DOS LIVROS. 55
Da Introdução a Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões
«Os Portugueses somos do Ocidente.
Imos buscando as terras do Oriente.»
Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 50, 7-8
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A palavra ar é a palavra aur (luz, em hebraico) sem a semivogal u, relação esta entre as duas palavras que podemos fundar na intimidade que há entre a propagação da luz e a atmosfera. É certo que se pode objectar que ar é uma palavra latina e aur uma palavra hebraica, o que tornará ilícito, do ponto de vista linguístico, a relação que proponho. Sê-lo-á do ponto de vista linguístico, mas então é preciso explicar como é que a mesma raiz hebraica aur se encontra noutras palavras latinas relativas a luz, como aurum (“ouro”) e aurora ou auréola.
Por outro lado, observe-se como, em combinação com a ideia de luz, há uma imediata relação com o som. É Henry Corbin quem chama a atenção para a conotação de aurora com aures (e digamos nós, com “auriculares”), que, como sabemos, significa ouvidos. A atmosfera não é só o meio de propagação da luz; é, ao mesmo tempo, o meio de propagação do som. E o que é espantoso é que a palavra grega atmosfera significa — em consonância com o sânscrito em que atmos é o nome para o espírito — a esfera do ar ou do sopro. Parece que há uma língua primordial presente, na forma de inúmeros vestígios, nas diversas línguas e é isso que funda as relações que se vêm mostrando.
Sem o ar não haveria respiração e, portanto, vida; não haveria também audição nem visão e nem sequer a possibilidade de cheirar. A palavra aroma tem a mesma raiz ar. E, no domínio do tacto e do paladar, o amor nos ensina que não há verdadeira relação sem a recíproca conversão pelo homem e pela mulher do sopro vital, o que é bem evidente na união pelo beijo.
Considerando a relação dos elementos com os pontos cardeais, temos, pela mesma relação linguística, que referir ar a oriente. É sabendo onde está o oriente que nos orientamos. Há, porém, um oriente que não é o espacial. Não se oferece ao sentido da vista. É qualquer coisa de íntimo, mais ligado com o ouvido do que com qualquer outro sentido. Por essa sensação íntima, temos esquerda e direita, rosto e occiput. Todo o nosso equilíbrio físico depende do ouvido. Sabe-o a medicina. A tradição sófica hindu ensina que o ar, sem o qual não há vibração sonora, é o que produz a determinação das direcções. É o que está bem manifesto na designação do símbolo sintético das direcções espaciais: a Rosa dos Ventos.
Os ventos vêm e vão. Vêm das regiões marcadas por oito pontos no horizonte. O símbolo da Rosa inverte essa perspectiva. As direcções dos ventos têm a sua origem no ponto central donde irradiam para todas as partes do Universo. Esse ponto é que é a verdadeira origem ou o verdadeiro Oriente dos ventos ou das oito energias que compõem o mundo subtil. Ele mesmo é que determina todas as direcções, ele mesmo é que situa, sendo o insituado, como o Espírito (Sopro) Santo para com as almas no ensino de São João.
António Telmo
(Publicado em A Aventura Maçónica - Viagens à Volta de um Tapete, 2011)