VOZ PASSIVA. 128

02-05-2023 00:00

António Telmo, o sentido do Sul e um acontecimento recente em Portugal

Eduardo Aroso

No dia em que se cumpre a data de nascimento de António Telmo (2/5/1927 – 21/8/2010) e em que é apresentada a obra «A Glória da Invenção» de Pedro Martins e Risoleta C. Pinto Pedro, acabo de reler uma das mais significativas páginas de História Secreta de Portugal de António Telmo, capítulo II, publicada em 1977. «Tudo indica que, sendo o Sul, como vimos [o autor descreve nas linhas anteriores o percurso pelos 20 medalhões dos claustros dos Jerónimos, começando pelo lado ocidental e acabando no sul, justificando a sua razão de ser] o termo da «viagem» no Claustro, esse ponto cardinal constituía, para os Templários e seus continuadores, a enteléquia do movimento. O portal do Mosteiro da Batalha e o da Igreja do Convento de Cristo em Tomar estão, como o de Santa Maria de Belém, voltados para o sul. (…) Fernando Pessoa também sabe que “o Sul sidério esplende sobre as naus da iniciação”. Entre o X [1º medalhão], * que está no início, e o Sol,** que se encontra no fim [20º medalhão], há uma relação da potência ao acto. Que espécie de potência e que espécie de acto?».

Há aqui três palavras-chave, SUL, MOVIMENTO e ACTO. Tudo leva a crer que esta tríade constitua a mesma relação para algo, e na qual António Telmo se interroga. No início da obra em questão, o filósofo alude a um ponto de partida interessante, ou seja, o facto da imagem da Santa Maria de Belém estar voltada para sul, pormenor porventura simbólico, pois o Mosteiro dos Jerónimos foi erguido sobre uma velha ermida, consagrada a Santa Maria, mandada construir pelo Infante D. Henrique.

No recente 25 de Abril deu-se um acontecimento entre nós, que, quer se queira ou não, envolveu o sul (o promissor sul carregado de História que nós sabemos, falando a Língua Camões). O que todos viram também sabemos: cenários meramente políticos. O que talvez muito poucos vissem foi a oportunidade perdida desse movimento para o sul (neste caso o Brasil), pela presença do seu presidente. Qualquer presidente é uma representação mais ou menos efémera de algo maior na história das nações, não deixando de ser símbolo desse trânsito no tempo. No meio da mais rasteira política da Assembleia da República, foi a oportunidade perdida da Língua Portuguesa - «quem não vê bem uma palavra, não vê bem uma alma» (F. Pessoa) – mas quiçá também tudo o que de oculto carrega esse movimento para sul.

O entendimento do que representa a nossa tradição no caminho do sul, decerto que não aconteceu. Ou algo se vai passando de menos visível. Todavia, o movimento continua até que Portugal se cumpra e que a pátria do Cruzeiro do Sul saiba quem é na verdade.

  *  A letra X, primeira letra grega do nome grego de Cristo.

** Sol símbolo de Cristo.

Maio, 2023