INÉDITOS. 82
FRAGMENTO DE DIÁLOGO ENTRE X E Y[1]
X
Não sabemos nada. Ninguém sabe nada. Se alguém sabe, esse é como um deus: esconde-se e cala, de modo que fica tudo na mesma. Sim! Só Deus sabe e conhece, mas tudo se passa no Universo dos homens como se Ele não fosse.
Y
Parece ser o seu silêncio a condição da existência do mundo. Como poderia o Mundo suportar a sua visão? No entanto revela-se. Como poderia o mundo ser sem a sua revelação? É este mínimo que nos é dado, mas esse mínimo é tão real quanto a própria existência do Mundo. Mais nada nos resta fazer do que apreender os sinais de luz compossíveis com os nossos limites. Depois da morte, logo se verá.
X
Por que o havemos de saber depois da morte e não agora? Por que havemos mesmo de procurar saber? Vê aquela rapariga que passa! Observa como é harmoniosa a andar, como nos movimentos do seu corpo quebradiço se prenuncia o amor e a maternidade. Como ela, outras ondularam e ondularão no éter pela infinidade dos séculos e na onda luxuriosa da forma feminina sempre se repetiu o mesmo desejo. Nascem e morrem os seres. De onde vêm e para onde vão? Só sabemos que aparecem e desaparecem numa forma de vida. Esta é a única realidade, mas tão indiferente à nossa metafísica quanto o era antes.
Y
Se eu cometo o erro de imaginar um antes e um depois onde só nos é possível ver o nada e o vazio, tu não cais em menor engano ao julgares que só te importarás em saber depois de ter sabido. Precisas de ter a certeza do termo para ires à sua procura. Como não há para ti tal termo, ficas onde estás céptico e impassível. És como um homem que nunca tivesse visto nadar nem soubesse que nadar era possível e, por isso, nunca tentasse atravessar as águas. Só farás o que os outros tiverem feito ou tentarás fazê-lo. Estarás para sempre dependente dos gestos dos outros.
X
E o que é que tu propões em troca?
Y
Aprende-se a nadar nadando. O conhecimento só é dado no acto de conhecer. Como disse o poeta, “tudo o mais é com Deus”.
X
Há, porém, outro caminho. A partir do que já se sabe, procurar-se saber mais.
Y
Não dizias há pouco que ninguém sabe nada?
X
Falava de Deus. Sei, por exemplo, que a terra gira em volta do sol. E, como este, tenho outros conhecimentos reais e bem positivos.
António Telmo