INÉDITOS. 40
[António Telmo, aos seis anos, em Moçâmedes, Angola, entre os irmãos, Orlando, à esquerda do leitor, e Rui, à direita]
Primeiras memórias*
África, Moçâmedes:
4 anos. Roubei um leãozinho a uma senhora que o tinha estado a mostrar aos meus pais dentro de uma arca.
Corri com ele ao colo por uma rua movimentada, pela qual atingiria a minha casa. A dona do leão corria atrás de mim, gritando: “Menino, menino, dê cá o leão!” As pessoas tinham parado a ver o espectáculo. Sorriam. Esse sorriso ainda me acompanha hoje, a acompanhar-me divertido e amigo quando me vejo em situações análogas à do roubo do leão à senhora pela criança[1], seu verdadeiro dono por direito divino.
Almeida
Regressáramos de África. Vi passar o cadáver do meu avô, lembro-me do meu olhar: ver sem ver.
Outra lembrança:
Com outras crianças brincando nas muralhas. Estávamos juntos a olhar não sei o quê. De repente, um dos rapazinhos grita: “Vem ali a Senhora da Manta”. Fugimos apavorados. Eu de uma imagem informe e sombria, que, depois, toda a vida me tem perseguido e que eu tenho tentado dissolver atirando-lhe luz para cima.
António Telmo
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