DOS LIVROS. 50

16-09-2016 21:38

Louvor da matéria

 

1. O «manuelino» é a arquitectura da Árvore, porque a matéria do mundo é a madeira.

2. A madeira é o que cresce indefinidamente, é o princípio da multiplicação sem divisão.

3. As árvores crescem em direcção ao Sol, mas quanto mais se aproximam da luz mais fundo mergulham as raízes na terra.

4. Alimenta-se de luz a árvore do mundo, como as pobres e belas árvores dos nossos campos.

5. A matéria é a árvore sephirótica.


6. Há corpos sem matéria de tão densos que são.

7. Todos os pontos da totalidade infinita estão unidos entre si por uma árvore invisível.

8. Esta árvore não cresce de baixo para cima, mas do alto para o abismo. Compete ao homem justo inverter em si a corrente que vem das alturas, concitando as vozes mais fundas do abismo a um cântico de louvor.

9. Eu sou o fruto da árvore; serei a semente que apodrecerá nas águas inferiores ou que germinará nas águas superiores, criando um novo futuro.

10. Os últimos produtos da árvore são as folhas secas, que dela se soltam, que se amontoam no chão do Outono, até que venha o vento frio do Inverno e as espalhe sobre a terra para formar o húmus onde as sementes germinarão. 

11. As belas cores do Outono são o resultado da decomposição dos corpos (Gustavo Meyrink).

12. O mal são as cascas, o exterior, o rígido que está morto no vivo, mas que pode ser queimado, purificado no fogo do fim do mundo.

13. Em grego, matéria diz-se úlê, palavra que corresponde a silva no latim. Em português, matéria é madeira, que se arranca das florestas.

14. Se quando falamos em matéria pensássemos em madeira, não diríamos tantos disparates sobre o que ela é, sobre o que são as suas relações com o espírito. Aristóteles e Platão e os outros gregos pensaram a matéria através de uma palavra que tinha como sentido imediato madeira ou floresta. Foi uma grande vantagem.

15. Há ainda outra conotação, matéria e mater, matéria e mãe.

16. As raízes e as matrizes. 

17. Uma árvore pode ter muitas raízes, mas o número exacto é três. Pode ter muitos ramos, mas o número exacto é sete.

18. Um ensinamento maçónico: ««O Grande Arquitecto do Universo edificou o Templo do Mundo sobre a Madeira».

19. Por isso a arte da carpintaria, que parece auxiliar a maçonaria, é-lhe anterior.

20. A planta do Templo é a árvore dos números e das letras. Por isso, uma árvore pode ter muitas raízes, mas o número exacto é três: keter, hochmah, binah, a coroa, a sabedoria e a inteligência. 

Daqui tudo deriva e tudo cresce, conhecendo o Abismo. 

Por isso uma árvore pode ter muitos ramos mas o seu número exacto é sete.

21. A suprema arte do carpinteiro trabalha com a matéria do mundo e os aprendizes têm de transformar-se em pássaros para não sentirem a vertigem sobre os altos andaimes.

22. Em tiferet, no centro dos centros, já não há o perigo de cair, porque o baixo é o alto e o alto é o baixo. O Sol não cai, imóvel no centro do seu sistema. Pois para que lado se há-de cair, se já não há lado?

23. O ser em si dos filósofos, o ser que em si tem o seu princípio, é como um pássaro que voa de ramo em ramo, sustentado, não pelas asas, mas pelo que move as asas.

24. O ser em si, livre por não ter o seu princípio noutro ser, é, mais do que o pássaro, o voo.

25. O pássaro foi pensado na ideia (em Aziluth) como voo puro, foi criado como arcanjo em Beriah, formado na energia de uma imagem em Yetzirah, feito como pássaro em Aziah. Mas de keter a malcuth, pela linha vertical, a ideia é um relâmpago, onde o pássaro é o voo e o voo o pássaro.

26. O pássaro dos Jerónimos, da coluna do oriente, é um galo, a visão imediata do Sol, a essência ígnea do homem redimida de seiva em flor vermelha.

27. Nos reis, em D. Manuel por exemplo, o galo é substituído pela águia, essa senhora dos vastos domínios do Sol, ser absoluto sem vertigens.

28. A vertigem é a sensação do vórtice que anima o mundo, sem se estar no centro desse vórtice. A sensação periférica.

29. E até lá? O pavor da queda e a sedução dela.

30. Meu Deus, que farei de mim quando me encontrar sem este corpo em que me estabeleci e firmo e que guarda a minha alma? »

 
 
António Telmo
 
 
(Publicado em Filosofia e Kabbalah seguida de Álvaro Ribeiro e a Gnose Judaica, 2015)