VERDES ANOS. 27

13-06-2017 12:44

Problemas demográficos[1]

 

O estudo da população, das leis biológicas que determinam a alta ou a baixa da natalidade, a duração média da vida humana, as causas de mortalidade nas várias idades, é estudo indispensável a quem se quiser pronunciar sobre questões políticas, económicas e sociais. Sem uma prévia doutrina acerca da população, sobre a conveniência ou a inconveniência de acelerar o ritmo da natalidade, sobre a distribuição dos povos pelos territórios economicamente aproveitáveis, sobre a emigração, etc., incorrem o legislador e o administrador no perigo de obter resultados imprevistos, ou até contraproducentes, dos seus actos mais bem-intencionados. É que os fenómenos da população, se bem que obedientes a leis biológicas, também se encontram cada vez mais condicionados pelas leis sociais, dando a esta expressão um significado lato que vai do aspecto jurídico ao aspecto moral, e dos costumes à opinião pública.

Uma das razões da progressão segundo a qual cresce e aumenta a população portuguesa, a sua razão geométrica por assim dizer, consiste na doutrina moral que vê com optimismo o nascimento de novos seres humanos e que confia acima de tudo na Divina Providência. Como esta doutrina não basta, surgem as várias formas vigentes de protecção às famílias numerosas, desde o abono de família até à escolaridade gratuita, ou à isenção de propinas, desde a redução dos impostos até à concessão de prémios especiais. Convém, todavia, lembrar que o encargo fisiológico do aumento da população recai sobre as mulheres, pelo que nos parece ser o sexo feminino e não o sexo masculino aquele que merece, por tal motivo, a protecção e os louvores.

Sem menosprezar ou contrariar a elevada moralidade de tal doutrina, importa verificar se a política que dela deriva se harmoniza com as condições económicas e sociais do nosso tempo. Segundo os cálculos estatísticos, se não houver alteração das condições, a população portuguesa em 1960 será de 10.000.000 no continente e nas ilhas. Torna-se necessário, pois, estudar atentamente o fenómeno, nas suas causas e nos seus efeitos próximos e futuros, de modo a estabelecer algumas directrizes de acção.

A solução que logo de entrada avulta é a da emigração. Será ela, no entanto, uma solução económica?

A emigração é a expulsão de homens novos e válidos, com os quais o País gastou valores de alimentação e educação que, provavelmente, não serão retribuídos.

Emigram muito mais homens do que mulheres, o que agrava o desequilíbrio dos sexos na população portuguesa. Há assim um maior número de mulheres que, desesperando de casar, irão fazer concorrência aos homens nos empregos. Apreciando este problema pelo aspecto da qualidade dos emigrantes, chegaremos a convencer-nos de que a contabilidade da emigração faz-se na coluna das perdas.

Outro ponto importante relativamente ao problema dos emigrantes é que a maior parte destes é constituída por trabalhadores da lavoura, embora existam também trabalhadores de outras profissões. Conquanto não haja dados estatísticos, convém não esquecer a alta emigração dos intelectuais (jornalistas, escritores, professores, etc.) que não encontram no seu país ambiente adequado ao seu trabalho produtivo.

Em 1952 emigraram 47.018 portugueses, mas se este número representa o máximo registado até agora, também é verdade que ainda não avulta a tendência para grande diminuição.

Afastado o problema da emigração, temos de reconhecer que o aumento da população levanta o problema económico de dar emprego às novas gerações. A tal respeito escreveu o Sr. Dr. Marcelo Caetano, na Exposição ao Conselho Económico («Diário Manhã», 18 de Janeiro de 1957):

«O ritmo de crescimento natural da população, só no continente, atinge quase 100.000 almas por ano, das quais se pode tomar como acréscimo líquido apenas cerca de 52.000, pois uma parcela apreciável, (mais de 40.000 por ano) deixa o País por emigração.

«Uma vez que se mantenha tal nível de emigração, e dado que não é provável uma alteração sensível, a prazo curto, no ritmo de nascimentos e mortes, é de prever que o acréscimo populacional se verifique àquele ritmo de 52.000 pessoas por ano. Por sua vez no que respeita à população activa prevê-se para os próximos anos um acréscimo anual à volta de 18.000 pessoas, o que faz com que o total da população activa do continente português em 1964 deva atingir 30 milhões.

Esta previsão tem por base o nível de emprego que existia em 1950, de acordo com os dados censitários.

O número de 18.000 empregos a criar anualmente seria pois o mínimo necessário para manter um coeficiente de emprego igual ao verificado em 1950, admitindo ainda que em 1958 esse nível se mantém. Que tal número seja um limite mínimo é compreensível desde que se tenha presente que não se entrou em linha de conta com o problema do desemprego, para o qual são praticamente inexistentes os dados estatísticos disponíveis, nem tão pouco se formulou qualquer hipótese relacionada com a importante questão do subemprego. Em relação a este, embora também não disponhamos de aferidores numéricos que o possam traduzir quantitativamente, sabe-se que existe  em larga escala, especialmente nos sectores da agricultura e das actividades terciárias. Pode dizer-se que a existência de um volume apreciável de subemprego agrícola é um sintoma do nosso fraco desenvolvimento económico, o qual, não criando largas de desemprego industrial declarado, permite a manutenção de importante número de trabalhadores rurais com um coeficiente de emprego anual muito reduzido e, consequentemente, dispondo de fraquíssimos rendimentos. Este facto, explica, em larga medida, a fraca produtividade agrícola, dado a agricultura funcionar entre nós como aquele sector que, naturallmente, terá de absorver parcela considerável da nova população activa que anualmente entra no mercado do trabalho.»

Neste assustador problema do emprego em actividades produtivas, há que ter em conta a má distribuição demográfica, e em especial a superpopulação de Lisboa. A densidade populacional em algumas regiões do Minho e do Douro é de cerca de 300 habitantes por quilómetro quadrado, média análoga à da Bélgica e da Holanda. Em Bragança e no Alentejo a densidade é por vezes de 25 habitantes por quilómetro quadrado, o que comparativamente mostra a desigual repartição do povo no nosso país.

Costuma-se dizer que 47 % da população portuguesa se dedica à agricultura. É esta uma opinião a rever, porque:

1.º – A densidade da população é muito maior nas cidades do que nos campos.

2.º – Nem toda a gente que vive nos meios rurais trabalha sempre na agricultura. (Há o chamado desemprego oculto).

3.º – Grande parte da população portuguesa não profissões permanentes:

a) Velhos (reformados, inválidos, etc.);

b) Mulheres (domésticas sem ocupação);

c) Crianças (até aos estudantes universitários).

Outro critério a rever é o seguinte: – até agora era usada a medida de superfície para avaliar a densidade da população, mas dado o novo tipo de habitação em altura, este critério torna-se erróneo. A unidade de divisão geográfica não pode servir de unidade de divisão demográfica.

Quanto à superpopulação de Lisboa, é em parte devida à forçada e errónea centralização de muitos serviços públicos na capital, o que não se justifica no tempo do telégrafo, do telefone e da viação rápida. Muitas instituições de investigação, fiscalização e coordenação poderiam ter sede em capitais de distrito ou até de concelho que iriam valorizar com uma população de superior nível educativo. Lembremo-nos das instituições religiosas, dos conventos e das comunidades, que se instalavam em ambientes rurais, promovendo assim a cultura e a espiritualidade das localidades vizinhas.

Para o ponto de vista deste artigo, importa também distinguir a população válida para o trabalho e a que não o é. Qualquer que seja a situação jurídica, ou a respectiva designação (capitalistas, proprietários, reformados, inválidos, menores, etc.), a verdade é que quem não exerce uma profissão produtiva na realidade vive à custa do trabalho alheio. Consome, sem produzir. Por outro lado, a medicina moderna, com as vacinas, os antibióticos, etc., permite aumentar a longevidade. Assim cresce o número de velhos, isto é, de homens e mulheres com mais de 65 anos. A puericultura limita e reduz a mortalidade infantil, o que produz o aumento do número de crianças a educar.

Considere-se também o que se passa nos domínios da escolaridade. Cursos cada vez mais longos, estudantes que terminam cursos aos 30 anos!, fazem aumentar o número dos jovens que não exercem profissões.

Urge recensear, sem preconceitos de qualquer ordem, a população que efectivamente trabalha em profissões economicamente produtivas, para a comparar com aquela que, por vários motivos, se limita a consumir as riquezas socialmente acumuladas.

Se é difícil avaliar a quantidade de crianças, inválidos e velhos que residem em instituições de assistência, cujo número tende a aumentar em consequência de um critério socialista que se opõe ao critério familiarista, fácil é todavia inferir que o respectivo encargo económico recai sobre a minoria da população empregada em profissões produtivas. O que é de graça para uns acaba, afinal, por ser pago por outros.

Depois de termos assinalado alguns pontos essenciais e concretos, convém rever como alguns pensadores qualificados entendiam os !problemas económicos. Tanto Malthus, como Stuart Mill, como Henrique Bergson, observando as consequências produzidas pelo aumento de população, propuseram soluções diferentes das marxistas que cingem esses problemas à discussão das relações entre o capital e o trabalho. Porque a natureza (Malthus) ou a sociedade (Mill e Bergson) não garante condições de vida, estes autores são partidários da limitação da natalidade. O nódulo do problema reside nas relações da reprodução e da alimentação, o que equivale, no âmbito da política, a fazer incidir a atenção do legislador sobre a família.

Verifica-se, com efeito, que todas as constituições políticas promulgadas depois da primeira Grande Guerra Mundial contêm um capítulo sobre a família. Deve-se isso, em grande parte, à divulgação da Filosofia do Direito, de Hegel, a qual, nos seus parágrafos 158 a 180, exalta o valor político da instituição familiar. Também a Constituição Política da República Portuguesa, aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933, contém hoje quatro artigos (12.° a 15.°) inteiramente dedicados à família. Não foram, porém, apenas os motivos morais aqueles que justificaram a redacção de tais artigos da lei fundamental; foram, principalmente, as observações de ordem biológica, o instinto de preservação das virtudes rácicas, o conhecimento dos resultados da genética  eda eugenia, que motivaram tão profundas alterações no domínio do direito público. Todavia, não estando valorizada nem assegurada a função da mulher na vida doméstica, nem sendo atribuído valor moral e económico ao seu trabalho no lar, toda a doutrina de tais artigos fica sujeita a interpretações abstractas e deixa de ter as indispensáveis consequências práticas. Uma coisa é a família, outra as relações abstractas de parentesco.

A existência da família não é realmente possível sem uma mulher (mãe, esposa, irmã ou filha) que assuma a chefia ou direcção do lar, para benefício de todos quantos com ela vivem em comunhão de mesa e habitação. Por isso importa corrigir o critério pelo qual é dada a classificação de doméstica a todas as mulheres que não exercem profissão fora do lar. É essa uma classificação errónea, pois não permite distinguir aquelas que activamente trabalham em proveito dos seus familiares das outras que apenas consomem e vivem na ociosidade. Este erro, que falseia os dados estatísticos, deveria ser considerado nos actos preparatórios do censo de 1960.

Efectivamente, para calcular o número de empregos indispensáveis a satisfazer anualmente as exigências do aumento de população, temos de considerar sem dúvida os diferentes destinos dos sexos. Muitas mulheres não concorrem, ou não devem concorrer, à luta pelos empregos, em competição com os homens; esperam pela hora do casamento e renunciam a tudo quanta as iniba de cumprir a vocação conjugal.

A verdade é que nenhum homem pode viver sem a assistência de uma mulher que lhe cuide da habitação, do mobiliário, do vestuário, da alimentação, e tal mulher é geralmente uma pessoa da mesma família. É de todo vantajoso que assim seja por uma razão de economia, visto que deste modo o homem obterá por baixo preço um trabalho que lhe seria muito caro, se o confiasse a mercenários. Enquanto a habitação e a alimentação não estiverem colectivizadas, enquanto os trabalhadores não forem obrigados a viver em restaurantes, pensões e hotéis, haverá necessariamente em cada família pelo menos uma mulher que se dedique apenas aos serviços domésticos, quer dizer, que não possa exercer uma profissão fora do lar. Esquecer, ignorar ou omitir este elemento nos cálculos estatísticos para efeito de classificação das profissões e de cálculo na distribuição dos empregos, equivale a admitir um elemento de erro em todas as conjecturas de uma sociologia que pretende ser positiva e realista.

Dada esta urgência de definir a função da mulher dentro do lar, razão têm os autores que consideram o abono de família um modo imperfeito de remunerar o trabalho doméstico, em vez de um estímulo ao aumento da população. Há que reconhecer o carácter económico desta forma de trabalho, em igualdade de circunstâncias às profissões classificadas sindicalmente.

A educação dos filhos fora do lar sai mais cara do que aquela que é feita em casa pelos pais, e o problema é tão importante para a família, como para o município, como para o Estado. Numa tese apresentada ao IV Congresso da União Nacional, em Maio-Junho de 1956, escreveu a Sr.ª Dr.ª Adriana Rodrigues: «A ausência da mulher no lar obriga à criação e manutenção dum sem-número de instituições especializadas para cuidar e tratar dos filhos, o que está avaliado, segundo um relatório da Liga de Acção Social Feminina Cristã da Bélgica, em que, para cada 100 mulheres que «trabalham», se exigem 50 para tratar das crianças». E, como é evidente, além das puericultoras, há-de haver outras empregadas de várias categorias que assegurem o funcionamento da instituição.

A defesa da família, da posição da mulher no lar, e do aumento da natalidade legítima, condiciona, como vimos, a política portuguesa da população.  A doutrina vigente é favorável ao aumento da natalidade, que estimula por meios directos e indirectos, segundo as nossas tradições morais, mas nem sempre é prudente e previdente no que diz respeito às respectivas aplicações. Urge providenciar a que ao aumento da quantidade corresponda um aperfeiçoamento da qualidade, utilizando-se para isso as medidas aconselhadas pelo progresso dos estudos antropológicos e, em especial, dos estudos médicos.

Há que contrariar a tendência para os casamentos tardios, explicada e desculpada geralmente pelas exigências económicas que se apresentam ao homem. O emprego tardio ou inseguro, e ainda a dificuldade de habitação, levam a protelar indefinidamente um acto jurídico que se deveria realizar nas melhores oportunidades biológicas. O aspecto mais grave oferece-se, como sempre, à mulher, a qual mais depressa, quer dizer, vai perdendo rapidamente as condições de mais saudável maternidade. Sabido é que o primeiro parto vai-se tornando cada vez mais perigoso para a mulher depois dos vinte e cinco anos. Depois dos quarenta ou quarenta e cinco anos de idade, a mulher que não casou, e ficou estéril, sofre as consequências psíquicas de se lhe ter frustrado a vocação natural e sobrenatural.

A protecção à mulher grávida é dever imperioso de eugenia, pois bem sabemos que de uma boa gestação depende a robustez do nascituro. A alimentação da criança pelo leite materno, e, depois, por bons elementos preparados em família, é também uma das condições reconhecidas pela moderna pediatria. Concluiremos, portanto, em dizer que todas determinações de política social, desde o simples despacho até à minuciosa lei, que tendam a defender a maternidade, no mais amplo prazo que possa corresponder à acepção da palavra, hão-de concorrer para que ao aumento da população, desejado pela moral tradicional, corresponda também o melhoramento do tipo humano, condição indispensável do progresso nacional.

 

António Telmo



[1] Mensário das Casas do Povo, ano XII, n.º 141, Março de 1958, pp. 6-8.