UNIVERSO TÉLMICO. 75
Publicamos hoje o ensaio com que Pedro Martins colaborou no volume, recentemente publicado e já aqui amplamente divulgado, Miguel Real 40 anos de Escrita: Literatura, Filosofia e Cultura.
A casa das mil portas:
Miguel Real e a Filosofia Portuguesa
Pedro Martins
Nota prévia
O presente texto tem o propósito exclusivo de homenagear o escritor e filósofo Miguel Real. Pede-se de antemão ao leitor o favor de nunca o perder de vista, mesmo quando, pela dialéctica desenvolvida nas suas páginas, o homenageado delas pareça estar momentaneamente distante, ou até ausente. As críticas nele dirigidas a autores notados, laureados e até incensados na ara do reconhecimento público não terão outro propósito senão o de melhor enfatizar, pelo fulgor do contraste, e em termos do maior louvor, a excepcional atitude ética e teorética de Miguel Real perante o segundo azimute do seu subtítulo: quem, despido de preconceitos, e à margem do canibalismo cultural que ele tão bem tem sabido denunciar, quiser entender a essência do movimento da Filosofia Portuguesa, pode começar por ler os livros do autor de A Morte de Portugal.
I. A atitude lamentável de uma parte significativa da intelectualidade portuguesa perante o movimento da Filosofia Portuguesa – e, mais amplamente, em face da catena aurea da Escola Portuense em que este se insere – pode ser ilustrada pelo capítulo IV do livro Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes), de António M. Feijó, intitulado “Teixeira de Pascoaes”. Nele se surpreende uma ignorância clamorosa do que tal movimento seja, eivada, para mais, de um insofrido acinte. Vale a pena ver de perto, com certa demora, o que o autor ali afirmou, pois que a sua atitude se ache, precisamente, nos antípodas da que depois se encontrará na obra de Miguel Real, num contraste precioso, por iluminante.
Considera Feijó que três factores afectam «a legibilidade da obra de Pascoaes», visto que esta: a) «é ameaçada por uma noção corrente do que é «poético», em que a característica maior do poético é a presença da «metáfora», sendo aqui a metáfora, de modo vago, qualquer figura reconhecível pelo leitor»; b) «parece igualmente afetada por uma dicção poética regressiva e pré-moderna que levou Pessoa, não obstante a sua perceção da magnitude de Pascoaes, a descrevê-lo como sofrendo de “pouca arte”»; c) e «alguns dos seus textos mais conhecidos» foram «assiduamente glosados por uma série de discípulos menores que neles em parte fundaram a débil construção derivativa apelidada “Filosofia Portuguesa”»[1].
Não enuncia o autor quais os escritos pascoalinos sobre os quais terá incidido esta contínua glosa; mas, em seguida, depreende-se estarem em causa os «textos exotéricos», pois que, segundo ele, se constituam estes como «evangelho» dessa «religião inferior» que, a seus olhos, vem a ser a «“filosofia portuguesa”»[2]. Contra semelhante estado de coisas, pernicioso para a «legibilidade» da obra do vate, sugere-se então
«uma regra simples: tudo o que Pascoaes escreveu deve ser lido de modo literal, não dissolvido na interpretação, como tropo ou símbolo. A radicalidade conceptual e poética dos seus textos só assim é percetível. Ler literalmente os seus textos não é incompatível com o reconhecimento de um papel decisivo da «imaginação», se o que neles se exprime for, como é o caso, um adquirido cognitivo, uma intuição metafísica do autor. O objeto destas intuições, inesperadas e de uma audácia inigualada por qualquer contemporâneo, é cosmológico e poético. Por exaltante que seja para o leitor, o belo de que é expresso é a beleza de um conteúdo belo, o seu modo de existir, a sua forma de expressão».[3]
Qual seja este conteúdo, parece o ensaísta dizê-lo logo depois, de modo sintético e terminante: «Pascoaes é precisamente um gnóstico. O seu sistema é rigoroso, nada heteróclito. Se considerado de um ponto de vista normativo, o sistema, tal como neste capítulo o descrevo, é um compêndio de heresias»[4]. Importa, contudo, precisar que um tal sistema, na visão do autor, parece emergir exclusivamente das cinco biografias por Pascoaes publicadas entre 1934 e 1945, em que se encontra «disperso»[5].
Pascoes é efectivamente um gnóstico. Nada que na Filosofia Portuguesa há muito se não saiba. Em apontamento de publicação póstuma, afirma António Telmo, discípulo directo e dilecto de Álvaro Ribeiro:
«A genealogia de Pascoaes é como se segue:
O Canto da Pérola dos Actos de Tomé gerou Prisciliano, este gerou Dinis e Isabel e as festas do Espírito Santo, Dinis e Isabel geraram Luís de Camões e a sua Ilha, Luís de Camões gerou Sampaio Bruno e os Cavaleiros do Amor, Teixeira de Pascoaes é um deles.»[6]
Helder Macedo, universitário insuspeito de vinculação, ou sequer proximidade, ao movimento da Filosofia Portuguesa, teve o mérito sage de não dissociar a literatura de um Bernardim Ribeiro do esoterismo, o que lhe veio a propiciar a composição do notável ensaio Do significado oculto da Menina e Moça, de tão fecundo diálogo com os estudos de hermenêutica camonina, praticamente coevos, de António Telmo e Fiama Hasse Pais Brandão. Nesse estudo, e no contexto que é o seu, se declara, a dado passo, que «o Hino da Pérola deve ser visto como um modelo arquetipal do ensino gnóstico»[7]. Hino ou Canto, como Telmo de modo diverso traduz, são o mesmo relato, de que Macedo, decisivamente, lançou mão:
«A aproximação estilística entre a abertura do Hino da Pérola e da Menina e Moça já de si sugere a possibilidade de que a novela encerre um significado esotérico semelhante. Porque de que encerra algum significado esotérico não pode haver dúvidas: o próprio Bernardim o indica em vários comentários cuidadosamente integrados na tessitura da história.»[8]
O facto de António Telmo não haver mencionado Bernardim Ribeiro na genealogia de Pascoaes não significa, porém, que dela o tenha excluído: Camões é um marco suficientemente poderoso para nele, como num símbolo, se poder polarizar toda uma época. Mas o que aqui mais importa frisar é precisamente a tradição que, como transmissão e recepção de um conhecimento, se consubstancia na correspondente cadeia.
Na sua obra sobre A Corrente Idealístico-Gnóstica do Pensamento Português Contemporâneo – Antero, Pascoaes, Pessoa, Ângelo Alves considera sucessivamente o movimento da Renascença Portuguesa, o movimento da “Filosofia Portuguesa” e o Movimento Internacional Lusófono e a Nova Águia como os três momentos altos da corrente mencionada no título do livro. À semelhança do que sucederá no estudo de Feijó, o autor de Santo Agostinho foi ali objecto, se bem que em moldes diversos, de uma especial atenção, e ainda aqui a par de Pessoa (e de Antero).
A leitura de Ângelo Alves, sobre ter o mérito de relevar a cadeia tradicional que, a partir da Renascença Portuguesa, vincula os sucessivos movimentos contemporâneos nela inscritos, não lhe desconhece a antiguidade das suas raízes; e, por isso mesmo, o autor assinala, aborda e caracteriza sumariamente o esoterismo das inúmeras correntes gnósticas, ainda que dele naturalmente se distancie e divirja pelo prisma crítico da ortodoxia católica tradicional.
Um dos erros graves em que António M. Feijó incorre advém precisamente de desconhecer, não compreender ou recusar-se a aceitar que Teixeira de Pascoaes (e o movimento da Renascença Portuguesa em que o poeta pontificou), por um lado, e o movimento da Filosofia Portuguesa, por outro, se inscrevem orgânica e essencialmente numa mesma cadeia tradicional, de que constituem sucessivos elos solidários. A tradicionalidade dessa cadeia está referida a um conhecimento ou a uma sabedoria que se constitui como objecto da tradição (no sentido forte acima proposto), em que avultam, e porventura predominam, referentes matricialmente gnósticos, pese embora o corpus transmitido neles se não deva considerar esgotado. Vale a pena considerar o seguinte excerto do livro de Ângelo Alves:
«A corrente filosófica dos “metafísicos heterodoxos” da contemporaneidade portuguesa, que qualificámos de idealístico-gnóstica, não se constitui como tal, nem é partilhada em continuidade, senão a partir de 1912, com a fundação do movimento da Renascença Portuguesa. Aí se acumulam as afinidades com o passado, os ideais e propósitos comuns. A sua identificação e auto-reconhecimento acontecem apenas a quando da discussão acerca do problema da “Filosofia Portuguesa”, levantado por Álvaro Ribeiro e pelos discípulos de Leonardo Coimbra da primeira e da segunda geração. Por eles são identificados, como precursores, Antero de Quental e Amorim Viana; como fundador, Sampaio Bruno; como mestres, Leonardo Coimbra, Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes, Teixeira Rego: todos ligados à cidade do Porto, física ou culturalmente, dando origem à posterior denominação de “Escola Portuense”, constituída por eles e pelos continuadores, já assinalados, do segundo e do terceiro momento alto da sua história.»[9]
Na recensão que na revista Suroeste dedicou a Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes), António Cândido Franco pôde muito justamente observar que o seu autor nunca leu Álvaro Ribeiro, pois o filósofo de A Razão Animada pouca atenção prestou a Teixeira de Pascoaes e seria grave dá-lo como discípulo deste, ao passo que José Marinho, «esse, sim, dedicou-lhe muita leitura, mas sem “capturar”, sem se fazer servil, e sempre acima de debilidades»[10]. É deveras certeiro o modo como Cândido Franco mostra e demonstra o «erro de juízo» do ensaísta. Note-se, aliás, na sua senda, que para a geração dos discípulos de Álvaro e de Marinho, Pascoaes, sendo um poeta e um filósofo admirado e amado, não constitui propriamente uma referência obsidiante. António Telmo elegeu Camões como o poeta de eleição da sua hermenêutica e António Quadros concentrou maiormente a sua atenção em Fernando Pessoa, enquanto Afonso Botelho, Pinharanda Gomes (em colaboração com Dalila Pereira da Costa) e António Braz Teixeira, posto que à Saudade hajam dedicado notáveis estudos, não consagraram de modo autónomo qualquer monografia à vida, à obra e ao pensamento do vate do Marão – à semelhança de um Orlando Vitorino.
Sendo exacto, como António Cândido Franco aduz, que Álvaro Ribeiro pouca atenção (entenda-se: no que deixou escrito) prestou a Teixeira de Pascoaes (por comparação, notadamente, com as páginas mais copiosas que dedicou a Bruno ou a Leonardo), deve-se, todavia, sublinhar que o filósofo, em poucas linhas, declarou com uma enorme lucidez o que de mais essencial e mais importante haveria a dizer:
«À Tradição chamou Teixeira de Pascoaes Saudade, e nessa alegorização ou mitificação foi o poeta extremamente feliz. Não só porque encontrou uma palavra inconfundível e intraduzível. Mas também porque a tradição, entre nós, não persiste com aquela modalidade didáctica ou eminente que surpreendemos na vida de outros povos, porque se dilui em doutrina esquecida ou perdida, em doutrina remota. Isto explica, aliás, que o Génio Português não se actualize positivamente, não se patenteie, não afirme a sua superioridade na constância de uma vitória que confunda e derrote os descrentes. A saudade é uma tradição, mas uma tradição sem fórmulas que a fixem e transmitam, uma tradição sempre difícil de surpreender e de reconstituir.»[11]
Nesta concepção de Álvaro Ribeiro, em que, de algum modo, parecem justamente emergir a identificação e o auto-reconhecimento da denominada corrente idealístico-gnóstica, divisados por Ângelo Alves no seio da Filosofia Portuguesa, a Saudade de Pascoaes surge como um momento inscrito num iter, inserido num movimento, sendo o todo – a Tradição – evidentemente maior do que a parte – a Saudade, tomada como expressão alegórica ou mitificante dessa mesma Tradição. Nada de mais distante da concepção hipertrófica vertida em Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes), que, pelo menos em parte, parece fazer depender a doutrinação dos homens da Filosofia Portuguesa de uma suposta cartilha saudosista pascoalina. Álvaro Ribeiro sabia bem que fora em Sampaio Bruno que Pascoaes haurira a sua filosofia da Saudade – o que António Telmo pôde demonstrar nalguns lugares da sua obra[12] – e que ambos se vinculavam, de um certo ponto de vista (como, de resto, Fernando Pessoa), a uma orientação martinezista ou martinista (isto é, derivada do ensino de Pascoal Martins) [13], o que aliás, ainda e sempre, nos remete para o vasto domínio multímodo do gnosticismo. A Tradição, primordialmente, é uma e é una; mas diversifica-se em ramificações passíveis de adquirirem particulares conotações, de índole nacional ou supra-nacional, consoante as formas tradicionais que em concreto prevaleçam, de um prisma diacrónico, em determinado espaço ou em dada comunidade. A este respeito, deve desde já notar-se que o gnosticismo peculiar da tradição portuguesa é um gnosticismo mitigado, inconformado com a irredimível malignidade da matéria e muito próximo do primitivo judeu-cristianismo ebionita e elcasaíta (a doutrina da cristo-angelologia e do Verus Propheta, que ressoa nitidamente no priscilianismo e no martinismo, será o corolário surpreendente de um livro já tão tardio e definitivo como seja A Literatura de José Régio, de Álvaro Ribeiro) e, por esta via, da Kabbalah hebraica e do sufismo de matriz persa, para aqui se fazer convergir as três tradições – a rabínica, a patrística e a corânica – que na visão alvarina confluem na formação da filosofia portuguesa. Uma tal confluência, pressupondo a harmonia efectiva e perene de três exoterismos religiosos, não pode deixar de fazer apelo a uma tradição esotérica e iniciática, único plano em que os aparentes antagonismos dos credos e dos cultos se resolvem na superior unidade do Princípio, conforme o ensino de um André Benzimra[14].
Feijó parece crer que Pascoaes é um gnóstico de geração espontânea ou que se limitou a colher nos livros o correspondente saber. Nada de mais errado, como muito bem sabe quem não ignora o que aqui esteja em causa. O gnosticismo não se confunde com a mística, domínio da passividade e do isolamento: é um esoterismo e uma iniciação, o que pressupõe a transmissão de um conhecimento e, o que é mais, de uma influência espiritual, no seio de uma organização tradicional regular. Pascoaes, como se viu, tem uma genealogia, algo que, nas palavras de René Guénon, cuja lição venho seguindo, o místico não tem, dele, sim, se podendo então dizer «que só por uma espécie de geração espontânea é o que é»[15].
Nesta inconsideração do esoterismo radicam outros erros, como seja, antes de mais, a propugnada leitura literal do corpus pascoalino, não dissolvido na interpretação, como tropo ou símbolo. Estamos perante uma evidente impossibilidade gnoseológica.
Os escritos de Pascoaes em que Feijó descobre o seu gnosticismo, pois que sejam textos de um gnóstico, sê-lo-ão igualmente os de um iniciado. Revelam, isto é, expressam exotericamente uma experiência, que mostram e voltam a ocultar. Re-velam, pois. Se, ao referir-se aos textos exotéricos de Pascoaes (com o que possivelmente deseja designar os títulos do ciclo textual cumprido com a campanha saudosista), o autor pretende inculcar a ideia de que o vate escreveu outrossim textos esotéricos, volta a dar mostras de não fazer a mais pequena ideia daquilo sobre que escreve. A lição é agora de António Telmo:
«Esotérico é relativo a exotérico. Não são opostos, como vulgarmente se entende. Estão assim como o interior em relação ao exterior, pois só há exterior por haver interior e só há interior por haver exterior. Exterior não é, porém, o mesmo que exotérico; só é exotérico aquele exterior em que vive o interior e dele recebe a forma. Ou, por outras palavras, só é exotérico o exterior enquanto nele se revela o esotérico. Consiste a revelação em, mostrando, ocultar de novo. Não se deve dizer, pois, que Shakespeare ou Camões escreveram livros esotéricos.»[16]
Está bem de ver que esta ocultação na expressão, mais do que de uma necessidade de preservação do iniciado (face a perseguições) ou da doutrina que expressa (perante o perigo da sua desfiguração pelos profanos), resulta da própria natureza das coisas[17]. A iniciação é a experiência de um mustérion (mistério), e esta palavra, tal como a palavra muthus (mito), deriva da raiz grega mu, que se reencontra no latim em mutus (mudo) e que representa a boca fechada e, por extensão, o silêncio. Este parentesco, esta familiaridade, explicam que o relato mítico, pleno de simbolismo, seja o veículo do mistério, a própria linguagem da iniciação. Sendo o mistério, de seu natural, e no seu sentido mais profundo, o inexprimível, aquilo que só em silêncio pode ser contemplado, ou seja, o incomunicável – pelo menos directamente e pela linguagem vulgar –, «uma das funções gerais do simbolismo é efectivamente a de sugerir o inexprimível, de o fazer pressentir, ou melhor, «assentir», pelas transposições que permite fazer de uma ordem para a outra, do inferior para o superior, do que é mais imediatamente alcançável para aquilo que só mais dificilmente o seja; e tal é precisamente o destino primeiro dos mitos»[18].
A quimera lógica veiculada em Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes) está em se proclamar a literalidade da leitura dos textos pascoalinos, procurando em simultâneo compatibilizá-la com o reconhecimento de um papel decisivo da «imaginação», se o que neles se exprime for, como é o caso, um adquirido cognitivo, uma intuição metafísica do autor. Na verdade, a interposição da imagem – a mediação reveladora que por ela se opera – é eminentemente simbólica daquela intuição metafísica. O que é intuído, só o é porque é imaginado, na medida em que o é e pelo modo como o é.
A este respeito, a desocultação pioneira que Pedro Sinde empreendeu da poesia pascoalina em O Velho da Montanha – A Doutrina Iniciática de Teixeira de Pascoaes, perscrutando nos seus versos a sintomatologia do mundus imaginalis, a partir dos ensinamentos de um Henry Corbin sobre a imaginação criadora, mormente na tradição islâmica, e na esteira do que António Telmo já fizera com Camões, oferece formal desmentido ao paralogismo há pouco identificado, na medida em que a reconduz de modo inelutável ao domínio do hermetismo, para a aproximar da tradição martinezista, pelo diálogo quase a final encetado entre o Regresso ao Paraíso e o Tratado da Reintegração dos Seres de Pascoal Martins[19].
Ao contrário do que António M. Feijó afirma, as intuições pascoalinas, posto que sejam um caso raro, desde logo no plano da expressão literária, nada terão de inesperado do ponto de vista de uma ciência sagrada que o autor, manifestamente, ignora ou desconsidera, o que não deixa de ser espantoso em quem pretende reconstituir numa vintena de páginas um sistema de pensamento gnóstico haurido em muitas centenas de laudas. Já o aparente receio que o leva a colocar entre aspas – como quem duvida ou hesita – a palavra imaginação, sendo coerente com a recusa da leitura simbólica dos textos de Pascoaes que propugna, não deixará de constituir, da sua parte, uma concessão, porventura indesejada, à natureza das coisas.
No fundo, está aqui em causa a partilha, pelo ensaísta, daquele «critério cheio de severidade para com todas as formas de imaginação que se apresentam, nos poetas e nos prosadores, com a finalidade secreta ou patente de dizerem o mistério»[20] que Telmo considerava ser comum a António de Oliveira Salazar e a António Sérgio. Em pleno século XXI, a anquilose positivista continua a fazer o seu curso na nossa cultura…
II. Nessa sua monumental obra de referência que é O Pensamento Português Contemporâneo – 1890-2010: O Labirinto da Razão e a Fome de Deus, escreve Miguel Real: «Não interessa quantas pessoas estiveram no funeral de António Telmo, desde que as presentes o tivessem lido e, mesmo não aceitando e até contraditando a sua teoria, tivessem consciência do valor da sua obra»[21]. São palavras que exemplarmente definem quem firmou como um aristocrata do espírito.
Entre nós, além de ser um dos grandes romancistas do seu tempo, Miguel Real revela-se também um pensador singular, tanto pela valia inquestionável de uma obra ensaística original que marca com argúcia, audácia e acutilância a actualidade do panorama mental português, como pela gesta propedêutica e didáctica que o escritor vem amorosamente dedicando à cultura filosófica, literária e artística da sua Pátria.
É admirável o modo como o faz. A erudição prodigiosa de que sobriamente se prevalece concorre com a maior honestidade intelectual. A limpidez que tem no olhar faz com que nunca perca a capacidade de admirar, reconhecendo e exaltando o que no outro – ainda que por caminhos diversos dos seus – é novo e – ou – valoroso, devendo aqui ser lembrado o muito que as gerações novas lhe devem. Mesmo quando dissente, denuncia ou refuta, é seu o exemplo de uma elegância séria e serena, feita de civismo e cordial civilidade.
Há nele uma permanente disponibilidade para aquela entrega generosa que é própria dos grandes missionários da cultura. Mas Miguel Real é sobretudo um homem bom: dele são a coragem, o coração, a compreensão.
Gostaria aqui, todavia, de lhe realçar uma outra virtude invulgar: a da imparcialidade. Dela ouvi um dia dizer a António Telmo ser qualidade imprescindível a quem queira prosseguir na vocação de pensar.
Quanto lhe deve a Filosofia Portuguesa avalia-se, antes de mais, pelo modo isento, objectivo e esclarecedor como n’O Pensamento Português Contemporâneo – 1890-2010 soube apresentar a obra e o pensamento de Álvaro Ribeiro, de quem, como «um livro-charneira no pensamento português do século XX»[22], irá encarecer essa obra seminal que é O Problema da Filosofia Portuguesa. Nela aliás entrevê uma «espécie de corolário necessário» da corrente espiritualista em que se inscrevem Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra, «três pensadores portugueses portuenses dos inícios do século XX» exercendo «manifesta influência» na obra de «pensamento original»[23] do autor de Apologia e Filosofia: Pascoaes ao enfatizar a especificidade essencial da vinculação inerente à tradição portuguesa e o necessário comércio da filosofia com a filologia; Bruno ao considerar a união substancial entre a filosofia e a teologia; e Leonardo pela assunção de um espiritualismo metafísico de pendor humanista e cristão.
Não se trata aqui, porém, segundo o nosso autor, de influências «de conteúdo, mas de espírito ou de atitude»[24]. Estamos já muito longe da visão assaz ligeira de um António M. Feijó. Miguel Real sabe do que fala: pressupõe a existência de uma cadeia tradicional que não começa em Pascoaes nem termina em Álvaro Ribeiro; e, porque a todos leu, reconhece em cada um dos seus elos aquela originalidade única e irrepetível que a comum origem dos pensadores nunca chega a prejudicar.
Miguel Real não ilude o confronto entre o movimento da Filosofia Portuguesa e a corrente dos pensadores racionalistas em que, aliás de modo muito variado, se inscrevem nomes como António Sérgio, Eduardo Lourenço ou Boaventura Sousa Santos. Sendo conhecida a importância de que para si se reveste, aliás em termos de decisiva influência, o segundo destes autores[25], não deixa de ser admirável – para alguns, porventura, mesmo surpreendente – o desassombro desenvolto com que n’O Pensamento Português Contemporâneo aponta, em termos manifestamente críticos, «o exagero extremista» – e «fulgurante» – com que Lourenço visou Álvaro Ribeiro[26]. São as páginas, aliás equívocas, de O Labrinto da Saudade, que Miguel Real traz à colação, ali onde se menciona Álvaro como o «“guru”» da «“seita”» da Filosofia Portuguesa, grupo cujo pensamento surge referido a uma espécie de motor da «“ideologia cultural de um fascismo lusitano”»[27]. Devo esclarecer que, diferentemente de Miguel Real, não estou seguro de que Eduardo Lourenço tenha realmente pensado isto de Álvaro Ribeiro. Quero dizer, por exemplo, que não sei se entre os olhos dos muitos aos quais a filosofia portuguesa passou por ser essa tal ideologia cultural de um fascismo lusitano[28] se encontravam os do próprio Lourenço, pois que este, quando não padecia, ele próprio, pelo efeito-ricochete de um irónico boomerang, do «estilo peremptório»[29] que atribuiu a Álvaro Ribeiro, ou do «estilo provocatório»[30] por si vislumbrado no Jornal 57, parecia, não raro, mostrar-se exímio em dizer algo ou talvez, afinal, o seu contrário, numa deriva hesitante que quase se diria ser o preço a pagar pela superior expressão literária com que o prosador ensaísta fascinava muitos dos seus leitores, se não houvéssemos de suspeitar que se encontra ainda por fazer a psicanálise mítica da obra de Eduardo Lourenço[31], em que se pressente a expressão, aliás complexa, de um marranismo cultural, e a este respeito talvez valesse a pena começar por escrutinar quanto nos deixou escrito sobre Pascoaes e Pessoa.
Como quer que seja, tem Miguel Real, na defesa que faz da obra alvarina, o mérito inestimável de desenganar ou desencantar quantos, por desencontradas razões – à esquerda ou à direita da cruz, nas palavras de António Telmo –, ansiariam vislumbrar em Álvaro Ribeiro o teórico de serviço do Estado Novo, «como se tivesse sido um “Salazar” da filosofia»[32]. De resto, bastará a leitura de A Filosofia Política de Álvaro Ribeiro, de Elísio Gala, que o nosso autor não deixou de considerar, para se compreender, com rigorosa lucidez, o que está realmente em causa[33].
O nacionalismo alvarino, como Miguel Real bem demonstra n’O Pensamento Português Contemporâneo, é histórico e filosófico, com o que participa do seu Zeitgeist, mas não é político, e daí que seja «de uma forte injustiça operar uma ligação directa (e mecânica) entre nacionalismo político português entre as décadas de 1930 a 1950 e a obra deste pensador»[34]. E o autor aponta com decisiva argúcia uma sólida evidência: um livro tão focado na Universidade como O Problema da Filosofia Portuguesa (escrito e publicado, acrescentarei eu, no apogeu do Estado Novo) não faz «a apologia das novas instituições escolares e da nova filosofia de ensino de Oliveira Salazar»[35]. Pelo contrário, faz «A Crítica ao Existente», que é o título, revelador e bem significativo, de um dos seus capítulos. Atitude pioneira e exemplar, irá aliás encontrar, logo na década seguinte, um eco prolongado e contundente na acção discipular da primeira geração da Filosofia Portuguesa: em 1955, publica Afonso Botelho, sob a égide da Cidade Nova, o livro O Drama do Universitário; e no ano imediatamente subsequente será a vez de António Quadros dar à estampa, com a mesma chancela, A Angústia do Nosso Tempo e a Crise da Universidade. Sintomaticamente, também os quatro primeiros escritos de imprensa de natureza teorética de António Telmo (um em A Semana, em 1952; os outros três em A Bem da Língua Portuguesa, em 1953)[36] constituem, do ponto de vista do jovem filósofo estudante de Filologia Clássica, uma crítica judiciosa ao ensino universitário, dominado por uma mentalidade positivista[37].
Nem poderia ser de outro modo. A dispensa de uma tão grande atenção ao ensino universitário será a consequência congruente do labor de uma escola de pensamento que da filosofia deduz a educação para, só depois, desta deduzir a política.
Também o pensamento religioso de Álvaro Ribeiro recebe da análise de Miguel Real as precisões necessárias para que se o possa preservar de indesejáveis confusões. O «apelo» que lhe corresponde é «eminentemente ideológico e filosófico, encontra-se totalmente divorciado de pretensões eclesiásticas ou de divulgação evangélica, bem como de apologia doutrinária da velha escolástica senão quando esta, pelas suas obras, contribuiu para o núcleo fundante da identidade cultural portuguesa»[38]. Fazendo notar a «antropologia de forte vínculo cristão»[39] que ressuma de A Razão Animada de Álvaro Ribeiro, e a sua tentativa de recriação do aristotelismo, que fora a tradição filosófica portuguesa até ao consulado de Pombal, Miguel Real vê-as, porém, vinculadas «a um espiritualismo cristão não eclesiástico, mas de evidente teor pascoalino, brunino e leonardino»[40]. Poderia ter também concluído: de fundo martinezista – pois nem mesmo o criacionismo leonardino se mostra imune aos ensinamentos de Pascoal Martins, conforme a penetrante leitura de António Telmo[41].
Como quer que seja, não deixa Miguel Real de primar pela exacção quando assina à antropologia alvarina uma «visão cristã (não ortodoxa e muito menos eclesiástica) do mundo»[42]. Este duplo afastamento da Igreja Católica e da sua ortodoxia será afinal uma herança coerente com a cristo-angelologia ebionita que define matricialmente o pensamento de Álvaro Ribeiro, e de que o martinismo terá constituído oportuna expressão actualista em pleno século das Luzes.
Um pensamento filosófico tão secretamente singular e profundo como o de Álvaro Ribeiro não poderá deixar de estar votado, no seu tempo como no nosso, à incompreensão da maioria: «acusaram-no de reaccionário, escolástico e ultramontano e assim, o sangue e os nervos presentes na sua obra escrita (…) nunca foram verdadeiramente entendidos, como é habitual em Portugal, falando-se de mais e lendo-se de menos»[43]. Não parece que nada disto, na verdade, tenha mudado. E daí a justa preocupação que Miguel Real revela ao cair do pano sobre o subcapítulo que n’O Pensamento Português Contemporâneo dedicou ao filósofo de A Razão Animada:
«Entretanto, Portugal evoluiu política e historicamente no exacto sentido oposto ao evidenciado pela obra de Álvaro Ribeiro e receamos que o pensamento português do século XXI, recalcando a vertente nacionalista e conservadora do seu passado recente, recalque igualmente a obra de Álvaro Ribeiro, uma das mais originais do século XX em que plenamente se consumou a “fome de Deus”.»[44]
III. A Morte de Portugal, obra emblemática de 2007, toca-nos por vários motivos, e o principal será porventura a sua beleza moral. Essa beleza envolve a justa revolta de Miguel Real diante de uma época crítica, sentimento que, em termos de pura indignação, o parece ter motivado à sua escrita. Livro dialógico e caleidoscópico, como quase sempre o são os ensaios do autor, é fascinante o modo como nele se polarizam oitocentos anos de História pátria em quatro complexos culturais por que Portugal se foi concebendo a si próprio. Talvez possam ser aproximados dos quatro ciclos históricos que António Telmo definiu na sua História Secreta de Portugal. Certo que a correspondência resulta imperfeita, pois a sobreposição não será integralmente exacta; mas, a partir do que os dois pensadores deduziram, cronológica e ideologicamente, não parece exagerado associar o ciclo heróico ou dos reis ao complexo viriatino; o ciclo do clero ao complexo vieirino; e o ciclo do povo ao complexo pombalino. O complexo canibalista, na visão de Real, dura há quatro séculos e, nesse sentido, antecede, em muito, o período da plebe divisado Telmo. Mas sintetizando este último período, desde a implantação da República até aos nossos dias, as formas degenerescentes da nobreza, do clero e do povo, é inegável que aquele complexo lhe assenta como uma luva.
A própria ideia de uma morte de Portugal está igualmente presente nessa sequela da História Secreta que é o Horóscopo de Portugal. Apraz-me notar esta convergência da imaginação dos dois autores, ainda que às imagens confluentes nem sempre corresponda uma mesma ideação. Pouco importa se o desígnio for afinal, como Agostinho da Silva desejaria, o de uma vida conversável.
Enunciando o complexo canibalista, denuncia justamente Miguel Real que «não temos feito história da cultura com o pensamento, mas com o sangue, sustentando-nos antropofagicamente do corpo do adversário»[45]. Em termos mais prosaicos, mas também mais explícitos: «Assim, mais do que filosófico ou reflexiva, a cultura portuguesa tem sido eminentemente ideológica, isto é, enformada ou desenvolvida por um sentido de Estado que lhe guia a orientação político-social, ora entronizando no poder uma(s) doutrina(s), ora excomungando a(s) doutrina(s) contrária(s)»[46].
Aos quatro complexos somam-se, n’A Morte do Portugal, os quatro vectores com que o filósofo caracteriza analiticamente o último século e meio da cultura portuguesa. Espiritualismo, providencialismo, racionalismo e modernismo, longe de serem compartimentos estanques, como aliás o comprova o facto de certos autores poderem ser incluídos, sincrónica ou diacronicamente, em mais do que uma destas vertentes (ocorrem-me, de imediato, os nomes de Agostinho da Silva e de Fernando Pessoa), deverão doravante procurar evoluir no sentido de um «convívio harmónico»[47]. Naquela que, sob qualquer prisma, será porventura a mais bela das laudas de A Morte de Portugal, escreve Miguel Real:
«No Portugal do século XXI, no Portugal europeu – desejado e sempre interrompido desde os tempos de Pedro Nunes, de Garcia da Horta, de Sá de Miranda, de Damião de Góis –, o Deus que nos habita é um Deus cuja casa tem muitas moradas, inúmeras moradas; neta casa de Deus, as portas e as janelas são mil e de cada uma todas espreitam a obra do vizinho, nela se inspirando para criar a sua própria obra sem que daí nasça a guerra de extermínio, como o fez durante mais de um quarto de milénio a Inquisição, como o fez durante trinta anos o Marquês de Pombal, como o fizeram liberais e republicanos durante cerca de um século perseguindo a Igreja Católica, e como o fez o Estado Novo a socialistas e comunistas. A casa das mil portas, mil janelas, mil escadas, mil andares, mil moradas, possui um único telhado que a todos abriga, feita da matéria mais resistente ao tempo, tão resistente ao tempo que, para os homens, se tornou consubstancial à eternidade divina, tornando-se igualmente o novo-velho rosto de Deus na Terra: a matéria da tolerância, noção e sentimento a que mais rigidamente os portugueses têm resistido.»[48]
Que Miguel Real leva muito a sério quanto pensa e escreve, realizando-o operativamente, demonstra-o de modo inequívoco O Pensamento Português Contemporâneo – 1890-2010: O Labirinto da Razão e a Fome de Deus, essa sua obra monumentalmente enciclopédica em que abre as mil portas da casa do Deus que nos habita a tantos outros autores, representativos das quatro vertentes que erguem a montanha da cultura portuguesa. Que de modo imparcial, empático e compreensivo envolva num abraço quantos, de Sampaio Bruno até aos nossos dias, honraram a Escola Portuense, não será apenas uma vitória para o movimento da Filosofia Portuguesa, mas é já o triunfo da própria filosofia, factor de eticidade.
Almoinha, Sesimbra,
às primeiras horas da Primavera de 2021.
[1] António M. Feijó, Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes), Lisboa, INCM, 2015, p. 79.
[2] Idem, ibidem.
[3] Idem, pp. 79-80.
[4] Idem, p. 80.
[5] Idem, ibidem. Esta proposição de um sistema gnóstico «rigoroso, nada heteróclito», disperso nas biografias de Pascoaes é assaz problemática. No estudo de António M. Feijó, nem uma só palavra se encontra sobre o resto da obra pascoalina, corporizada numa multidão de dezenas e dezenas de títulos, jamais renegados pelo poeta, com a única excepção das primícias de Embryões. Não que se escamoteie a enorme importância daqueles cincos livros no conjunto dessa obra, mas não nos podemos abstrair de outros tão marcantes como Marános, Regresso ao Paraíso, Verbo Escuro, Os Poetas Lusíadas ou O Homem Universal, este último uma súmula do seu pensamento, saída a lume já depois de São Paulo (ou seja, rigorosamente contemporânea das biografias), em que Pascoaes se declara um escritor herético para crentes e descrentes e até para ele mesmo… Esta heresia perante a heresia tanto pode conduzir a uma nova heresia como a um regresso, provisório e pontual que seja, à ortodoxia que a primitiva heresia, agora negada, viera postergar. Parece ser por isso, diante de uma passagem do São Jerónimo em que Pascoaes de alguma forma pressupõe ou assume dogmas basilares do cristianismo como o da Trindade e o da Encarnação, que Feijó afirma ser o sistema pascoalino «simultaneamente rígido e dialéctico», numa expressão manifestamente contraditória, pois o poeta não se limitou a considerar algumas proposições da ortodoxia cristã, mas fê-las suas, numa atitude que nada tem de rígida, e que assim introduz elementos heteróclitos no seu pretenso sistema rigoroso (Cf. António M. Feijó, Op. cit., p. 88).
[6] António Telmo, Capelas Imperfeitas – Dispersos e Inéditos, Sintra, Zéfiro, 1999, p. 34.
[7] Helder Macedo, Do Significado Oculto da Menina e Moça, Lisboa, Guimarães, 1999, p. 68.
[8] Idem, p. 63.
[9] Ângelo Alves, A Corrente Idealístico-Gnóstica do Pensamento Português Contemporâneo, s/l, Estratégias Criativas, 2010, p. 46.
[10] António Cândido Franco, “Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes) – António M. Feijó”, in Suroeste, n.º 6, Badajoz, 2016, p. 207.
[11] Álvaro Ribeiro, Dispersos e Inéditos – Vol. I (1921-1953), Lisboa, INCM, 2004, pp. 484-485.
[12] Cf. António Telmo, A Aventura Maçónica – Maçonaria, Kabbalah, Martinsimo & Quinto Império, Sintra, Zéfiro, 2014, p. 139-141.
[13] Cf. António Telmo, A Aventura Maçónica – Maçonaria, Kabbalah, Martinsimo & Quinto Império, pp. 125-128.
[14] Cf. André Benzimra, Contribution Maçonnique au Dialogue Entre Les Religions du Livre, Paris, Dervy, 2010.
[15] René Guénon, Aperçus Sur L’Initiation, Paris, Éditions Traditionnelles, 2000, p. 31.
[16] António Telmo, Viagem a Granada seguida de Poesia, Sintra, Zéfiro, 2016, p. 169.
[17] René Guénon, Aperçus Sur l’Ésotérisme Chrétien, Paris, Éditions Traditionnelles, 2002, pp. 61-62.
[18] René Guénon, Aperçus Sur L’Initiation, p. 124.
[19] Cf. Pedro Sinde, O Velho da Montanha – A Doutrina Iniciática de Teixeira de Pascoaes, Lisboa, Hugin, 2000, pp. 95-106.
[20] António Telmo, Luís de Camões e o Segredo d’Os Lusíadas seguido de Páginas Autobiográficas, Sintra, Zéfiro, 2015, pp. 61-62.
[21] Miguel Real, O Pensamento Português Contemporâneo – 1890-2010: O Labirinto da Razão e a Fome de Deus, Lisboa, INCM, 2011, p. 800.
[22] Idem, p. 446.
[23] Idem, p. 447.
[24] Idem, p. 448.
[25] Não deverá ser fruto do acaso que Eduardo Lourenço, a par de Agostinho da Silva, seja um dos dois filósofos portugueses seus contemporâneos a quem unicamente consagrou monografias autónomas, em que expõe e sintetiza os respectivos pensamentos no contexto panorâmico da cultura portuguesa.
[26] Miguel Real, Op. cit., p. 447.
[27] Idem, ibidem.
[28] Cf. Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade, Lisboa, Dom Quixote, 1992, p. 34.
[29] Idem, p. 34. Note-se, logo no capítulo inaugural de O Labirinto da Saudade, a emergência desse estilo peremptório em afirmações como esta: «Através de mitologias diversas, de historiadores ou poetas, esse acto [o surgimento de Portugal como Estado] sempre apareceu, e com razão, como da ordem do injustificável, do incrível, do milagroso ou num resumo de tudo isso, do providencial» (Idem, p. 18); ou como esta: «Nunca se meditou a sério em actos tão significativos como os da invenção de falsos documentos pelos monges de Alcobaça para provar a nossa existência legal no passado, assim como, já depois da ressurreição, no labor incrível dos nossos juristas para justificar o nosso direito a um lugar ao sol entre os povos livres» (Idem, pp. 22-23). Faço notar que esta minha observação se limita ao plano estilístico; mas dos sublinhados exemplares, e dos advérbios que assim se salientam, o leitor saberá tirar as devidas ilações. Sobretudo, com respeito à primeira citação, se tiver presente a lição de um Jaime Cortesão no volume intitulado Os Factores Democráticos na Formação de Portugal. Onde, porém, o modo terminante de certas asserções de Eduardo Lourenço melhor se evidencia será, talvez, na passagem sobre Camões e Os Lusíadas que um outro capítulo de O Labirinto da Saudade patenteia: «Mas seja qual for a interpretação ideológica de Camões, não é possível, para ninguém, separar o seu canto épico da apologia histórica de um povo enquanto vanguarda de uma Fé ameaçada na Europa do tempo e de um Império igualmente guarda-avançada da expressão comercial e guerreira do Ocidente. É essa «a matéria» textual e moral do Poema. Não tem outra e é absurdo fingir que possa tê-la» (Idem, p. 122).
[30] Idem, p. 34. Não será provocatório o exercício manifesto, mas nem por isso menos deprimente, da ironia por quem, como Eduardo Lourenço, se refere aos «iluminados seguidores (a começar pelo iniciador Álvaro Ribeiro)» (Idem, ibidem) do movimento da Filosofia Portuguesa? Esse mesmo Álvaro Ribeiro em cuja «pluma exotérica e brumosa» reconhece afinal, algumas linhas adiante, uma «organicidade potente» (Idem, p. 35)?
[31] Eduardo Lourenço tornou-se inquestionavelmente um mito cultural. Bastará ter presente os encómios, por vezes mirabolantes, que a imprensa portuguesa lhe destinou, antes e depois da sua morte (como esse do homem que ensina Portugal a pensar), e o unanimismo que ilegitimamente se pretendeu instituir em torno da sua figura e, porventura, do seu pensamento.
[32] Miguel Real, Op. cit., p. 453.
[33] Cf. Elísio Gala, A Filosofia Política de Álvaro Ribeiro, Lisboa, Fundação Lusíada, 1999.
[34] Miguel Real, Op. cit., p. 450.
[35] Idem, ibidem.
[36] Cf. António Telmo, História Oculta de Portugal precedida de No Meio do Caminho da Vida e Os Meus Prefácios, Sintra, Zéfiro, 2018, pp. 25-38.
[37] Convém a propósito recordar que A Fenomenologia do Mal, tese apresentada em 1951 por Orlando Vitorino às provas de licenciatura do curso de Ciências Históricas e Filosóficas da Faculdade de Letras de Lisboa foi reprovada por um júri composto por Vieira de Almeida, Délio Santos, Virgínia Rau e Mário de Albuquerque, tendo o seu autor sido excluído da licenciatura.
[38] Miguel Real, Op. cit., p. 450.
[39] Idem, p. 452.
[40] Idem, p. 453.
[41] António Telmo, “A Conversão”, in Leonardo Coimbra – Filósofo do Ideal e do Real, Lisboa, Instituto Amaro da Costa, 1985, pp. 203-209.
[42] Miguel Real, Op. cit., p. 460.
[43] Idem, p. 453.
[44] Idem, p. 462.
[45] Miguel Real, A Morte de Portugal, Porto, Campo das Letras, 2007, p. 16.
[46] Idem, p. 97.
[47] Idem, p. 113.
[48] Idem, pp. 100-101.