VERDES ANOS. 26

13-06-2017 11:22

Aspectos sociais e legais do trabalho feminino[1]

 

O trabalho feminino, aquele trabalho que a mulher naturalmente tende a executar, deve ser considerado em função da maternidade. Logo nos primeiros anos se verifica, pela observação da actividade lúdica infantil, que a criança do sexo feminino prefere aqueles jogos e ocupações que prefiguram o seu destino maternal. Se quisermos saber, para lá da mera verificação estatística, quais os trabalhos que melhor se adaptam à natureza feminina, teremos de entrar em certas considerações sobre a maternidade que parecem desviar-nos da verdadeira finalidade deste estudo. No entanto diremos que o conceito de maternidade, ao abranger toda a aura vital da mulher, não deve ser reduzido à gestação e ao parto, pois a maternidade, muito mais do que um fenómeno biológico, é uma actividade psíquica, o que nos permite ver a educação na analogia da procriação. Grandes são os segredos desta analogia. Na medida em que, a partir da concepção, se opera a gestação interior do filho, vemos, no rosto da mulher, acentuar-se a expressão gravemente atenta de quem assiste, de quem vê organicamente, com o tacto e com o contacto, cumprir-se um solene mistério. Uma força plástica de humanização da natureza trabalha no ventre da mulher.

Considerando-a agora nas suas relações com o exterior e, em especial, na relação promovida pelo trabalho, fácil é deduzir, seguindo o fio da analogia vegetal, que todas aquelas artes que exigem destreza, minúcia e atenção, como o tecer, o bordar e o coser, respondem adequadamente à vocação feminina. Estes princípios servir-nos-ão, na sequência deste trabalho, para caracterizar as profissões que surgiram com o advento da indústria.

Por ora, consideremos o trabalho doméstico: a alimentação, o vestuário e a habitação.

É a mulher quem prepara os alimentos para o homem. Sempre a esposa se distinguiu pela qualidade dos manjares que oferece ao marido. A cozinha depende da região agrícola em que a família habita. Daí o distinguirem-se as várias cozinhas regionais. Verificam os psicólogos que, frequentes vezes, as discórdias entre marido e mulher nascem do desagrado sentido por aquele com a cozinha que esta lhe oferece, com a repetição dos pratos, onde o engenho da mulher normalmente põe uma nota inédita de atracção, se a pobreza dos meios não permite a variedade das substâncias alimentícias. É conhecida a recíproca emulação da sogra e da nora neste particular. Cultivar na mulher a sua natural vocação na arte da culinária é uma finalidade que nunca se deve perder de vista, se de facto se pretende auxiliar o espírito de família. Com efeito, além dos aludidos conflitos familiares, são de considerar os efeitos da má alimentação no estado de saúde da família, da alimentação, não só no sentido de escassa, mas também de preparada sem aquele cuidado, carinho e amor que subtiliza os elementos mais grosseiros, como se verifica na confecção de doces – subtilização essa de benéficos efeitos psíquicos.

Uma criança vestida sem asseio e elegância suscita a maledicência para com a mãe. Vestir é desnudar, se observarmos a doutrina católica de que o corpo é a veste grosseira da alma. Vestir os membros da família é, para a mulher, velar em símbolos a sua instintiva idealidade, em símbolos pelos quais os estranhos podem verificar, não só o asseio da mãe de família, mas também o seu grau de cultura e de espiritualidade. As combinações das cores entre si e com a cor da pele, a harmoniosa combinação do nu com o vestido, das formas das ancas com os vários tipos de saias, atingem no vestuário de certas mulheres do povo tal perfeição artística que nos inclinamos como no limiar dum mistério. O diálogo das mães com as filhas, a propósito dos segredos da indumentária, inclui termos e desenvolve-se por tropos que constituem enigmas insolúveis para o sexo masculino. No entanto, vê-se que a mulher gosta que o marido a contemple, e mau sinal é quando este não repara nas modificações que ela introduz periodicamente no seu vestuário.

No arranjo da casa, na escolha da disposição dos móveis, na colocação dos adornos se manifesta exemplarmente o espírito laborioso da mulher. Pedimos ao leitor que recorde a analogia que atrás deixamos inscrita para que possa acompanhar toda a morfologia feminina, nas suas várias fases e momentos. A jurisprudência romana conferia-lhe a nobre dignidade de sacerdotisa do lar, isto é, de mediadora duma divindade, através de um culto, cujos princípios eram intransmissíveis. O carácter sagrado da habitação entre os Romanos mereceu de Fustel de Coulanges um estudo famoso, A Cidade Antiga.

A higiene, nome pelo qual designamos a feminina purificação da matéria, a enfermagem, ou a regeneração dos corpos doentes, a puericultura, são actividades que completam este quadro em que infatigavelmente se move o espírito maternal da mulher.

Talvez o leitor ignore que o jardim, o quintal e a horta não ladearam sempre a casa. Ainda hoje podemos vê-los, em certas moradias, constituindo o centro da habitação. O cultivo das flores é uma ocupação especialmente feminina, como aliás todas aquelas formas de relação pelo trabalho com a terra que não exigem grande esforço muscular.

É curioso observar a dedicação, em que há uma transferência do instinto maternal, que as mulheres põem no cultivo da capoeira e do apiário. O tratamento do bicho-da-seda, com a sua vida vegetativa, com as suas metamorfoses na tenebrosa intimidade do casulo, constitui para a mulher uma fonte de prazeres, acrescentados, ainda, pela mediação que estabelece em relação aos filhos, a quem ela pode ministrar assim um ensino maravilhoso.

Vemos assim a actividade feminina alargar-se da cozinha, onde reside o fogo, que é o centro do lar, para toda a casa, para o quintal e para a horta, saindo de casa para se aproximar da terra. Vemos a mulher, no Norte, a lavrar, a semear e a regar, enquanto o homem emigra. Vemo-la no Sul, na ceifa e na apanha da azeitona. Por toda a parte, ela emerge do meio dos trigais, surge empoleirada nas árvores, enchendo de laboriosa beleza humana os campos. É de considerar atentamente esta profunda afinidade cósmica da mulher e da terra, a qual vai determinar a sua vocação agrícola.

Se, nesse sentido, consideramos o artesanato feminino, vemo-lo configurar-se no fabrico de queijos, chouriços, doces e compotas, como expansão comercial da actividade culinária primitivamente restringida à cozinha e como complemento das economias familiares. Todavia é naqueles trabalhos com elementos vegetais, como a fiação, a tecelagem, os tapetes, os bordados, que a mulher expande inteiramente a sua natureza laboriosa. Laboriosa, porque, efectivamente, a mobilidade própria do ser feminino, mobilidade que tem a sua expressão suprema nas mãos, permite-lhe uma actividade contínua para a qual o homem não está naturalmente qualificado. Este necessita de maior período de repouso e ócio, como se verifica nas civilizações orientais, porque está destinado a actividades descontínuas e intensas, como é próprio do ritmo intelectual.

É altura de nos referirmos ao advento da indústria e de estudarmos algumas das suas consequências. Com a industrialização do País, que teve, como se sabe, o seu momento culminante e revolucionário no tempo do marquês de Pombal, a mulher começa a ser dissociada do lar e do campo, aproximando-se dos grandes meios fabris. Esta dissociação explicam-na alguns doutrinadores, intelectualmente, como uma necessidade mecânica derivada de irrevogáveis leis sociológicas; sentimentalmente, pelo imperativo ideal de acompanhar a evolução dos tempos e o progresso da Humanidade. Assim se defendeu a adaptação da mulher ao novo tipo do trabalho industrial. Nessa adaptação, não se consideraram, porém, convenientemente as naturais aptidões femininas. Com o desenvolvimento da indústria, começa a escola primária, instituída em moldes próprios para o sexo masculino, a ser frequentada também pelo sexo feminino. Em vez de se cultivarem as diferenças singulares dos sexos, para estímulo dessas diferenças, tanto mais necessário quanto a indústria trouxe e tem de uniformizante, caminhou-se no sentido contrário, ao aperfeiçoar-se essa igualdade de ensino. Será fácil verificar que, mesmo no ambiente hostil das fábricas, repletas de engenhos de indústria masculina, as mulheres se distinguem pela sua destreza manual, pela sua superioridade nos trabalhos que exigem minúcia, em tudo quanto a fábrica comporta de artístico. Ao surgirem as máquinas de escrever, logo as mulheres se revelaram muito mais aptas para o trabalho de dactilografia do que os homens. Com efeito, o trabalho mecânico da fábrica, por ser meramente reprodutor, em seus movimentos descontínuos e rápidos realiza como que a paródia do trabalho feminino, cíclico e lento. Um trabalho de reprodução impacienta e enerva o homem, o qual, sendo por excelência produtor e não reprodutor, muito mais se incompatibiliza com a fábrica do que a mulher. Por outro lado, não se compreende que a igualdade, trazida pela indústria, para os dois sexos, não só no tipo geral de actividade, como nas horas de trabalho, não tenha correspondência nas remunerações.

Os problemas que se levantam com o aparecimento e sucessivo desaparecimento da indústria tomam aspectos alarmantes que fazem voltar a atenção dos doutrinadores para o problema do ensino, conhecida a relação deste com o trabalho, pois é nas escolas que se preparam os futuros profissionais. Pergunta-se, em primeiro lugar, se as mulheres possuem natural aptidão para frequentar a escola destinada ao homem; pergunta-se, depois, se possuem análoga aptidão para exercer profissões destinadas ao outro sexo. Mas a resposta, geralmente afirmativa, não prova, pois o problema foi mal posto. Não há dúvida de que a mulher, maleável, moldável e receptiva por natureza, está apta a imitar qualquer actividade masculina. É um erro portanto negar-lhe possibilidades de desenvolver aptidões masculinas. Deve-se por isso perguntar antes se ela, ao frequentar os cursos e ao exercer profissões destinadas a homens, não perde os atributos de feminilidade, com a inevitável tendência para a homossexualidade, cujos efeitos, muito difíceis de descobrir e de denunciar, não deixam contudo de assumir já aspectos alarmantes nas nossas grandes cidades. A verdadeira doutrina é, sem dúvida, esta: a mulher deve ser educada para que, normalmente aos vinte e cinco anos, seja esposa e mãe. Infelizmente os estudos prolongados e as profissões absorventes, muitas vezes as distraem desse objectivo, sem prestarem atenção às vozes periódicas dos instintos naturais. Acontece depois que, na idade que vai dos trinta aos quarenta ou aos quarenta e cinco anos, surgem manifestações do complexo de frustração da maternidade, quando já é tarde. A mulher perdeu a juventude e a beleza, perdeu a melhor oportunidade de casar e de ser mãe. Olha com inveja para as senhoras casadas que continuam a ser belas até à idade do climactério, porque floresceram e frutificaram, não emurcheceram. Então o complexo de frustração da maternidade manifesta-se por uma transformação da ternura livre em absorvente vontade de domínio sobre os outros, segundo uma tirania que nem os homens seriam capazes de exercer. Faltando a realização desta vontade de poderio, a mulher azeda e cai nos procedimentos conhecidos e classificados em psiquiatria, com irremediáveis e trágicas consequências. Assim se vê que toda a atenção do legislador deve convergir para as repercussões familiares e sociais da masculinização da mulher.

Começam os legisladores a estar atentos às relações da fisiologia feminina com o trabalho e, para resolução dos respectivos problemas, já não deixam, como outrora, de solicitar a colaboração dos médicos. A fisiologia feminina é dotada de particularidades tais que só por estultícia ou por crueldade se desconheceria nos ambientes de trabalho. A menstruação e a gravidez não permitem que a mulher se adapte, como o homem, a uma actividade ininterrupta no tempo e no espaço. Aquele fenómeno periódico de cíclica decomposição e renovação das matrizes – a menstruação –, assim designado por obedecer a períodos de um mês lunar, obriga as mulheres a passar por repetidas fases de intenso sofrimento, cuja duração se arrasta, normalmente, durante uma semana. Para não nos referirmos aos casos de menstruação irregular, a que muitas mulheres estão sujeitas.

É um espectáculo cruel ver ou imaginar a mulher suportando, nos dias de tal sofrimento – tantas vezes horroroso, pois muitas mal se aguentam de pé –, o curso monótono e infindável do trabalho. Verifica-se, além disso, que, durante esses períodos, ela se irrita facilmente com a presença e a convivência masculina, que lhe sugerem imagens de fria violência, aspirando legitimamente ao conforto, à ternura, à solidão e ao repouso. É então possuída da tentação de não ser mulher, inveja a situação do homem, livre desses sofrimentos: calcule-se, pois, quanto a imposição de um trabalho, muitas vezes de características masculinas, actuará no sentido do fortalecimento e efectivação psicológica desse desejo. Ela sente-se um homem que não é, e propende, por um processo lento mas seguro, a adoptar hábitos que adulteram a sua natural feminilidade, a sua vocação de esposa e de mãe.

Por mais cego que se esteja perante a evidência da singularidade de cada sexo, por muito grande que seja a vontade de negar essa evidência, levando a negação até ao domínio anatómico, ninguém pode, contudo, esquecer a gravidez e deixar, por conseguinte, de aceitar, pelo menos, as consequências imediatas que ela acarreta na economia do trabalho. Todas as explicações idealistas da identidade dos sexos sucumbem perante estes dois factos fisiológicos: a menstruação e a gravidez. São factos, porém, que os utópicos defensores da igualdade do homem e da mulher quase sempre esquecem; e caem, por isso, em afirmações ridículas, como, por exemplo, a de dizerem e escreverem que não há motivos que justifiquem o uso de vestuários distintos: as calças e as saias. Na previsão da gravidez, que raramente se não verifica na vida de uma mulher, a sociedade normalizou o uso das saias para o sexo feminino.

Não será difícil adivinhar, na série de livros que se têm pronunciado para atacar a desigualdade dos sexos, transformando uma realidade natural numa noção de injustiça social, o desejo oculto e secreto de dificultar, senão de fazer cessar a procriação na terra, contrariando assim uma lei natural e um mandamento divino, que a Igreja estabelece, consolida e consagra pelo sacramento do matrimónio. É espantoso que sociólogos ignorem que aproximam igualdade e homossexualidade. E a mulher que é um ser débil e naturalmente desejoso de protecção e ternura, ao ver pelo ambiente social adulteradas as noções tradicionais do amor e da família, refugia-se na companhia de pessoas do mesmo sexo, proclamando assim a sua emancipação da gravidez e da maternidade, a que muitos sociólogos chamam simplistamente emancipação da mulher.

Dotada de maior longevidade que o homem, mais resistente do que ele, a mulher possui, contudo, menos força muscular. Inapta para trabalhos violentos, não pode também, por razões já indicadas, suportar longas horas de pé. Na adaptação à máquina, ela deve estar sentada. Nesta posição sua, em que as pernas estão articuladas com o mecanismo, vemos nós o sinal de uma subtil diferença, que já em um anterior estudo nosso assinalámos. Enquanto o homem é exterior à máquina, a mulher, por assim dizer, associa-se com ela. Esta destrinça exige, porém, uma subtileza de observação, que ultrapassa já o domínio fácil da evidência. No entanto, convém fixar tão evasivos pormenores para ver em tudo actuar a força contrapolar que distingue os sexos.

De harmonia com o que tem sido aconselhado e indicado pelos fisiologistas, compete a uma normal legislação social definir quais as profissões e tarefas que devem ser vedadas ao sexo feminino, de acordo com as observações antecedentes. Se, em consequência dos preconceitos igualitários e de uma lamentável falta de atenção à realidade dos factos, a nossa legislação do trabalho não determinou as distinções convenientes, será contudo legítimo esperar, do progresso dos estudos corporativos, as providências indispensáveis à defesa da saúde da mulher e dos filhos, à defesa da família e ao revigoramento da raça.

Referimo-nos, evidentemente, ao trabalho diurno. Quanto ao trabalho nocturno já existem numerosas providências que tendem a fazer cumprir o estabelecido nas convenções internacionais. Justo é salientar salientar a última dessas providências que se manifestou na forma de um despacho exarado em Agosto de 1955 pelo actual titular do Ministério das Corporações. É certo que a proibição e a restrição do trabalho nocturno das mulheres parece principalmente justificada por motivos de ordem moral (o que é, aliás, muito importante, nas sociedades que verdadeiramente se preocupam com o problema da família), mas também as razões de ordem fisiológica e psicológica poderiam reforçar o valor de tais medidas restritivas ou proibitivas.

Finalmente, a protecção à gravidez e à maternidade figura normalmente na nossa legislação. Tem sido dito que a licença com vencimentos, durante o prazo de trinta dias, é insuficiente, sabido que a gravidez dura nove meses e a aleitação perto de dois anos. A dar satisfação ao que deveria ser exigido para defesa da saúde da mãe e do filho, teriam as empresas patronais que suportar encargos incompatíveis com a sua economia privada; mas esta razão é ainda mais um argumento a favor daqueles que defendem o regresso da mulher casada às actividades do lar. O problema, que é complexo, merece que sobre ele incidam as atenções de médicos, moralistas e legisladores.

No relatório que precede a recente proposta de lei relativa à reforma da previdência social, datada 28 de Maio do ano corrente, encontram-se judiciosas considerações sobre este assunto. Passamos, por isso, a transcrever todo o parágrafo 58, cuja doutrina é de perfeita actualidade.

 

«A protecção na maternidade depende igualmente da reorganização das instituições de previdência e do estabelecimento da compensação entre as caixas interessadas. Também neste aspecto as vantagens sociais de reforma se mostram relevantes, sobretudo quando se sabe da falta de amparo eficaz às futuras mães e até de inúmeros abusos de que elas são vítimas por não poderem dar o rendimento normal no trabalho.

A protecção às grávidas e às parturientes apenas se exerce no actual sistema da previdência pela sua equiparação a beneficiárias ou a familiares doentes. A necessidade de uma actuação especial que, com frequência, impõe o internamento hospitalar ou uma terapêutica apropriada que o esquema de prestações vigentes não comporta; a inadaptação ao rigor dos prazos regulamentares e as exigências de ordem psicológica que ao comum dos doentes são estranhas constituem, no seu conjunto, circunstâncias que aconselham uma organização específica da assistência à futura mãe, a exemplo, de resto, do verificado noutros países.

Por outro lado, as medidas de protecção, estabelecidas já em 1937 pela Lei n.° 1.952 e ampliadas por convenções colectivas ou despachos de regulamentação que se estendem a largo campo de trabalhadores, no sentido de garantia do contrato de trabalho e concessão de subsídios à parturiente, enfermam de graves defeitos que é necessário remediar. A protecção na maternidade reveste-se, pois, do mais largo alcance social. As prestações a conceder ao abrigo do novo seguro, quando criteriosamente atribuídas, sobrelevam mesmo às de outras modalidades de amparo, pois traduzem acção preventiva de incalculáveis repercussões. Nem se esquece que a situação demográfica portuguesa não pode ser apreciada por saldos fisiológicos, que são reflexo dos altos índices de natalidade de há trinta anos. Há que ter em conta, na verdade, que nas últimas décadas a fertilidade tem diminuído sistematicamente e que é ainda grande a mortalidade infantil, embora em acentuado decréscimo.»

 

Esta notável e autorizada página de previdência social completa e coroa o que em seus livros valiosos exararam três escritores especialmente qualificados na elaboração de estudos corporativos. Referimo-nos ao Dr. José Francisco Rodrigues, autor de um livro intitulado A Família, a Mulher e o Lar, (Lisboa, 1950), ao Dr. Adérito Sedas Nunes, autor de Situação e Problemas do Corporativismo (Lisboa, 1954) e ao Dr. José Manuel Cortês Pinto, autor de A Corporação (Coimbra, 1955). Nesses três livros, notáveis pela documentação em que fundamentam as suas teses e as suas propostas, o estudioso já é obrigado a ver uma relação complexa entre os problemas do trabalho e os problemas da família, na certeza de que uns não se podem resolver com desconhecimento dos outros. Defender a família é, quanto a nós, defender a mulher. Neste sentido interpretamos todas as disposições legais até agora publicadas pelo Governo da Nação.

Vasto programa de política social é o que lemos na lei suprema do País, a Constituição de 1933, a qual estabelece no artigo 14.º, título III da 1.ª parte:

 

Em ordem à defesa da família pertence ao Estado e autarquias locais:

1 –  Favorecer a constituição dos lares independentes e em condições de salubridade, e a instituição do casal de família.

            2 – Proteger a maternidade.

3 – Regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família e promover a adopção do salário familiar.

4 – Facilitar aos pais o cumprimento do dever de instruir e educar os filhos, cooperando com eles por meio de estabelecimentos oficiais de ensino e correcção, ou favorecendo instituições particulares que se destinem ao mesmo fim.

5 – Tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes.

 

Muitas disposições legais foram depois publicadas no intuito de realizar as garantias na Constituição consignadas, entre as quais referiremos o Decreto-lei n.° 25.936, de 17 de Outubro de 1935, que instituiu a Organização Nacional Defesa da Família.

Em ordem à defesa da família, convém conhecer as forças que afastam a mulher da sua vocação conjugal, ou que a obrigam a sair do lar para exercer profissões incompatíveis com a vida de família, sabido que tais forças são os verdadeiros factores da corrupção dos costumes. Esse afastamento da mulher do lar toma proporções alarmantes, apontadas por todos os sociólogos. O Dr. José Francisco Rodrigues, no livro citado, a pág. 87, depois de ter transcrito o quadro da estatística da educação relativa ao ano lectivo de 1945-46, escreve, a propósito do problema do trabalho profissional da mulher:

 

«Estes números provam à saciedade que o problema existe e reveste tal acuidade que a sua resolução se torna imperativa e urgente.

Revelam-nos, na verdade, uma fortíssima tendência da mulher de hoje para conquistar saber e posição profissional mas nada nos dizem da apetição nem da competência femininas para a construção de novos lares.

Essa tendência pode ser altamente benéfica se for convenientemente aproveitada e dirigida, tendo em vista que o destino natural e sobrenatural da mulher se realiza, na maior parte dos casos, pelo matrimónio.

Não nos parece que o remédio mais indicado para obviar aos seus inconvenientes seja o de a contrariar ou de fingir ignorá-la.

Muito menos o de a estimular no sentido de tornar a mulher urna competidora do homem nas carreiras profissionais e nas lutas políticas e sociais – como defendem os paladinos das ideias da emancipação».

 

Linhas adiante, o autor de A Família, a Mulher e o Lar transcreve do livro de uma das mulheres mais inteligentes nascidas em Portugal algumas elucidativas linhas:

 

«Emancipar a mulher é atacar na sua base a família, é trazer para dentro do lar as paixões tumultuosas da praça pública, é destruir o mais doce dos poderes a que o homem se curva, o temível poder da fraqueza feminina!

E não se diga que eu combato a mulher quando combato a sua libertação absoluta perante a sociedade e perante a lei. Os que pretendem furtá-la à tutela salutar que a contém na esfera que lhe é própria é que são os piores inimigos.»[2]

 

Todas as nossas esperanças de que os tópicos apresentados no nosso artigo hão-de ser objecto de estudos corporativos se baseiam no Plano de Formação Social e Corporativa, devido à iniciativa inteligente e à vontade firme do Dr. Henrique Veiga de Macedo. Efectivamente pela Base III da Lei n.° 2.085 será a Obra das Mães pela Educação Nacional chamada a colaborar na execução do plano. Quer isto dizer que será inteiramente revisto, agora de acordo com as tradições portuguesas, o problema da situação da mulher na família e na sociedade, a normalização de ensinos diferentes, a melhor preparação da mulher para as profissões adequadas ao sexo feminino.

A experiência dos Centros de Educação Familiar e Doméstica nas Casas do Povo há-de ser, certamente, um contributo importante para a solução deste problema. Convirá então verificar se a colaboração da O. M. E. N. nos meios rurais deu os resultados previstos e desejados, sabido que existem muitas dúvidas sobre as boas relações entre as dirigentes dos Centros de Educação Familiar e os dirigentes das Casas do Povo, sobre o respeito das tradições regionais quanto à culinária e à costura, sobre o ulterior aproveitamento das habilitações das educandas, sobre a fixação das raparigas à terra pelo casamento com trabalhadores rurais. A Junta Central das Casas do Povo terá, certamente, uma palavra a dizer.

 

António Telmo



[1] Mensário das Casas do Povo, ano XI, n.º 132, Junho de 1957, pp. 7-8, e n.º 134, Agosto de 1957, pp. 6-7 e 11.

[2] Maria Amália Vez de Carvalho – Mulheres e Crianças, pág. 158.