VOZ PASSIVA. 86

30-04-2020 11:30

[Recensão a Gramática Secreta da Língua Portuguesa][1]

Dalila Pereira da Costa[2]

 

 

Título: Gramática Secreta da Língua Portuguesa

Autor: António Telmo

Edição: Guimarães & C.ª, Editores

Lisboa, 1981

 

Este livro, agora surgido, continuará a linha perscrutadora do Autor sobre o ser português, já iniciada e seguida pelos seus anteriores livros: Arte Poética, História Secreta de Portugal, nos quais se prossegue uma «visão que, até agora, se exceptuarmos alguns apontamentos de Sampaio Bruno e de outros pensadores, onde ela se demorou breves instantes, apenas recebeu uma expressão cifrada», como se declara a página 23 daquela segunda obra. O nódulo central que guia e justifica este trabalho pátrio levado a cabo fielmente através desses livros, estará ainda dito explicitamente nas palavras da contra-capa deste mesmo livro: e elas serão indispensáveis de citar, para uma abordagem, mesmo muito breve, desta sua última obra agora surgida. «Há uma história oculta de Portugal. Não dizemos isto no sentido em que de tudo se pode afirmar ter um aspecto oculto. Pensamos que houve entre nós (senão connosco) uma organização esotérica que, de uma maneira perfeitamente consciente e intencional, procurou a partir desta Pátria, a que deu existência, redimir o mundo do mal e da divisão». E será esta a história à qual nos teremos de reportar para qualquer tentativa de vislumbre do problema do ser português, como seu segredo.

Na tenção providencialista e esperançosa que estará inclusa e concedida na história de Portugal desde seu início, desde sua entrega, como missão, nas mãos de seu Fundador, estará também inclusa esta obra redentora, desde então visando um carácter ecuménico: o Quinto Império. Obra de unificação e reintegração na terra, iniciada à dimensão universal pelos Templários, depois Ordem de Cristo, ela teria sofrido, a partir duma certa data – e aqui marcada exactamente, 1513 – uma paragem, queda ou frustração. E esta finalidade, justificadora de toda uma história nacional, e suas linhas de força, não estará escrita numa linguagem dada a ver, às claras, nos documentos ou trabalhos de carácter estritamente historicista, mas escrita numa linguagem simbólica que, tal como a de Apolo, o deus da profecia, cultuado e escutado em Delfos, «não diz nem esconde, significa», segundo Heraclito.

Nesta linguagem cifrada, para a clarividência de António Telmo, a sua primeira expressão será de carácter arquitectónico, o «manuelino», e a segunda de carácter poético, através da obra dos poetas galegos e portugueses e, supremamente, através da obra de Camões, Os Lusíadas e ainda sua lírica; continuada por P.e António Vieira, Pascoaes e Pessoa profeticamente, será sobre ela que aqui incidirá esta hermenêutica: como sobre um testemunho deixado e transmitido através duma corrente de iniciados desta Pátria. A última fase deste testemunho, a Mensagem, construindo-se sobre a ideia do Quinto Império, dará ainda continuidade, nos nossos dias, «à demanda do centro invisível do mundo, sem a qual o Quinto Império não será mais do que uma miragem» (op. cit., p. 119).

E ainda, nestas páginas, se lembrará que «neste povo hipnotizado pelo transcendente, a ordem dada foi a que manda realizar a Monarquia Universal» (pág. 28).

Julgamos ter sido necessário lembrar estas palavras, antes de abordar o livro de António Telmo recentemente surgido, para dar uma visão global da tenção da sua obra, toda ela fielmente como serviço à sua Pátria.

Agora, neste ciclo histórico presente, a expressão da finalidade transcendente de Portugal estando «apenas confiada aos poetas e filósofos da profecia», é natural que este investigador exemplar se curvasse sobre o instrumento eleito desta expressão, a língua portuguesa. E ainda, seguindo o seu princípio, aqui logo declarado na Introdução da Gramática Secreta da Língua Portuguesa: «que a forma superior da razão é a poética, que há uma razão poética, binómio já de si iluminante».

«Neste meio subtil que é a linguagem, o pensamento pensa-se a si próprio», e assim aqui se procurará nas suas letras-elementos, os «ecos remotos mas significativos do Verbo supremo». Porque, assim como haverá aqui uma história profana explicitamente e outra história secreta ocultamente escrita em cifras, também para a linguagem haverá duas genealogias. «Se o português, provém, como entende a maioria, do latim e as palavras portuguesas têm, na generalidade seus étimos nas palavras latinas, tal ‘genealogia’ compõe-se com outra, mais alta, que deriva de uma língua sobrenatural, pressentida pelos poetas, e, neste livro, tornada menos distante através da ‘árvore’ das letras. Teremos, pois, uma árvore genealógica terrestre e uma árvore genealógica celeste. Do encontro das duas raízes surgiu a língua portuguesa» (pág. 7). E António Telmo, pela primeira vez na espiritualidade portuguesa, estabelece a relação entre a tradição hebraica da Árvore dos Sephiroth, e esta língua. Os dez princípios ou atributos divinos representados na Kabbalah, e que formam a estrutura interna do mundo visível e invisível, vão-lhe permitir uma equivalência entre o sistema fonético português e este sistema hebraico dos sephiroth; assim, «a fonética portuguesa é a demonstração de que cada língua possui uma estrutura sagrada!» (pág. 28). Se a «árvore» surgiu da «contemplação de sábios e de santos», esta sabedoria suprema se reflectirá perfeitamente nas línguas reais. E também aqui se criarão aquelas palavras portuguesas, já apontadas pela intuição de Pascoaes, como as mais específicas e singularizantes do ser português: ermo, oculto, remoto… palavras crepusculares. «Dir-se-á, pois, que o povo português, no extremo ocidente da Europa, é também na língua o povo do entardecer. Se a noite, o abismo se situam qualitativamente na 10 Sephira, ali onde impera o u, vogal escura e nocturna, e o invernal R, já a manhã, o sol nascente, a luz que desponta e irrompe da fonte suprema devem referir-se ao mundo da emanação» (pág. 51).     

Aqui, tudo se traduzirá por uma predominância das vogais e destruição das consonantes: o que aproximará a língua portuguesa de «aquela língua à qual a simbologia chama a língua dos pássaros ou dos iniciados» (pág. 53). O que confirmará ainda uma das nossas mais altas e remotas vocações tradicionais: de ser terra de iniciação, neste extremo ocidental.

Terminaremos esta rápida aproximação da obra de António Telmo citando ainda as suas palavras na última página da História Secreta de Portugal: «Tudo está em atribuir ou não à acção gigantesca que os «iniciados» cifraram nos Jerónimos uma repercussão que, subitamente, se revele nos seus efeitos adiados por um longo período de adormecimento. Tudo está para o indivíduo português em acreditar nisto ou não e, em caso positivo, em assumir conscientemente as consequências de uma sempre possível frustração».   

 


[1] Nota do editor – Publicado originalmente in Nova Renascença, Volume I, n.º 4, Porto, Verão de 1981, pp. 453-455.

[2] Nota do editor – Assinado com as iniciais “D. P. C.”.