DOS LIVROS. 66
Columbano Bordalo Pinheiro, O Velho do Restelo
Museu Militar de Lisboa
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O Velho do Restelo
Este velho «de aspecto venerando», «com um saber só de experiências feito» que segue e possui uma «justa Lei», não é somente, como tantas vezes se tem repetido, a voz do bom senso, expressão do espírito conservador. Talvez se deva mais uma vez, aqui, acompanhar Fiama que o vê como a personalização do Velho Testamento.
Isto, todavia, não é o mais importante. As três estrofes finais do Canto IV, contendo as últimas imprecações do Velho dão muito que pensar. Ele invoca a sua Lei, a Lei justa, para condenar o Titanismo, dando como exemplos que se não devem seguir o de Prometeu roubando o fogo do céu para o meter no coração do homem. Fogo de altos desejos que move o coração onde arde. Faéton, que roubou o carro alto do pai (Apolo, o Sol) e Ícaro procurando atingir o Céu voando para fora do labirinto da vida são segundo o terceiro exemplo do que não se deve fazer, cometimentos que vêm na esteira do pecado original de Adão seduzido por Eva, seduzida pela serpente, a colher o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Altos e nefandos são, segundo o Velho, tais cometimentos. Paradoxalmente, altos e nefandos.
Todavia, a Nova Lei que veio ou virá substituir a Velha Lei, é a da Graça e traz em si o amor, o movimento para o Amor.
As imprecações do Adamastor coincidem com as do Velho.
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LUSÍADAS
(CANTO IV)
CII
«Oh! Maldito o primeiro que, no mundo,
Nas ondas vela pôs em seco lenho!
Dino da eterna pena do Profundo,
Se é justa a justa Lei que sigo e tenho!
Nunca juízo algum, alto e profundo,
Nem cítara sonora ou vivo engenho
Te dê por isso fama nem memória,
Mas contigo se acabe o nome e glória!
CIII
Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo que o mundo em armas acendeu,
Em mortes, em desonras (grande engano!).
Quanto milhor nos fora, Prometeu,
E quanto pera o mundo menos dano,
Que a tua estátua ilustre não tivera
Fogo de altos desejos que a movera!
CIV
Não cometera o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande arquitector co filho, dando,
Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando,
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte! Estranha condição!»
António Telmo
(Publicado em Luís de Camões e o Segredo d’Os Lusíadas seguido de Páginas Autobiográficas, 2015)