INÉDITOS. 47

09-03-2015 12:05

Na Escola Nacional de Lisboa[1]

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Ainda bem que me fala, na sua segunda carta, do General Vicente de Freitas. Ele era o gestor ou coisa que o valha da Escola Académica, no Largo da Anunciada, onde conheci o Álvaro Ribeiro, isto é, em que o vi pela primeira vez falar, de que lhe ouvi, pela primeira vez, a voz. Nessa Escola estive eu interno como aluno, no ano seguinte a ter ali estado o meu irmão Rui, que Deus haja. O General dava-nos aulas de moral. Era um velho resmungão que nós gostávamos de ridicularizar para nos vingarmos da moral que nos era impingida e que todas as crianças odeiam, porque estão antes do pecado original. O aluno que estava sentado na cadeira ao pé da porta da sala, batia nela várias vezes com os nós dos dedos. O General dizia-lhe para ver quem batia à porta e naturalmente não estava lá ninguém. Ficava furioso, mas, como ignorava quem tivesse batido, reprimia-se. A brincadeira repetia-se em cada aula. Um dia, porém, quando se abriu a porta, vinha por acaso um aluno a entrar. Levou uma sova de bofetadas e estava verdadeiramente espantado, porque não via porque era assim castigado, sem se atribuir qualquer culpa.

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António Telmo



[1] Nota do editor – O título é da nossa responsabilidade. Publica-se um excerto de uma carta escrita por António Telmo, que nela visivelmente se engana no nome da escola que menciona. Trata-se, com efeito, da Escola Nacional de Lisboa, que Telmo frequentou, como aluno interno, no ano lectivo de 1943-44. Sobre o General Vicente de Freitas, que foi docente e comproprietário da referida escola, fundada, com outra localização, no ano de 1869, remetemos o leitor para o livro de Francisco Fernandes, General José Vicente de Freitas – A Liberdade de Pensar, Lisboa, Colibri, 2010.