MIGUEL REAL COMENTA «CABRAL E O NOVO ORIENTE», DISPERSO TÉLMICO DE 1968
(...) O Brasil, futuro por acaso ou não do passado do Oriente, por índios e bandeirantes confundido com uma grande ilha, a ilha do Paraíso e da Nova Luz, se é verdade a notícia de Jaime Cortesão, está, e aqui é que é surpreendente observar, exactamente em correspondência simétrica no continente americano com Portugal no continente europeu. A América Central representa, com esse misterioso México de toiros e rostos sombrios, o que os Pirenéus são, com bascos e catalães ritmando as marés da invasão europeia; no Norte, como já se disse, estão os Estados Unidos, assombrosa precipitação de tudo quanto forjaram ingleses, alemães e outros puritanos; em baixo, no Sul, está o Brasil, envolvido por povos de língua de língua castelhana, rosto virado para o Atlântico, como quem se volta para fazer o que não foi feito, invertendo o sentido da corrente. Assim, um e outro continente têm dentro de si os elementos dispostos da mesma maneira, o que a mim me parece outra vez o acaso a suscitar novas reflexões. (...)
António Telmo, in "Cabral e o novo Oriente"
Tesouro esquecido ou segredo bem guardado, "Cabral e o novo Oriente" é um marco fundamental na bibliografia de António Telmo, por constituir praticamente o único escrito que o filósofo deu à estampa durante os dois anos e meio em que esteve em Brasília, e pode ser aproximado das ainda inéditas "Páginas Ibero-Americanas", que este ano sairão enfim a lume no suplemento télmico da revista de cultura libertária A IDEIA. Originalmente publicado no n.º 27 da revista Panorama, de Setembro de 1968, "Cabral e o novo Oriente" será aqui aqui recuperado no próximo mês de Março, acompanhado pelo comentário de Miguel Real, membro do projecto António Telmo. Vida e Obra cuja obra, seja como filósofo, seja como ficcionista, dialoga manifestamente com os tropos e os temas do texto télmico.