NO PRÓXIMO SÁBADO, NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SESIMBRA, ÀS 15:00: ANTÓNIO TELMO E AGOSTINHO DA SILVA, ENTRE A ARRÁBIDA E A PISCOSA

01-05-2014 13:21

Aconteceu em Lisboa, no Grémio Literário, na alta-roda dos intelectuais; falava-se da Califórnia e dos portugueses que aí vivem, da América do Sul e do povo brasileiro. De repente alguém, que não é de Sesimbra, atirou esta frase que deixou estarrecidos nos seus lugares os quatro sesimbrenses que assistiam ao colóquio: Não é na Califórnia nem no Brasil que devemos situar o Centro do Mundo;é em Sesimbra! Se a frase tivesse saído da boca dum sesimbrense, vamos lá!, não seria muito bonito num ambiente daqueles, com todas aquelas cabeças pejadas de grandes temas e de grandes espaços intelectuais, que tudo vêem, entendem, e fazem entender os outros pela dimensão da Europa e do Mundo. Mas o que surpreende e nos deixa perplexos é ter ela sido proferida por alguém que apenas conhece Sesimbra como turista, de ter passado aqui e ter visto este mar, este castelo, estas casas, esta gente, esta vila, numa tarde de sol inexpressiva como todas as tardes de sol em que todas as pessoas fazem o mesmo por não serem capazes de fazer coisas diferentes.

António Telmo, in Sesimbra, o lugar onde se não morre

 

Na verdade, o messianismo português, cumprindo-se a nação no seu “papel de guia, de condutor do mundo, de moço de cego de todas essas nações que nada vêem”, é antes de mais um messianismo sesimbrense! É em Sesimbra que tudo deve renascer; e, depois, será de Sesimbra que o movimento, renascido, deverá, redivivo, irradiar. Por isso Agostinho tem, antes de mais, o cuidado de esclarecer que neste seu escrito se não dirige àquele Portugal, grande, enorme, do tamanho do mundo, onde ainda cabem o Brasil e gente de todas as raças, mas ao microcósmico Portugal sesimbrense, “ao Portugal que se concentra em Sesimbra, que em Sesimbra tem seu perfeito resumo com litoral de alcantil e praia, com seu castelo e seu porto, suas encostas e seus plainos, seus ocres e seus verdes, seu arreigamento no concreto e sua pronta partida para as nuvens, e que, dentro de Sesimbra, é ainda rijo núcleo em meus amigos de pesca ou pensamento, de mar ou alto, esses tais grandes em que o entusiasmo significa estar calmo e o cepticismo quer dizer, etimologicamente, não se cansar da busca”.

É, pois, consequentemente, neste particular Portugal, ou seja, em Sesimbra, que Agostinho crê que “devem surgir os primeiros núcleos em que o poder de criação que está oculto em Portugal desde o século XV desperte, ganhe forças e ajude a tirar Europa e América dos becos em que se meteram, os de se julgarem superiores, e ajude a tirar pretos, amarelos e vermelhos dos outros becos, os de se julgarem inferiores, em que a ciência volte a ser humana e de todos, como nas caravelas o foi”. 

Pedro Martins, in Agostinho da Silva em Sesimbra

 

Mas é preciso ir à procissão do Senhor Jesus das Chagas para reconhecer em Sesimbra o eixo religioso da região. O cortejo, com número muito significativo de fiéis, percorre quase em espiral as estreitas ruas da parte velha da vila durante mais de três horas. Nalgumas a enorme escultura quase nem cabe, mas lá vai passando e pisando o alecrim que as ornamenta como planta sagrada (a mesma com que os velhos de Alcabideche e da Caparica cobriram a primeira ermida do santuário da Pedra Mua), enquanto os devotos apanham e guardam ramitos da planta (que guardam como vestígios sagrados ou, quem sabe, relíquias). No Largo da Marinha benzem-se os barcos e os pescadores – e a água sacralizada, benta, é agente de um ritual antigo de acalmação do mar, dessa potência imensa que representa as forças do abismo (DS, 623) e era cultuada como Neptuno na zona do Outão. É preciso dominar as ameaças com a cruz dupla, na sua morte e na sua ressurreição.

O estranho é que há muito o cortejo não é só de sesimbrenses, mas de toda a região. As Chagas não se deslocam a outros santuários, mas em compensação, surpreendidos ou não, vemos na procissão das Chagas os círios/confrarias de outros locais de culto ancestral com os seus estandartes. Prestam vassalagem espiritual ao seu suserano, visível no símbolo duplo da morte e da vida. Vêm do Espichel (e, através dele, de todas as muitas terras que aí vão ou foram), das Pedreiras (cuja população venera a Senhora de El Carmen), do Senhor do Bonfim de Setúbal, da Atalaia.

Às Chagas, à sua madeira/lenho, à sua cruz da Quaresma e de Maio, da Paixão e da Invenção, da Dor e da Redenção (que é Ressurreição e Ascensão) – todos se rendem. Talvez porque Sesimbra e o seu vale sejam o eixo simbólico, arborescente, de todo o território arrábido – que vai de Memória a Memória, da Concepção à Cruz e à Eternização, do Inferior ao Superior ou Supremo.

Ruy Ventura, in O Eixo e a Árvore: notas sobre a sacralização do território arrábido

 

É já no próximo sábado que, numa parceria do projecto António Telmo. Vida e Obra com a Câmara Municipal de Sesimbra, começam as  TARDES TÉLMICAS 2014 , na proverbial Sala Polivalente da Biblioteca Municipal de Sesimbra, aquela onde António Telmo, primeiro director da instituição, proferiu a sua derradeira palestra. Um dia após a passagem do seu 87.º aniversário, o filósofo será evocado por António Carlos Carvalho, que também dará a conhecer aos presentes o projecto António Telmo. Vida e Obra

Depois, Miguel Real apresenta o livro Agostinho da Silva em Sesimbra, de Pedro Martins e António Reis Marques, que tem prefácio de António Cândido Franco e traz a chancela do Centro de Estudos Bocageanos; e Moisés Espírito Santo fará o mesmo com respeito a O Eixo e a Árvore: notas sobre a sacralização do território arrábido, que Ruy Ventura fez recentemente sair a lume na Apenas Livros.