UNIVERSO TÉLMICO. 07

18-07-2014 00:25

Agostinho da Silva em Setúbal

António Mateus Vilhena

 

 

Exm.ª Senhora Representante da Governadora Civil de Setúbal;

Exm.º Senhor Vereador da Câmara Municipal de Setúbal;

Exm.ºs Colegas,

Estimados Alunos;

Meu Senhores e Minhas Senhoras;

 

Graças a uma iniciativa dos professores do 8.º grupo A e B da Escola Secundária de Bocage, desde a primeira hora acarinhada pela Câmara Municipal de Setúbal, sobretudo através do pelouro da Educação e do Serviço de Relações Públicas, os quais desenvolveram todos os esforços para que tal iniciativa viesse a concretizar-se, temos hoje o enorme prazer e a subida honra de receber, no Salão Nobre do Município da nossa cidade, o Prof. Dr. Agostinho da Silva, um dos mais fecundos e originais pensadores portugueses deste século, que proferirá uma conferência subordinada ao tema “Problemas da Cultura Portuguesa”.

Tratando-se de uma personalidade que, pela sua projecção na vida cívica e cultural do país, é de todos tão conhecida, não me alongarei na sua apresentação, deixando, por assim dizer, de parte quaisquer considerações acerca das traves mestras da sua obra, uma vez que, por um lado, não é meu intento fazer uma conferência e, por outro, espero que este encontro constitua mais um incentivo para que em Setúbal, nas Escolas e fora delas, se venha a reflectir cada vez mais sobre as cativantes linhas de força do seu pensamento.

Filólogo, poeta, ficcionista, crítico literário, investigador em áreas científicas, professor, filósofo e sobretudo homem atento aos problemas do homem do seu tempo, dele se poderia, com propriedade, afirmar, parafraseando o dramaturgo latino Terêncio: “É homem: nada do que é humano lhe é estranho”.

O Prof. Agostinho da Silva nasceu na cidade do Porto, em cuja Universidade se licenciou e doutorou em Filologia Clássica (1929). Costuma até dizer que aí fez “a licenciatura em liberdade e o doutoramento em raiva” (Dispersos, p. 52).

Após a obtenção do grau de Doutor, frequentou a Escola Normal Superior de Lisboa e foi bolseiro em França, na Sorbonne. De regresso a Portugal, em 1933, ano em que publicou a única tradução portuguesa moderna das Poesias do escritor latino Catulo, passou a exercer funções docentes no Liceu de Aveiro, vindo a ser demitido do cargo dois anos depois, por se ter recusado a assumir o compromisso de não vir a pertencer a qualquer associação secreta. Com a sua extraordinária capacidade para transpor obstáculos, não baixou os braços perante tal arbitrariedade e injustiça. “Obstáculo – disse uma vez – foi coisa que jamais me importou;  procurei sempre seguir nisto a lição dos rios: tirar a extensão e variedade de seu curso daquilo que se lhes opõe; ou das pedras: depende do que somos esbarrarmos nelas e nos queixarmos ou subir-lhes em cima e vermos mais longe” (Dispersos, p. 24).

Após residir algum tempo em Madrid, como bolseiro, voltou a Lisboa, onde viveu vários anos, de aulas no ensino particular e de explicações, e se relacionou profundamente com o grupo da “Seara Nova”.

Em 1944, “encontrando-se – como afirmou numa entrevista – em estado de cepticismo quanto ao futuro de Portugal, além de não saber bem como ganhar a vida” (Dispersos, p. 59), resolveu partir para o Brasil, país de que é cidadão, e aí permaneceu até 1969, empreendendo algumas deambulações pela América Latina e pelo Japão, Macau e Timor. Para atestar o extraordinário e multiforme labor desenvolvido pelo Mestre, nas suas queridas paragens sul-americanas, durante esse quarto de século, basta recordar que traduziu para português, prefaciando-os e anotando-os, textos capitais da literatura latina, como o Poema da Natureza, de Lucrécio, a Germânia, de Tácito, o Sonho de Cipião, de Cícero, uma antologia das comédias de Plauto e de Terêncio; realizou estudos no domínio da histologia, estes no Uruguai; efectuou pesquisas no campo da entomologia e da parasitologia; “seguiu no dia-a-dia – são afirmações suas – a criação da Universidade da Paraíba (…), a da Universidade de Santa Catarina, (…) a da Universidade de Brasília, (…) a da Universidade de Goiás; [acompanhou] com Jaime Cortesão, o surto do Departamento de Pesquisas Históricas do Itamarati; (…) com Jânio Quadros, o início das relações culturais com a África; com Jaime Cortesão ainda, Mário Nunes e Silva Bruno, a Exposição do Quarto Centenário de São Paulo” (Dispersos, pags. 23-24).

Foi director do Centro de Estudos Filológicos da Universidade de Santa Catarina; fundou o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade da Bahia, o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses da Universidade de Brasília; integrou o Centro de Estudos Ibéricos da Universidade de Mato Grosso e de Estudos Europeus na Universidade do Paraná. Ainda no mesmo período o Prof. Agostinho da Silva exerceu funções docentes em várias Universidades e publicou diversas obras que de seguida enumeramos.

Em 1953, aparece Herta, Teresinha, Joan, a sua única obra de ficção, que a maioria dos leitores desconhece existir e cuja 2.ª edição será lançada na próxima semana. No entanto, a Livraria Culsete, desta cidade, obteve das Edições Cotovia e da distribuidora Diglivro a amável autorização para hoje fazer um pré-lançamento do livro com que homenageia o insigne Mestre na sua vinda a Setúbal; em 1957 sai do prelo Reflexão à margem da literatura portuguesa, que um crítico definiu como uma verdadeira filosofia da nossa história; de 1959 data Um Fernando Pessoa, livro sedutor e polémico, que constitui um dos marcos essenciais da bibliografia pessoana; em 1960 é dada à estampa outra obra, As Aproximações.

A partir de 1969, o Prof. Agostinho da Silva passou a residir em Portugal, na qualidade de cidadão brasileiro.

Senhor de uma mundivivência plurifacetada, sempre atento ao evoluir quotidiano dos acontecimentos no nosso país e no mundo, continuou a reflectir e a escrever sobre a essência, o destino e a missão de Portugal e os problemas do nosso tempo; ao longo destes anos, sobretudo após o 25 de Abril, tem sido frequentemente solicitado a proferir conferências sobre os mais variados temas, assistindo-se sempre a um renovado e crescente interesse do público pelas suas ideias, tão originais e contagiantes, que foi expondo em ensaios como ”Fantasia Portuguesa para Orquestra de História e Futuro” (1982), “De como os Portugueses Retomaram a Ilha dos Amores” (1982), “Dez Notas sobre o Culto Popular do Espírito Santo” (1984), para já não falar do volume Carta Varia (1988).

Desde 1984, o Instituto de Cultura e Língua Portuguesa convidou o Prof. Agostinho da Silva para seu conselheiro, podendo, assim, usufruir de muitas sugestões ditadas pelo saber e a longa experiência do Mestre, profundo conhecedor, autêntico paladino e apóstolo da cultura luso-afro-brasileira.

Foi sob o patrocínio do ICALP que, no final do ano transacto, surgiu, com o título de Dispersos, um volume de textos esparsos e inéditos e de entrevistas, que pode considerar-se, na sua essência, uma suma das meditações do Mestre acerca do ser e da missão de Portugal no mundo. Portugal que é para ele, na esteira de Pessoa, “todo o território de língua portuguesa” (Dispersos, p. 127), em prol do qual decidiu, há meses, criar a Fundação Mensagem, “destinada a fazer que a terra, o mar e o céu (desse espaço português) possam ser objecto de pleno amor.”

Só então a nossa grande Raça – diria Pessoa – partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas “daquilo de que os sonhos são feitos.” (in A Nova Poesia Portuguesa).

 

Abril de 1989