VOZ PASSIVA. 50

02-05-2015 10:51

António Telmo: da arte pela arte à arte ao serviço de uma causa, que caminho?

Risoleta C. Pinto Pedro

[António Telmo na Universidade de Brasília, em 2 de Maio de 1966]

 

António Telmo tem o talento de se inspirar na biografia transfigurando-a pela alquimia do símbolo e aprofundando-a esteticamente pela metáfora.

É curiosíssimo encontrar pelo meio da sua escrita pinceladas de biografia nas cores básicas ou em tons pastel. O efeito acaba por ser o mesmo. Quer uns quer outros sofrem um fenómeno perante os nossos olhos nunca habituados: a transfiguração, a alquimia. O processo simbólico de Telmo dilui-se na ficção, a ficção tem a originalidade do símbolo, ambas se transformam pela metáfora.

Já me aconteceu ler ficção de autores que apreciei na escrita divulgativa, levemente ensaística ou mesmo de autoajuda, ter apreciado estas, e não gostar das tentativas ficcionais. Posso ter apreciado essa outra inicial vertente e quando se metem à ficção senti-la como um desapontamento. O que é normal, a escrita de divulgação, de formação, de reflexão tem características próprias e a ficção literária, dentro dos infinitos estilos compostos por cada um, também. Um autor de ficção pode pretender escrever um texto normal, comum, pragmático e informativo, e tropeçar na metáfora, enrolar-se na musicalidade, afogar-se no fluxo do literário. Também é normal. Com isto, não quero dizer que não possa acontecer a caneta com dupla vocação. Ou oficina. Pode até acontecer, no exercício da modernidade, ambas se confundirem. Acontece, mas nem sempre. Por isso me encanta a escrita de António Telmo, que consegue manter o seu estilo, presente no texto reflexivo ou de reflexão, e na ficção. Que se interpenetram, sem se confundirem. As doses são rigorosamente medidas (no athanor do seu inconsciente?) para criar ora uma coisa ora outra, produzindo resultados diferentes com os mesmos ingredientes. Chama-se a isto autenticidade. Não precisa de se afastar do seu estar,  pensar ou sentir para criar isto ou aquilo. Penetra e fecunda o texto com a sua essência e Deus faz o resto. Porque sente que aquele seu menino está com ele na arte e no serviço. E é esta a minha “tese” (com aspas, porque a expressão é forte, reconheço, e a minha proposta é humilde) que está indelevelmente fixada nas páginas escritas por António Telmo: nem arte pela arte, nem arte ao serviço, mas arte com e como serviço. Arte realmente…. real.

Abril e Maio de 2015