DOS LIVROS. 59
Da Introdução a Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões
«Os Portugueses somos do Ocidente.
Imos buscando as terras do Oriente.»
Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 50, 7-8
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Sentir-me a mim próprio como o mistério, eis o princípio da sabedoria. Se a minha existência me aparece como indiscutível pelo facto de a não ter pedido e se ela se me representa como qualquer outra existência, a de uma cadeira por exemplo, como um facto e nada mais do que um facto, a crença em Deus, se porventura a julgo ter, é apenas uma superstição, fácil de socializar em qualquer Igreja, mas que deixa tudo como antes sem Deus. Por isso mesmo, o ateu, que porventura se sinta emergir do seio do mistério como um fiat inexplicável, está em melhores condições do que o iludido crente para compreender que símbolo é a palavra do inefável. Emergir do mistério é emergir do Oriente e é, quando se tem consciência disso, imaginar o Oriente geográfico como a fonte de toda vida, sempre presente, sobretudo onde o espaço já não conta.
Não obstante tudo isto, constitui uma grande vantagem, quando se torna evidente o mistério que o meu próprio ser é tal como é, reconhecer na afirmação “eu creio em Deus” as palavras que abrem o acesso àquele cântico profundo que anima todo o Universo. Porque o ateu é, mais tarde ou mais cedo, desviado para qualquer explicação científica que tranquilize a sua inquietação. Mas a crença em Deus no seio do sentimento do próprio mistério que eu sou ou que tu és fará, porventura, ver o que antes nos aparecia como uma metáfora: que o próprio Universo é um homem maior que existe pelo milagre da música profunda que nasce da vibração das sete cordas essenciais.
António Telmo
(Publicado em A Aventura Maçónica - Viagens à Volta de um Tapete, 2011)