CORRESPONDÊNCIA. 45

01-03-2019 10:53

ÁLVARO RIBEIRO, 114 ANOS DEPOIS!

No dia em que se comemora o 114.º aniversário do nascimento de Álvaro Ribeiro, publicamos a carta, hoje à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal, que em 19 de Janeiro de 1959, a partir de Beja, António Telmo escreveu ao filósofo do seu alvoroço, meu terceiro e verdadeiro mestre, conforme a dedicatória por si aposta aos Diálogos do Mês de Outubro, que, tal como o epistolário entre Álvaro e Telmo, foram integralmente publicados no Volume X das Obras Completas de António Telmo, Capelas Imperfeitas, recentemente editado pela Zéfiro com o apoio institucional e científico do nosso Projecto.

Carta de António Telmo para Álvaro Ribeiro, de 19 de Janeiro de 1959

 

19/1/59

 

Sr. Dr. Álvaro Ribeiro

Meu amigo

 

Começo a convencer-me que se não pratico assiduamente “este género de literatura, feminil e adolescente”, a razão não reside numa incompatibilidade de temperamento, mas numa certa cobardia, (ou timidez), pois continuo a ser adolescente, apesar dos meus trinta anos, adolescência que disfarço mal ocultando a 1.ª pessoa do pronome pessoal. Assim comecei a carta.

O sr. Dr., isto é, o Álvaro Ribeiro, é aqui conhecido. O Director da Escola, a quem emprestei a Escola Formal, há dias, falou-me em si, durante uma conversa, em que outro professor elogiava o Delfim Santos, como a maior personalidade dos nossos meios intelectuais. O 1.º capítulo, que ele até agora leu, entusiasmou-o. Conhecia sòmente os seus artigos e já mandou vir os restantes livros. Em nada contribuí para esta evocação do seu nome. Ele conhece a actividade do Quadros, em prol das suas ideias.

Disse-lhe na última carta que tinha deixado de escrever. As ideias, às quais não dou o movimento do verbo, por razões que o sr. Dr. conhece tão bem como eu, ainda por vezes vêm anunciar-se. A minha vida foi toda um engano. Esperei imenso: em mim. Julguei-me, muitas vezes, uma[1] inteligência de escol. Resta-me o consolo dos medíocres: – ter convivido, em fraterna amizade, com homens superiores. Por isso as minhas cartas não têm interesse de maior e nas minhas palavras haverá sómente o traço viril de uma ironia amarga, e de um despeito calmo em relação àqueles que me queimaram, em efígie, acendendo fogueiras nas encruzilhadas. Sabe a quem me refiro e desculpe lembrar-lhe o rei Lear, de dentro desta escura mania da perseguição.

O vermelho transmite maior vigor ao que escrevo, mas temo maçá-lo com os meus queixumes e a minha pessoa. Desculpe-me, o meu amigo. Gostaria que me escrevesse, acredite e que me desse notícias da Conchita e da Sr.ª D. Angelina, por quem tenho uma grande amizade.

Da última vez que estive com a sua mãi mais uma vez o verifiquei.

É Domingo e escrevo dum café. Certamente, nesta mesma altura, encontra-se o sr. Dr. na Brasileira, ou na nova leitaria das Avenidas Novas. Os mesmos temas, as mesmas conversas: imagino bem. Como compreendo que goste tanto das mulheres! A sua vida interior que durante tanto tempo constituiu para mim um enigma, torna-se agora mais acessível nos seus segredos.

Felicidades para todos do

António Telmo

   

[Espólios N9/1047]



[1] Nota do Editor – Desta palavra, inclusive, em diante e até ao final da carta, António Telmo escreverá com tinta vermelha.