INÉDITOS. 34

13-11-2014 11:14

Duas páginas sobre Verdade, Condição e Destino no Pensamento Português Contemporâneo, de José Marinho

 

O último livro de José Marinho, publicado meses depois da sua morte, Verdade, Condição e Destino no Pensamento Português Contemporâneo, para lá de um esperançoso optimismo, ancorado no contributo filosófico de alguns homens singulares, que permite confiar no destino de um pensamento que, em sucessivos fulgores, se vai aproximando da verdade, mostra como o mais puro e corajoso movimento do espírito português se embaraça e prende na condição da alma mística de um povo, capaz de levar a noção indeterminada de liberdade até á profecia, mas que tende cada vez mais a fixar-se no pior dos fanatismos – o fanatismo da razão. A razão é, sem dúvida, a condição da filosofia, a razão, como disse Leonardo Coimbra, que é sem descanso perante uma intuição inesgotável. É a condição, porque se a razão falece o espírito do homem é avassalado e perde-se num mar de sensações transcendentes que constitui o mundo da intuição. Uma razão, insegura da sua força, fecha-se, para poder subsistir, ou constitui-se à parte, para poder ponderar, da intuição e até da sensação. Por outro lado, não se interroga sobre si própria, une-se a si própria como um fiat instituído ab aeternum. Ficam assim criadas as condições para que se estabeleça definitivamente uma mística da razão, a mais temível e paradoxal das místicas, porque a razão é a própria negação de tudo quanto é místico. Para José Marinho, se bem o entendemos, reside a qui a relação crucial que nos define a nós povo português, se quisermos tirar todas as ilações, como um povo irremediavelmente perdido para a vida do espírito.

   

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Os amigos de José Marinho ouviram-no repetidamente dizer nos últimos meses da sua vida que se voltasse a nascer na terra não queria nascer português. O seu último livro, Verdade, Condição e Destino no Pensamento Português Contemporâneo, só alguns meses depois da sua morte veio a ser publicado porque o editor receou, conforme carta escrita ao autor, fazê-lo sair em plena ditadura comunista. Este livro só de filosofia, um livro amável, como o próprio José Marinho o era para todos os conviventes pensassem o que pensassem, teve de esperar por Eanes para poder vir a ser lido por alguns portugueses.

É um livro eminentemente paradoxal, porque do país onde não queria voltar a nascer, do país mais anti-filosófico do planeta, José Marinho assenta sobre a própria negatividade a condição que define o destino de pensamento contemporâneo português para a verdade.

Fica-nos a impressão, após a leitura do livro, de que José Marinho, situável entre os pensadores místicos (…)[1]   

 

António Telmo



[1] António Telmo interrompeu aqui a escrita da frase.