CORRESPONDÊNCIA. 74

21-08-2025 15:18

CARTAS DE ANTÓNIO TELMO PARA ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO. 14

 

Estremoz

 24-11-89

 

Meu caro Amigo

 

Li, de seguida, fraternal e interessadamente, todo “O Mar e o Marão”[1]. Antes, porém, de falarmos sobre o que importa, devo-lhe uma explicação do meu silêncio depois da sua última carta.

Procurei o livro de Joseph de Maistre no caos dos meus livros dos outros e, como não consegui encontrá-lo para lho enviar, esperei que, mais tarde ou mais cedo, aparecesse, coisa que arreliadoramente não aconteceu ainda. Como não emprestei o livro a ninguém, tê-lo-ei eu deixado esquecido em qualquer parte? Quanto aos originais que me enviou, o silêncio deixou-lhe certamente toda a liberdade. A revista Princípio, aliás feita, não se publica já. Causa próxima: ficarmos sem resposta às perguntas à Fiama que quisemos entrevistar. A minha amizade e admiração por ela permanecem, no entanto, inalteráveis.

Voltemos ao mar e ao Marão. Uma amiga minha assistiu à sua conferência no Iade e ao colóquio que se lhe seguiu e falou-me com entusiasmo de si e da sua comunicação, mostrando-se indignada com o modo como o trataram, no colóquio, os cristãos-novos envergonhados[2]. Tive pena de não ter podido estar lá.

Seríamos dois marranos corajosos num momento difícil da arte diplomática, porque a filosofia portuguesa aparece, nos Jorges Pretos[3], a defender teses que lhe são contrárias.

Passei o seu estudo a um dos meus próximos, o João Rêgo[4], que ficou impressionado e pretende contactar consigo.

Pelo que me diz respeito, tudo me falou no seu escrito e, sobretudo, a felicidade como se movimenta em themuria. A identificação de Marános com marrano, sendo uma chave falsa, abriu-lhe a porta do melhor entendimento de Pascoaes. O erro está no início de todos os descobrimentos. V. conhece já todos os segredos cabalistas do primeiro grau, como, por exemplo, a repetida criação de novo do mesmo pensamento, de que são maravilhosa manifestação as páginas poéticas do seu escrito. 

O António Cândido Franco espanta-me por ter chegado de fora da filosofia portuguesa em ressonância perfeita com o que ela tem de melhor. Não há, porém, na sua reflexão nenhuma referência de Álvaro Ribeiro. Será que ainda não encontrou a chave para o ler?

            Um grande abraço do companheiro

                       

                                               António Telmo



[1] N. do O. - Livro de António Cândido Franco, publicado em 1989. Na sua origem esteve uma conferência subordinada àquele mesmo título e proferida, em 20 de Junho desse ano, no IADE, a convite do seu Director, o filósofo António Quadros.

[2] N. do O. – Referência à controvérsia gerada pela conferência de António Cândido Franco, desde logo no período de debate com a assistência que se lhe seguiu. Também na imprensa escrita se colheram ecos dessa celeuma: no semanário Expresso, o jornalista António Cabrita publicou uma reportagem crítica da conferência.

[3] N. do O. – Diplomata. Discípulo de Álvaro Ribeiro e José Marinho, com estudos publicados nos domínios da Filosofia, da História e da Heráldica. Jorge Preto interpelou António Cândido Franco no debate que se seguiu à conferência em apreço.

[4] N. do O. – Membro do círculo de António Telmo. Médico. Nasceu em 1957 e faleceu em 2007, vítima de um acidente de aviação. Publicou a antologia, por si organizada e apresentada, A Medicina em Álvaro Ribeiro (1992). Postumamente, mas logo em 2007, saiu a lume Contos da Coluna de Meio