INÉDITOS. 78

10-11-2018 15:27

SAMPAIO BRUNO

 

Na primeira metade do século XX, e num misterioso acordo com a implantação da República, a literatura portuguesa, (Brasil Mental)………………………., acorda para a verdadeira vida do Espírito e, pela primeira vez, à voz dos poetas pôde responder a palavra de uma filosofia consciente de si, que não permitiu que tudo se perdesse nas mornas cinzas da Cultura. Ninguém, hoje, nega o incomparável valor de Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e José Régio, mas há ainda quem queira fazer esquecer os nomes de Leonardo Coimbra, José Marinho e Álvaro Ribeiro. O pecado da filosofia portuguesa foi o de pensar e ser pensada à luz de uma nova ideia de Deus.

A teologia constituiu sempre um domínio que se tinha por intocável. As grandes alterações que, na Europa, sofreram a cosmologia e a antropologia tiveram alguma influência entre nós nos séculos XVIII e XIX, mas, em vez de levarem à formação de uma nova ideia de Deus, prepararam o materialismo ateu e o positivismo católico pelo poder prestigioso da Ciência. Propagandistas das teses científicas e apologetas dos dogmas religiosos defrontaram-se, de início, ferozmente; ajustaram, depois, um pacto de não-agressão; a teologia oficial cedeu, por fim, ao prestígio da Ciência, amoldando-se, modificando-se e degenerando.

Não foi uma nova ideia de Deus que se viu nascer, mas a velha ideia, obrigada a justificar-se perante a antropologia e a cosmologia modernas, deixou que se interpretasse a Revelação de Moisés e a Revelação de Cristo – a Criação do homem e do mundo e a Encarnação de Deus no homem e no mundo –, pelas noções científicas do evolucionismo darwinista, rapidamente fixado pela lei positivista dos três estados. Todos se entenderam no domínio do pensamento e o resultado deste entendimento teve, já nos nossos dias, a sua melhor expressão nos escritos do padre arqueólogo Teillard de Chardin.

Álvaro Ribeiro deu Sampaio Bruno como o fundador da filosofia portuguesa. Com efeito, sem ele não se teria produzido tal qual foi esse prodigioso movimento da Renascença Portuguesa, em que a Águia aparece a simbolizar “a República dos homens no reino de Deus”.

Mais claramente, no seu principal livro, estabelece, pela angelogia, a autonomia e a liberdade do pensamento. A Revelação não terá sido dada uma vez por todas, mas constitui um processo incessante, embora intermitente porque condicionado pela resistência da matéria que só lenta e laboriosamente, pelos sucessivos impulsos, vai recordando a sua origem no Espírito. Sampaio Bruno interpreta a palavra “génio” no sentido que os gregos davam a “daimon” e os persas a “anjo” e é o que lhe permite explicar os descobrimentos feitos pelos homens de génio na perspectiva de uma “demonologia” ou “angelogia” em que a existência de um mundo intermediário ou medianeiro entre a Matéria e o Espírito estabelece a tríade em que se dissolvem as várias espécies de dualismo e de monismo idealistas.

Se o poeta e o filósofo de génio são assistidos por um anjo pela acção de quem “a ideia explode na consciência” o indivíduo fica garantido no seu labor intelectual, sem ter que recorrer a uma autoridade exterior, desde que a observação e a experimentação venham confirmar a verdade dessa ideia. Sem a noção de um mundo intermediário ou caímos num monismo panteísta, como o de Espinosa, em que tudo é Deus, ou num dualismo, como o de Amorim Viana, em que o mundo é dado como Criação do Nada distinto do seu Criador e estabelecido como um sistema mecânico perfeito, cujas leis nem o seu próprio Criador poderá vir alterar.

         

António Telmo