DOS LIVROS. 76
[Fazer versos naturais][1]
Fazer versos naturais
Que se possam conversar
Mas que escondam lá por dentro
O que não é p’ra contar.
Com doce cadência certa
Que fascine o pensamento
E dê som ao insonoro
E me adormeça por fora
E me desperte por dentro.
Cada palavra um sentido
Duas um casamento
Donde nasça o imprevisto
Como trazido num vento.
Donde nasça o nunca ouvido
Donde nasça o nunca visto.
E, porém, tão natural
Que, ao vê-lo, se ouça dizer
Que é coisa de trazer
Nesta vida tal e qual
Como se já se soubesse
Como se fosse o que havia
Dentro de aquele que lê
E se antes não o sabia
Acorda do que o adormece
E vê.
António Telmo
(Publicado em Viagem a Granada seguida de Poesia, 2016)
[1] Nota de Risoleta C. Pinto Pedro: Só por si, este poema inédito é uma arte poética e contém alguns importantes elementos da sua concepção de Poesia: o jogo entre o revelar e o ocultar, o ritmo encantatório mas despertador de uma consciência superior, a metáfora criando sentidos inesperados e operando no mistério, a simplicidade com que se revela a complexidade, o desconhecido que se mostra sem se desvendar.