DOS LIVROS. 18

02-09-2014 09:06

De um caderno de apontamentos. 08

Voltei a ler A Estranha História de Peter Schlemhil, o que me levou a imaginar o que seria essa história se, em vez de ter vendido a sua sombra, Peter Schlemhil tivesse vendido a sua imagem. O diabo, uma vez fechado o negócio, dobrou várias vezes a sombra e recolheu-a num pequeno saco; faria o mesmo com a imagem projectada num espelho.

Quais seriam as consequências, não previstas pelo vendedor? Já sabia, antes de fechar o negócio, que deixaria de poder contemplar-se no espelho. Fora dos seus cálculos e bem mais importante é que se tornaria invisível, dado que não teria imagem para se reflectir nos olhos das outras pessoas. Ouviam-no e tocavam-no, mas não o viam. Isto lançou o pavor à sua volta. Como Peter Schlemhil, teria de fugir para onde nunca o tivessem conhecido. Mas não poderia comprar nada porque poria em pânico todo um mercado. Para comer teria de roubar, o que lhe era, aliás, muito fácil.

A única convivência possível seria com um poeta, um filósofo, um louco, desde que fossem verdadeiros. Também surgiria uma mulher por quem se apaixonaria, mas que se veria impedida de amar o que não tem imagem.

Etc., etc., etc..

Simbolismo: os espíritos que vivem entre nós invisíveis terão um drama semelhante? Vêem-nos e não podem ser vistos, só pelos outros sentidos podem ser contactados, dominantemente pelo ouvido. Não foi assim que Sampaio Bruno terá imaginado os anjos?

 

António Telmo

 

(Publicado em Viagem a Granada, 2005)