VOZ PASSIVA. 39

16-12-2014 16:54

António Telmo, António Quadros e as dificuldades de um bolsista em Évora*

Carlos Francisco Moura

 

Não conheci pessoalmente o ilustre intelectual macaense Luís Gonzaga Gomes, mas de Portugal e do Brasil mantive com ele, durante vários anos, uma produtiva cooperação cultural.

Vale lembrar como essa cooperação começou.

Em 1968, com a situação política se agravando no Brasil – a invasão da Universidade de Brasília pelo Exército e outras ameaças –, o Prof. Agostinho da Silva começou a se preocupar com a sobrevivência do CBEP (Centro Brasileiro de Estudos Portugueses). Tendo conseguido vir para o Brasil, depois de preso por motivos políticos em Portugal, ele desenvolveu intensa atividade cultural nas Universidades de Santa Catarina, Bahia,

Paraíba e Brasília. Mas sua ideias libertárias e utópicas despertavam suspeitas dos então detentores do poder. Reuniu assim os professores, e disse:

– Do jeito que a coisa vai, o CBEP será implodido e, portanto, antes que isso aconteça, vamos organizar a diáspora. Foi determinando o rumo que cada um deveria seguir, e me deixou por último.

– Moura, você tem dinheiro de passagem de avião para Portugal?

– Da de ida, creio que sim, mas como vou manter-me lá, e dinheiro para a passagem de volta?

– Se tem para a ida, embarque logo. O resto a gente resolve depois. Desembarcado em Lisboa, siga para Évora, no Alentejo, e procure o Dr. Petronilho, na Câmara Municipal, e o Dr. Armando Perdigão, na Junta Distrital. Lá, a Câmara tem uma casa vazia no Jardim Infantil, que conseguimos pusessem à disposição dos bolsistas do Brasil. Você fica lá sem pagar aluguel, e, enquanto isso, procuramos obter uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, para você se instalar em Lisboa e pesquisar na Torre do Tombo, no

Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca Nacional e em outras instituições, para prosseguir nas pesquisas iniciadas no CBEP.

Enquanto a bolsa não sai, você permanece em Évora, pesquisando os mesmos assuntos na Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora. E aguarde lá os acontecimentos.

 

Em Évora

Entretanto, a bolsa demorou muitos meses mais do que o previsto, e eu continuei à espera, em Évora. Enquanto isso, para me manter, consegui algum trabalho, e com o resultado das pesquisas em Évora, e com o material que tinha trazido do CBEP, escrevi alguns artigos que foram publicados em revistas de cultura de Évora e de Lisboa.

No CBEP, havia apresentado uma dissertação de Mestrado sob o título “O urbanismo no Japão no século XVII, segundo o Pe. João Rodrigues Tçuzu”, que foi aprovada pela banca, da qual faziam parte o Prof. Agostinho da Silva e o Prof. João Evangelista, mas o título não foi efetivado em virtude da desativação do Centro.

Em Évora, prossegui na pesquisa sobre a presença dos portugueses no Japão, contando com a colaboração e a simpatia do então diretor da Biblioteca, Dr. Antonio Leandro Alves. Os artigos não eram pagos, mas as revistas forneciam aos autores um bom número de separatas.

Sabendo que eu estava com dificuldades, meu saudoso amigo, o escritor Antonio Telmo Vitorino, colega do CBEP, sugeriu que eu fosse da parte dele procurar o escritor Antonio Quadros, então diretor das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, e ele adquiriu um bom número de separatas dos meus artigos.

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* Da  Introdução do livro LUÍS GONZAGA GOMES E UMA PRODUTIVA COOPERAÇÃO CULTURAL: MACAU-PORTUGAL-BRASIL (Instituto Internacional de Macau / Real Gabinete Português de Leitura, Lisboa, 2014)