DISPERSOS. 01

12-12-2013 16:18

Natureza de Portugal

 

Portugal é uma criação de São Bernardo sobre um fundo que aparece caracterizado por uns como atlante, por outros como céltico, no quadro remoto da primeira civilização megalítica, que se terá expandido posteriormente pelo Sul de França e pela Bretanha.

 

Aquilo que se deve, porém, sobretudo frisar é a sua criação pelo supremo adorador medieval de Nossa Senhora, São Bernardo. Neste sentido, Portugal é uma criação espiritual. Os factores geográficos, históricos, económicos ou outros, pelos quais se tem procurado explicar a sua origem, se os considerarmos independentemente do que tal criação significa, pertencem a um passado morto, sem acção no presente, visível ou invisível.

 

O abade santo veio dar direcção política, isto é, de organização social, à obra de São Bento, transformando o monacato por este fundado, numa vasta rede de Ordens, a partir da de Cister, das quais devemos salientar, a de Cluny, a dos Templários, a de Santiago e a de Calatrava (em Portugal, de Avis).

 

Nele se reuniam espiritualmente os dois poderes, – o religioso e o militar. Por isso mesmo, sem armas ou qualquer força material, punha e dispunha de papas e de reis. Era o verdadeiro representante de Deus, de que dependiam Império e Papado.

 

Dante é, desta ideia de uma Terra governada por um só Imperador e iluminada por uma só religião, o poeta e o teorizador supremo. Na Monarquia propugna a separação dos dois poderes e a sua união por cima. Na sua viagem pelo Inferno, pelo Purgatório e pelo Paraíso é sucessivamente conduzido por Virgílio, por Beatriz e, por fim, por São Bernardo que o leva até à plenitude da revelação e do conhecimento de Deus pelo Amor.

 

O lugar irradiante do pensamento activo do Santo era a Borgonha. Daí propagou-se por vastas regiões da Europa, mas, como se vê pela Monarquia de Dante, o fim de tão vasto movimento era o QUINTO IMPÉRIO universal. Ver-se-á adiante que, comparativamente com a orientação dada por São Bernardo ao movimento destinado a instaurar um só Imperador para todas as nações do mundo, o que se está a fazer hoje nesse sentido a partir da unificação da Europa corre o risco de se inverter no Império do AntiCristo. A unidade das diferenças aparecerá como uniformidade pela anulação dos distintos (nos dois sentidos da palavra), pela redução do superior ao inferior, pelo que se chama hoje “nivelamento por baixo”.

 

Como se sabe, as nossas duas primeiras dinastias eram borgonhesas. Entre uma e outra insere-se a casa de Lencastre, aliada dos Franceses senhores da Borgonha, vindo por isso reforçar o movimento inicial dado por D. Afonso Henriques. Os portugueses eram para Ibn Arabi, contemporâneo dos nossos primeiros reis, os borgonheses. No tempo de D. Afonso V, a ideia era a de que Portugal se apoderasse da Península Ibérica ao mesmo tempo que Carlos o Temerário, primo direito do nosso rei, e duque de Borgonha, se apoderaria da França e da Alemanha. A batalha de Cluny pôs fim ao sonho imperial da nobreza borgonhesa. D. João II e D. Manuel I procuram realizá-lo pelo mar.

 

Os Painéis de Nuno Gonçalves, mandados pintar por D. Afonso Quinto, parecem significar a tristeza e a persistência do sonho, embora adiado na sua realização, reflectindo-se no olhar das 60 personagens que os compõem. Ali, no Evangelho de São João, a página mostrada anuncia a vinda do Paracleto num futuro adiado, pois ao mesmo tempo indica um período dominado pelo príncipe deste mundo. Todavia, embora numa oitava inferior, emergiram ao longo do período tenebroso sucessivas tentativas de restaurar o que estava perdido. Neste sentido, é impossível dissociar o movimento político da Restauração pelos quarenta da acção da Companhia de Jesus. A ideia de realização do Império Universal, tal como a sonhou São Bernardo, é retomada, depois de Alcácer Quibir, através do jesuíta Padre António Vieira na sua História do Futuro. A Companhia de Jesus foi, durante a República, vítima de uma campanha cujas senrazões deveriam ser melhor estudadas, sem qualquer reserva mental. Como se depreende dos estudos de Sampaio Bruno, insuspeito porque republicano, os jesuítas foram, em Portugal e na Espanha, os grandes adversários da Inquisição; no entanto, há hoje ainda quem julgue que os dominicanos eram jesuítas, tal a ignorância que campeia por insidiosos processos de natureza histórica.

 

Fernando Pessoa escreveu que o Padre António Vieira é o Imperador da Língua Portuguesa, da língua portuguesa que é a Pátria imperial do poeta e de todos os que, neste como noutros pontos o seguem. Ele figura na Mensagem como um dos nossos profetas. Depois dele, na Mensagem, é como se  ninguém existisse. Só o próprio Fernando Pessoa, o último profeta, surgido no fim para anunciar um Portugal novo.

 

António Telmo