INÉDITOS. 18

25-07-2014 09:24


Ensino e Cabala

 

A doutrina de Álvaro Ribeiro sobre educação e ensino funciona como uma alavanca que tem como ponto de apoio a puberdade. A educação é um movimento por iniciativa do adulto que tem por fim acompanhar e transformar o movimento natural do homem, da infância até ao termo da adolescência, numa viagem de pensamento e de conhecimento. Este movimento natural progride por fases, que transitam de umas para as outras por mutações subtis ou do corpo subtil, talvez de sete em sete anos, com sinais evidentes no comportamento biológico do ser humano. Álvaro Ribeiro procura pôr a iniciativa do movimento educativo de acordo com essas fases, renová-lo e alterá-lo no momento das mutações, de modo a fazer do ensino uma arte de imitação da natureza, não uma imitação servil, mas que espiritualize o movimento da alma incorporada, acompanhando-o e iluminando-o. A mutação crucial é a da puberdade. Inicia a fase da adolescência e é precedida pela puerícia, caracterizada nas Memórias de um Letrado como “idade mimética”. A adolescência será a idade poética, entendendo o adjectivo poética pelo étimo que originou a noção leonardina de “criacionismo”. A idade adulta ou “adultidade” é a idade política.

A criança é o ser que cresce. Álvaro Ribeiro censura, isto é, propõe a cesura desta palavra híbrida, responsável pelo ensino homossexual do homem e da mulher. O primeiro ensino é o materno. Sendo o infante o ser que não fala ainda, mas pode falar, a mulher, cuja missão é inconfundível com o destino animal, só completa a natividade quando acaba de formar no filho o corpo inteligente que sabe falar, isto é, quando anima esse corpo de sensação com o sopro da inteligência. O primeiro período vai até à segunda dentição, mutação brusca para novo alimento, termo de uma fase biológica durante a qual a alimentação não pôs ainda com suficiente clareza a distinção entre o subjectivo e o objectivo. É tal a ligação entre a mãe e o filho que dir-se-á que o ser humano, durante os primeiros sete ou cinco anos, se alimenta de si próprio. Prolongar a infância para além dos sete anos é conservar e manter um estado psíquico, uma concentração energética, de índole narcisística, em que o eu mal se distingue da natureza que o originou. Com a segunda dentição, a agressividade própria da infância muda de direcção e de intenção. É o momento que os legisladores têm escolhido para início da pedagogia do Estado. Álvaro Ribeiro prefere para a puerícia o termo de instrução ao de educação, porque, durante a idade mimética, convirá aperfeiçoar e fortalecer o intelecto passivo com estruturas mentais que mais sirvam ao intelecto activo de suporte para a criação espiritual. O ensino, nesta fase, deve ser mnemotécnico, mas as mnemónicas devem assentar sobre paradigmas matemáticos, aritméticos, geométricos e mecânicos – apresentando-os como sequências de palavras: o esquema da árvore da cabala, formado por pequenas ou parciais totalidades (três, seis, sete, dez, por exemplo) dará ordem e sentido ao mundo das percepções. A analogia entre as séries ou sequências será mais tarde desenvolvida e compreendida poeticamente, mas deve já presidir à sua composição: sete anos, sete dias da semana, sete vogais, sete planetas, etc.… O professor hábil e inspirado encontrará, a partir da analogia, as séries que convenham para sistematizar pela mnemónica a matéria e a forma da disciplina que lhe cabe ensinar.

É pela analogia que se estabelece a ligação da aritmética (estudo dos números), da geometria (estudo das figuras e dos sólidos) e da mecânica (estudo dos movimentos de motor externo) com o logos ou o verbo, interpretando pelo Trivium disciplinas que, mais tarde, se integrarão, de outro modo mais alto e mais profundo, no Quadrivium.

Até aos catorze anos, o rapaz e a rapariga, não distinguem o bem do mal. A sua imaginação, oscilando entre a contensão e o impulso, oscilação que reflecte a mecânica da explosão, tende para a associação mental indefinida. Álvaro Ribeiro adopta o ensinamento da Cabala, segundo o qual somente pelo acto sexual o homem e a mulher se podem purificar do mal. O mal é o narcisismo, a redução, cismática ou violenta, de toda a realidade ao próprio eu. Só pela sexualidade se estabelece a relação criativa com o outro. O outro tem de apresentar-se como o diferente, como aquele que vem do outro hemisfério. Só a relação sexual dá a garantia duma autêntica sociabilidade.

É de observar aqui a oposição do cabalista Álvaro Ribeiro à moderna orientação do ensino, que se esforça, através da sua programação e metodologia, por anular a consciência do próprio sexo no rapaz e na rapariga. Foram distribuídas recentemente aos professores estagiários do ensino preparatório e secundário planificações de sequências de aulas com o objectivo explícito de anular a diferença dos sexos. Tal estratégia é comandada por monitores suecos que doutrinam os funcionários, mais bem colocados para dirigir as operações do Ministério da Educação Nacional. Não surpreende que a doutrinação de Álvaro Ribeiro tenha até agora sido silenciada, ignorada, hostilizada, activamente por aqueles que pretendem fazê-lo passar por reacionário, passivamente por aqueles, mais chegados, que se negam a aceitar e reflectir o seu pensamento esotérico.

Com efeito, lê-se no Zohar:[1]

 

(…)

 

Álvaro Ribeiro responsabiliza o ensino neomaniqueu de manter na adolescência, na puerícia, e até na infância a maioria dos portugueses. Não é ironicamente que observa haver muito poucos que conseguem atingir a idade mental própria do adulto. Serão aqueles que se distinguem pelo favor da sorte, homens que Leonardo Coimbra classificava com o termo de extravagantes. No entanto, é impossível que não tenha existido, para esses, ao lado ou por detrás do ensino oficial, uma escola secreta ou esotérica, que lhes conferiu imunidade. O nosso filósofo acredita, porém, que a certa orientação do ensino levaria todos a atingirem a idade mental que, por direito natural, está ao alcance de todos os homens.

Com a puberdade, a instrução do intelecto passivo dá lugar à educação para o intelecto activo. Educar é agora ensinar a pensar, a criar pensamento, capaz de conhecer, pela sua progressiva adaptação às várias realidades ou planos significados na escala das sephiroth. O pensamento não deve ser subordinado ao conhecimento, mas sim orientado para o conhecimento. Será, em relação aos conhecimentos dados, a sua unificação activa, mas terá como enteléquia o movimento futurista para conhecimentos mais altos, ou mais profundos. O étimo da palavra “filosofia” indica o superior paradigma que deve guiar as relações do pensamento com o conhecimento.

Com isto, põe-se uma importante afirmação: é a de que só há ensino da filosofia. O modo mais astucioso de se ter [palavra ilegível] a negação desta afirmação foi a de limitar a filosofia ao ensino de uma disciplina. Alguma culpa têm também aqueles que dissociam as artes e as ciências da filosofia. Para Álvaro Ribeiro que a concebe como uma arte, a arte, por excelência, da palavra, ela procede por condução para a Cabala das várias direcções assumidas pela actividade do pensamento que procura o saber universal. Sendo assim, todo o ensino é compreendido como um movimento da filosofia. O programa de filosofia elaborado por Leonardo Coimbra para os liceus merece, por isso, todo o seu aplauso, na medida em que tem por suporte a hierarquia das ciências de Augusto Comte, mas recebe o seu reparo, porque nele se esquece a importância das disciplinas de letras constitutivas do Trivium.

A classificação das ciências de Augusto Comte, corrigida pela introdução da Psicologia (já proposta por Herbert Spencer), constitui, no seu movimento progressivo (matemáticas, física; química, biologia; psicologia e sociologia) uma escada de três graus compatível com o esquema da árvore sefirótica. O primeiro livro de Leonardo Coimbra, O Criacionismo, constitui-se, como Álvaro Ribeiro indica, sobre o suporte daquela classificação.

Os três pares estudam sucessiva e progressivamente os três planos que a analogia refere simultaneamente ao homem e ao cosmos: o plano dos corpos, o plano das almas e o plano dos espíritos. Álvaro Ribeiro, embora compreendendo como a sociologia está em Leonardo Coimbra referida à fraternidade universal dos espíritos, receia que a teologia a ela se reduza pela tríade Deus, Cristo, Igreja, própria do positivismo católico francês, parecendo acenar para um quarto plano que viesse completar o quadro das categorias, ou restabelecer a progressão por quatro vias, isto é – o Quadrivium.

A doutrina cabalista da incompletude do homem sem mulher tem uma larga aplicação na doutrina alvarina do ensino. Estamos em condições de aprofundar essa doutrina no leitor que queira estudar o capítulo deste livro sobre Aristóteles. Segundo o Zohar, ao ente humano masculino correspondem nove das sephiroth; o décimo é a mulher. A mulher corresponde a Malcuth ou, nos termos aristotélicos, ao domínio da paixão. Como a árvore é um todo, dir-se-á que a parte mais importante, aquela para a qual convergem todas as correntes, está separada. É o amor que desce de Yesod, onde a acção tem a sua base ou fundamento, a energia física, psíquica e espiritual que faz tender para a perfeição o ser humano.

Noutros termos. A mulher é o princípio de vida, que o espírito do homem solteiro está incapacitado de conhecer. A redenção tem por condição, depois do conhecimento do bem e do mal, o conhecimento da árvore da vida, por tal modo que os processos orgânicos de crescimento e de gestação possam ser compreendidos pela imaginação, cujo segredo mais íntimo só pelo amor pode começar a desvendar-se.

Álvaro Ribeiro propõe um ensino divergente durante a puerícia dos dois sexos, de sorte que a diferença de natureza e de potencial psíquico se traduza em formas distintas e provoque a atracção de um pelo outro, isto é, a consciência de uma incompletude ou imperfeição, não só no plano natural dominado pelo instinto, mas também no plano psíquico dominado pela actividade do pensamento e da palavra. É através do homem, e só através do homem, que a mulher pode ter notícia do espírito. Ela, diz Álvaro Ribeiro, se permanece solteira, é incapaz, só por si, de pensar o monoteísmo. A sua ideação é, por natureza, mitológica, no fascínio sentimental do facto, do feito e do feitiço, que se traduz religiosamente pela veneração das imagens representativas de santos ou de santas.

Convém não esquecer que o homem, no pleno sentido da palavra, é o composto do masculino e do feminino, que só pelo património e pelo matrimónio tende eficazmente para a sua realização. A dialéctica que opõe o homem à mulher como se ele não fosse somente nove décimos e ela um décimo e que ignora o significado qualitativo destes números, não quantitativo, procederá sempre como se opusesse um ser completo a outro ser completo, que não precisassem um do outro para se realizarem. Álvaro Ribeiro descreve demoradamente as consequências lamentáveis desta dialéctica, que só aumenta o sofrimento no mundo dos homens, e, por isso, confia no ensino, tal como se organizará um dia a partir dos princípios da Cabala para que seja a medicina que libertará a humanidade da adolescência dolorosa e infeliz.

Falámos de matrimónio e de património. Estes dois termos relativos entre si por um terceiro que é o filho ou constituído pelos filhos é costume empregá-los separadamente. É, no entanto, pela relação destas duas noções que se formará a noção de família. O múnus da mãe e o múnus do pai correspondem a dois númenes ou nómenos diferentes, embora complementares. É curioso que quando se fala de património se refiram os bens da família, mas que se entenda por matrimónio a união do marido e da mulher. Não é assim em Álvaro Ribeiro. Matrimónio é o que diz respeito à maternidade e património à paternidade. O segredo do matrimónio pertence à mulher, senhora do númen que lhe corresponde e que oculta dos próprios filhos e até do próprio marido. O adultério consiste em dizer a outro homem aquilo que, mais ou menos, o exponha. A família fica em perigo, porque, em geral, é com um homem solteiro que ela entra em confidências. Mas o património, entendido restritamente como a posse dos bens materiais, tem também o seu segredo.

O decagrama das sephiroth recebe, na Tradição, vários nomes. O mais divulgado é “árvore”. Há também “balança” e “homem”, e a ideia de “templo” está dada na referência a três colunas: a esquerda, a direita e a do meio.

Na imagem do “homem” a coluna do meio é a coluna vertebral. O homem é, assim, o próprio templo.

Dado que o homem integral está representado no decagrama, qual é a parte que significa a mulher?

Há várias perspectivas. Uma delas, a mais corrente, é a que identifica o feminino com Malcuth, a séfira separada que não entra numa relação triangular. Todas as sephiroth convergem para Malcuth, onde desaguam as águas através de Yesod, significativo como já sabemos do poder fecundante masculino. Em cada uma das colunas há três sephiroth; há também, acima de Malcuth, três tríades. Três sephirot x 3 colunas = 9 = três tríades. Assim, tudo se entrelaça e estrutura. O centro da estrutura novenária é Tiphereth, o nódulo da teia. A Coroa liga-se indirectamente com a sétima e oitava sephiroth. Yesod também indirectamente com a segunda e a terceira. A ligação estabelece-se através de Tiphereth. Tiphereth é também uma representação da Schekina.    

 

António Telmo

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Comentário

António Carlos Carvalho

No livro do Génesis (6, 16) encontramos a seguinte passagem: «Tu dotarás a arca de uma abertura luminosa». Arca, Têvah, também significa palavra – o que permite a seguinte leitura cabalística: «Tu dotarás cada palavra de uma abertura luminosa, a fim de que brilhe como um sol em pleno meio-dia.»

António Telmo fez esse exercício constantemente: ele, que sempre buscou a luz, iluminou as palavras de muitos textos, abrindo os nossos olhos para o sentido real do que estava escrito.

É precisamente o que vemos neste seu inédito, «Ensino e Cabala», em que mais uma vez se debruça sobre as palavras do seu mestre Álvaro Ribeiro. Professor e pedagogo, Telmo interpreta os ensinamentos do também pedagogo Álvaro Ribeiro, que via a educação como um movimento, «uma viagem do pensamento e do conhecimento», progredindo por fases que transitam de umas para outras por «mutações subtis ou do corpo subtil», de sete em sete anos. Esse movimento educativo deve ser feito de acordo com as mutações, a fim de que o ensino seja uma arte de imitação da natureza que «espiritualize o movimento da alma incorporada, acompanhando-o e iluminando-o».

E assim temos a puerícia (a idade mimética), a adolescência (idade poética) e depois a idade adulta ou idade política. O primeiro ensino é feito pela mãe, que só completa o acto de dar à luz quando «acaba de formar no filho o corpo inteligente que sabe falar», ou seja, quando «anima esse corpo de sensação com o sopro da inteligência». Uma fase que deve durar sete anos e não mais do que isso, sob pena de manter um estado psíquico de índole narcísica.

À puerícia convém o termo de instrução, porque na idade mimética é suposto aperfeiçoar e fortalecer o intelecto passivo com estruturas mentais que sejam adequadas ao intelecto activo como suporte para a criação espiritual. Nessa fase o ensino deve ser mnemotécnico, assente sobre paradigmas matemáticos apresentados como suportes de palavras: «o esquema da árvore da Cabala, formado por pequenas ou parciais totalidades (3, 6, 7, 10, por exemplo), dará ordem e sentido ao mundo das percepções» -- 7 anos, 7 dias da semana, 7 vogais, 7 planetas, etc.

(Encontramos aqui um eco da «Gramática Secreta da Língua Portuguesa». E logo a seguir o comentário de Telmo reflecte a leitura da «Carta sobre a Santidade», de Gikatila, leitura feita por Telmo mas não por Álvaro Ribeiro – o qual, no entanto, soube expor doutrina semelhante, como o próprio Telmo sublinhou na sua conferência de 1996, «A influência da Cabala em Portugal».)

Afirma Telmo: «Álvaro Ribeiro adopta o ensinamento da Cabala, segundo o qual somente pelo acto sexual o homem e a mulher se podem purificar do mal» (o mal que rapazes e raparigas até aos 14 anos não conseguem distinguir do bem). Esse mal é o narcisismo; logo, só pela sexualidade se estabelece a relação criativa com o outro, «só a relação sexual dá a garantia de uma autêntica sociabilidade».

Lembra Telmo que o «cabalista Álvaro Ribeiro» sempre foi um opositor da moderna orientação do ensino, que se esforça por anular a consciência do próprio sexo no rapaz e na rapariga. Daí que não seja surpreendente que a doutrinação de Álvaro Ribeiro tenha sido «silenciada, ignorada, hostilizada», «activamente por aqueles que pretendem fazê-lo passar por reaccionário, passivamente por aqueles, mais chegados, que se negam a aceitar e reflectir o seu pensamento esotérico».

Repare-se na tremenda acusação contida nesta segunda metade da frase: mesmo os mais próximos de Álvaro Ribeiro têm-se recusado a aceitar e a reflectir o seu pensamento mais profundo. Infelizmente (e incompreensivelmente), essa afirmação mantém toda a sua actualidade. Podemos mesmo acrescentar que Álvaro Ribeiro e António Telmo continuam a ser pensadores incómodos para muita gente, por vezes mesmo para os que invocam os seus nomes.

O comentário de Telmo prossegue com uma observação de Álvaro Ribeiro – graças ao efeito perverso do ensino oficial, muito poucos conseguem alcançar a idade mental que se deve esperar num adulto. A esses poucos, Leonardo Coimbra chama-lhes «extravagantes», mas Telmo afirma que a imunidade deles só se explica pela existência de uma «escola secreta ou esotérica».

E porque «educar é ensinar a pensar, a criar pensamento capaz de conhecer», percebemos o papel superior da filosofia. Álvaro Ribeiro concebia a filosofia como uma arte, a arte da palavra, por excelência. Ou seja, conduz para a Cabala as várias direcções que assume o pensamento em busca do saber universal. Logo, todo o ensino é compreendido como um movimento da filosofia, que não é uma «disciplina» escolar.

A partir daqui, e porque a redenção exige o conhecimento da Árvore da Vida, o comentário de Telmo remete para o esquema da Árvore Sefirótica ou das emanações divinas – um esquema também ele luminoso porque mostra como a criação e a formação do homem se fez (e faz) através da condução da palavra divina ao espírito e à consciência humana e ao próprio cosmos. Sempre sob o signo do 3 (3 graus ou planos dos corpos, das almas e dos espíritos, tal como – acrescentamos nós – 3 são as almas, 3 são os níveis no sonho de Jacob ou 3 são as etapas do estudo da Torah; se o 1 é o processo inicial, primário, e o 2 é o processo secundário, a elaboração, o 3 é a síntese integrada, com vista à sublimação).

Na Árvore, 3 tríades convergem para a décima Sefira (ou Safira, como Telmo preferia). Essa décima Sefira, Malcuth, a Mulher, é o «princípio da vida», que «o espírito do homem solteiro está incapaz de conhecer».

Telmo sublinha que a própria doutrina cabalista da incompletude do homem sem mulher (tal como é afirmado por Álvaro Ribeiro em «A Literatura de José Régio») tem ampla aplicação na doutrina do ensino exposta pelo seu mestre: a proposta de um ensino divergente durante a puerícia dos dois sexos, de tal modo que a diferença de natureza e do potencial psíquico se traduza em formas distintas e suscite a atracção mútua – a consciência de uma incompletude ou imperfeição igualmente mútua nos planos natural e psíquico. Daí que Álvaro Ribeiro colocasse toda a sua confiança na possibilidade de, um dia, o ensino, organizado a partir dos princípios da Cabala, fosse a cura que viesse a libertar a humanidade da adolescência «dolorosa e infeliz».

E Telmo termina o seu comentário com uma alusão significativa à Presença Divina.

 

Resumindo: estamos perante uma importante reflexão de Telmo sobre as ligações íntimas existentes no pensamento mais profundo de Álvaro Ribeiro entre o ensino e a Cabala – e que, aliás, serão desenvolvidas pelo próprio Telmo nas suas próprias obras (veja-se, por exemplo, «Filosofia e Kabbalah»). E, tal como Charles Mopsik -- estudioso destes temas muito apreciado por Telmo -- sublinhava que o «Zohar» é acima de tudo um livro de comentário sobre a Torah que adopta o modo, a língua e o tom das exgeses rabínicas do final da Antiguidade, também nós podemos dizer que António Telmo desempenhou esse mesmo papel: abriu as palavras de Álvaro Ribeiro para quem quiser ver.

 


[1] António Telmo não concretiza, no manuscrito, o trecho do Zohar que pretende citar.