EDITORIAL. 32

21-08-2024 00:00

Do tempo

1. Os amigos despediram-se de António Telmo num sábado, em 8 de Agosto de 2010, num almoço realizado no Vale do Infante, na Serra d’Ossa, entre o Redondo e Estremoz, lugares marcantes da sua vida. O filósofo deixar-nos-ia alguns dias depois, a 21 desse mesmo mês.

Ao assinalarmos hoje o transcurso de mais um ano sobre a data da sua partida, uma nota de tristeza acresce: a do passamento de João Tavares, amigo que, durante décadas, integrou o círculo de António Telmo. Foi também em Agosto, foi também num dia 8. Evocamo-lo hoje nesta página, noutra peça.

 

2. Uma das características mais marcantes da obra e do pensamento de António Telmo é a da lucidez. Uma lucidez que, de tão diáfana, parece vencer a barreira do tempo e aproximar-se de uma prognose quase profética. Pense-se na denúncia do infantilismo, por certo da maior acuidade num país que, como o nosso, se vai transformando num imenso parque de diversões, sendo Lisboa a capital dessa imensa Disneylândia, ou na antevisão de uma homogeneização que o movimento woke procura levar hoje até às últimas consequências. É, por isso, cada vez mais importante ler e reler António Telmo. Não se trata, para cada um de nós, de estar antes ou à frente do seu tempo, mas de simplesmente se ser o seu tempo, afrontando-o e questionando-o. Aliás, a melhor forma de se ser moderno.

 

3. Em Julho visitámos a Fundação António Quadros, em Rio Maior, onde Mafalda Ferro, inquebrantável guardiã de uma memória feita de nomes e gerações, e também membro do nosso Projecto, nos recebeu com amizade e lhano trato. Ali nos ofereceu as mais recentes edições de – e sobre – António Quadros: a segunda edição, revista e enriquecida de A Paixão de Fernando P, o romance inédito do filósofo, saído a lume em 2023; e António Quadros nos 100 anos do seu nascimento, com as actas do Congresso do centenário. E ali visitámos a magnífica exposição, patente na Biblioteca Municipal Dr. Laureano Santos, sobre os 60 anos da revista Espiral, que a Mafalda superiormente concebeu e ergueu. A mostra traz memórias várias, mas também, graças à investigação que lhe esteve subjacente, uma revelação surpreendente para própria história da filosofia portuguesa: depois do 25 de Abril de 1974, António Quadros ponderou relançar esta revista.

E a Espiral foi uma estação especialmente importante na obra de António Telmo. No número duplo 4/5 (Ano I, Inverno 1964-65, pp. 37-41) desta revista, no artigo “Da língua portuguesa”, o filósofo emprega pela primeira vez em letra de forma a expressão “razão poética”, cerne do seu pensamento. Percebe-se a importância que lhe atribuía por ter sido esse o único disperso, entre quantos publicou até à sua partida para Brasília em 1966, que posteriormente recolheu em livro. Encontra-se hoje em Filosofia e Kabbalah, que é também o seu livro axial, já traduzido em língua francesa.

 

4. Há um ano foi Miguel Real quem viu ser-lhe atribuído o Prémio Matriz Portuguesa – Cultura e Reconhecimento 2023. No mês passado, em Coimbra, António Cândido Franco recebeu o Grande Prémio de Literatura Biográfica Miguel Torga APE / Câmara Municipal de Coimbra 2023. No próximo dia 30 de Setembro Daniel Pires recebe na Biblioteca Nacional de Portugal essa mais do que justa distinção que será o Simpósio de Homenagem “Daniel Pires, Mestre dos Investigadores”. São três distintos membros do nosso Projecto. Aqui fica o nosso regozijo. E, se nos permitem, o nosso orgulho, também. Parabéns!!!