagem…

Enfim, como sempre, o velho defeito nacional, a inveja, de que tanto se queixaram, em vida, tanto Álvaro Ribeiro como António Telmo.

Pelos vistos, nunca perceberam a sua busca incessante da luz, o desejo último de «escrever com sílabas de luz» desse «pensador errante», um dos portugueses «desterrados na sua própria Pátria» que dizia «invocar em vão a luz da luz», percorrendo «a estrada que é um rasgo de luz». E, «entretanto, vamos conversando uns com os outros a ver se nos entendemos» …

Mas não quiseram entender, ou não conseguiram perceber, por cegueira obstinada, o que António Telmo quis dizer e fazer quando ligou Sampaio Bruno a Isaac Lúria, nos seus respectivos pensamentos, filosófico e cabalista, na «ideia de Deus em exílio de si próprio na sua substância procurando reintegrar-se pela recuperação das “parcelas de luz”, por cuja queda na matéria, mais precisamente por cuja queda que faz a matéria se encontra actualmente “diminuído”.» («Viagem a Granada»)

Para compreenderem o significado pleno destas palavras precisavam de ter, pelo menos, um pouco de humildade, essa atitude existencial directamente ligada ao ser íntimo do Homem na sua relação com os outros e com o conhecimento da verdade. A humildade que não é uma virtude moral como as outras, situada no limite onde a ética se torna mística e que é o principal motor da transformação do Homem profano em profeta, visionário ou iluminado – como lembrava Charles Mopsik, um dos autores modernos preferidos de António Telmo.

Sim, a humildade do aprendiz, no seu silêncio, na sua capacidade de admiração, de aprender a ler, no respeito pela palavra escrita – que está aí, publicada, à mão de quem desejar aprender. Se tiver olhos para ver além do seu querido umbigo.