DISPERSOS. 06

13-02-2014 09:57

AGOSTINHO DA SILVA, 108 ANOS DEPOIS

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 1967. A fotografia foi tirada de surpresa por António Telmo, rendido ao encanto frenético da máquina fotográfica, uma Canon acabada de comprar. Agostinho da Silva pouco passava então dos sessenta. Por esses dias, ainda nos olha com o rosto glabro e o cabelo hirsuto. Dois anos depois, o renovo drástico e definitivo do semblante, na assunção de uma anciania que lhe há-de celebrar a imagem. Adivinhando o choque presuntivo de compadre Telmo, Agostinho apressa-se a remeter-lhe a prova fotográfica, até hoje inédita, da metamorfose visual, que foi, aliás, acompanhada por uma notória mudança de indumentária, pois em Brasília jamais Agostinho se separou do terno que em solo pátrio viria a dar lugar a roupa bem mais informal...  

  

Há retratos e retratos, e no que agora se propõe ao leitor também António Telmo recorre a uma imagem: a do horóscopo que o autor da História Secreta fizera em Brasília a pedido de Agostinho, e que nos permite conferir a silhueta espiritual do autor de Reflexão. Retrato de perfil, portanto, e traçado para ser mostrado no Colóquio Agostinho da Silva e o Espírito Universal, com que em 2006, sob a égide do mesmo Telmo, comemorou Sesimbra o centenário de Agostinho da Silva. Faz hoje 108 anos que ele nasceu no Porto.

O horóscopo de Agostinho da Silva

 

No filme que fizeram sobre a vida de Agostinho da Silva, há, logo de início, um momento em que ele aparece a dizer mais ou menos isto:

“Nasci no Porto, mas onde eu queria nascer era em Barca de Alva, pois antes de nascer foi a ela que escolhi. Os deuses que movem os astros quiseram fazer a minha vontade, mas como se trata de relações de grandes movimentos não conseguiram ser exactos e daí o Porto em vez de Barca de Alva.”

O que Agostinho continuaria a dizer, se aquilo não fosse um filme, ou que terá continuado a dizer e que o filme não registou é que, tendo nascido no Porto e, logo, muito pequenino, tenha ido com os pais para Barca de Alva, não fez mais do que lançar-se ao mar, afastando-se do porto numa barca capitaneada pela deusa do nascer do dia.

Para quem lê Platão e, para o que vem ao caso, a República ou como quer o seu melhor tradutor, o Elísio Gala, a Politeia, é-lhe fácil calcular que, ao dizer aquilo de ter escolhido Barca de Alva, Agostinho da Silva tinha presente o mito de Er, mediante o qual Platão ensina que as almas, preexistentes à vida na terra, escolhem, cada uma delas, o que gostariam de ter nesta vida, não só o lugar, mas o que daí se segue até morrer.

Assiste-me então o direito, nesta conversa convosco, de pegar na carta astral de Agostinho da Silva para nela procurar ver aquilo que de essencial ele escolheu para que a sua vida na terra seguisse de acordo com o seu mais fundo desejo que foi, como se verá, o de moldá-la pelo arquétipo da alva.

Da alva ou da navegação? Sem dúvida de ambas, como se significa no nome da terra em que nasceu, iluminado do nome da terra para onde foi viver. O que será confirmado pelo horóscopo.

Vou tentar interpretá-lo seguindo dois caminhos combinados um com o outro: o caminho dos astrólogos que tomarei consultando um bom livro da especialidade e o caminho da razão poética ou da mitologia, porquanto é à mitologia que os astrólogos vão buscar os nomes dos astros e dos signos.

Comece-se, pois, pelo tal livro de Astrologia. O leitor que conviveu com Agostinho da Silva pessoalmente ou através do que ele fez, disse e escreveu ficará de certo impressionado por ver que tudo condiz entre horóscopo e horoscopado. Referirei apenas o essencial:

 

1. Sol em Aquário:

Aberto às ideias de vanguarda, vê as relações humanas de uma forma despreconceituosa e informal.

 

2. Mercúrio em Aquário:

Intuição, rapidez e inteligência fulgurante.

Inventivo e aberto às ideias novas.

 

3. Lua em Balança:

Atracção pela música e pela poesia.

 

4. Marte em Carneiro:

Enérgico e resistente. Iniciativa, impetuosidade, audácia.

 

5. Vénus em Aquário:

Comportamento amoroso desprendido. Amor amizade. União livre e independente das convenções sociais.

 

6. Júpiter na Casa IX:

Grandes viagens; actividade filosófica de grande envergadura.

 

7. Neptuno – significação do planeta reforçada por se encontra na casa X, a casa da relação com o mundo político e social):

No plano social, produz o anarquista ou o seu oposto, o comunista.

A renúncia a tudo o que é fácil, lutando pela felicidade do futuro, os contrastes profundos, a oratória, a política, as experiências científicas e sociais audaciosas, o misticismo religioso ou ateu, tudo isso está fortemente impregnado da influência de Neptuno.

 

Até aqui, pôde o leitor ver, conforme já assinalámos, que o acordo do perfil astrológico de Agostinho da Silva com a sua personalidade e o modo de a viver é bem evidente.

Procurarei, no seguimento, abraçar mais profundas considerações.

Considerar é uma das muitas palavras da língua portuguesa que hoje se usam tão afastadamente da sua etimologia, ou originalidade, que é como se esta estivesse para sempre perdida. Considerar tem íntima relação com sidério e com sideral. Lembre-se de Fernando Pessoa “o Sul sidério” que “esplendia sobre as naus da iniciação.” O próprio Agostinho da Silva deu a um dos seus livros o nome de Considerações, sabendo, bem consciente do étimo, que o Céu e a Terra se combinam para urdir os problemas da humanidade, mas também para os resolver.

Admitido que assim seja, sem contudo pôr de parte o que nos disseram os astrólogos e mais alguma coisa que ainda terão para nos dizer, vamos olhar a carta do céu do nosso filósofo, vendo nela um espelho dos altos lugares onde viajam os deuses e donde contemplam o Uno e reúnem o disperso. Porquanto os astros eram, num certo sentido ou sob o seu cosmológico aspecto, identificados com os deuses por gregos e romanos.

Tracei o horóscopo, que estamos considerando, em Brasília, onde primeiro convivi com Agostinho e entreguei-lho com a respectiva explicação astrológica. A meu pedido tinha-me dado a hora, o dia e o ano do seu nascimento. E em vez do Porto, deu-me como o lugar onde isso terá acontecido a terra da sua identidade espiritual, Barca de Alva. Os meridianos são próximos um do outro; do Porto, onde se formou na Escola de Leonardo Coimbra, saiu para capitanear com outros seus pares o movimento atlântico do pensamento português.

Ele não precisava de ter desenhado num papel a sua carta do céu. Tinha-a em si, por tê-la escolhido, porque a recebeu como a forma da sua alma no momento em que saiu das trevas para a luz. E foi como que contemplando essa forma que fez a sua vida e o seu pensamento. Procurando ver alguma coisa no que para nós só pode ser penumbra pediremos à mitologia o que a astrologia mal conseguiu dar-nos.

O principal dado que recebemos da astrologia e que a mitologia irá aprofundar é o de Mercúrio ser a dominante do horóscopo, pois não só se encontra dignificado por estar em Aquário, e por formar com a Lua e com Neptuno aspectos altamente benéficos, mas sobretudo porque os dois signos considerados como os seus domicílios, o duplo espaço do seu reino, estarem, um que é Gémeos no alto do céu, o outro que é a Virgem no Ascendente, ali onde o Céu toca a Terra e todos os astros emergem do hemisfério inferior para o hemisfério superior.

Mas Mercúrio é um deus. É o deus vadio; vagabundeando, faz todas as ligações, a ligação do Céu com a Terra e com o Inferno, dos homens uns com os outros, unindo-os até no mal pelo que eles têm de santo, como o dinheiro, até no bem, o faz no que eles têm de execrável e que é o seu aspecto negativo ou sombrio, porquanto todos os deuses têm duas faces, aquela que é cada um deles e a que é o seu não-ser. O nada de uma rosa é o vazio que guarda a sua forma, não é igual ao nada de uma açucena.

Em Agostinho da Silva, ele é o detentor do caduceu, aquela vara de ouro, que lhe foi dada por Apolo em troca de uma flauta, da flauta que inventara juntamente com a lira. Recebeu assim do seu irmão, porque são ambos filhos de Júpiter, o poder taumatúrgico que a vara confere a quem é seu senhor. Atirou-as para o meio de duas serpentes que lutavam uma com a outra e logo os dois répteis, atraídos pela sua força magnética, deixaram a sua condição de rastejantes, enroscando-se em volta, harmonizando-se entre si, um de cabeça para baixo e o outro de cabeça para cima; todos os livros em que vem narrado este momento do mito identificam as duas serpentes com o bem e com o mal.

Há um texto de Agostinho em Considerações, ia a escrever contradições, admirável texto em que está bem evidente o perfeito acordo do seu pensamento com o seu ser íntimo, tal como podemos imaginá-lo através do horóscopo. Tem por título Quanto a Deus. Diz o seguinte:

“Limitamos Deus atribuindo todos os males ao Diabo. Uma infinita bondade e uma infinita justiça, despidas de todo o pensamento que a moral condena, fazem suspeitar que se empregou na construção uma escala demasiado humana; mais uma vez nos julgamos os senhores absolutos do mundo; mais uma vez nos quisemos centro do universo e nos vimos tratados com atenção e carinho especiais.

Não ousou o homem pôr a maldade entre os atributos de Deus e pecou primeiramente porque foi estreito; e de novo pecou porque foi tímido. Consolava-o a ideia de uma protecção sempre possível e a mente, que se não levantava ao total, só pôde conhecer a explicação infantil e lógica dos dois demiurgos. Fugimos da aspereza e erguemos um palácio de fadas, esplêndido e seguro, mas enervante e mole; tememos a vida e a vida se vingou.

Restituamos a Deus toda a sua grandeza; reconheçamos o seu poder na violência e no terror; tenhamos por divino o abaixamento destes tempos; emana Caim do espírito supremo – como Abel; não tiremos a Deus o que temos como ideal superior: a vontade de progresso; não lhe demos em troca da variedade que roubamos a monotonia a que aspira a alma baixa.

E em face de um Deus pleno e terrível sejamos heróicos; cresçam as forças com que lutamos, seja mais larga a compreensão, mais perfeito o amor; enfrentemos o mal cara a cara, e adoremos o Senhor no inimigo que nos derruba e pisa. Sejamos bravos e tolerantes. Não vacilemos na derrota, nem um instante voltemos as costas ao perigo; mas não abusemos da vitória. É este o dom que nos oferece um Deus liberto de cadeias terrestres.”

Todo o Agostinho está neste texto.

São palavras tremendas e de imensa bondade. Só por serem tremendas a bondade é imensa; só por ser imensa a bondade são tremendas.

Nelas se exprime o valor dos corajosos como o concede Marte aos seus em Carneiro. Assim, a ideia de um Deus, Senhor da vida e da morte, do belo e do, ao mesmo tempo, terrível, paira sobre nós. As nuvens no horizonte são de trovoada, mas por entre elas brilha azul o céu.

Pede-se ao leitor destas linhas que não deixa de ter presente o mapa do céu do Agostinho da Silva, daquele céu que lucilava de estrelas sobre Barca d’Alva há uma centena de anos. Verá então, guiado pelo anjo da mitologia, que não só figuram nele Mercúrio, o caduceu e a dupla serpente, mas também o glorioso Apolo, seu irmão, senhor da lira, que de Mercúrio obteve por troca; Afrodite vai de companhia com eles, todos olhando longe no azul diáfano, a suave e benigna Artemisa, senhora da noite e, lá alto bem alto e dominador, brilha Zeus-Júpiter, Rei e Sacerdote do dia e da noite.

Mas há ainda Neptuno, o das longas viagens pelo mar, o que leva ao Brasil e a todas as partes do mundo. Vem armado do tridente que é anarquismo, mas também misticismo e sociabilidade, que traz consigo a inquietação das águas salgadas da vida, a inevitável inquietação que toca a todos, mas que só alguns compreendem; a todos que não estão contentes com o mundo a desviar-se da rota pelo mar do infinito e é por ele que o alto espírito contemplativo de Agostinho da Silva se torna activo pela palavra política, a humilde, audaz e inteligente serva da cidade dos homens para que um dia nela mandem os pobres e os iluminados.

 

António Telmo

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Comentário

Eduardo Aroso 

 

 

 

O texto em apreço traduz o conhecimento abarcante de António Telmo em matéria astrológica, no que ela tem de simbolismo e mito, para além de evidenciar o que vulgarmente se chama conhecimento operativo astrológico. Quanto a este último, diga-se que não é habitual esperá-lo de um filósofo da estirpe de AT e dos círculos que  frequentou. Tomando o local de nascimento (um dos dados essenciais para o levantamento de uma carta do céu) começa por se referir à questão a que o próprio Agostinho da Silva alude, e bem conhecida de todos, quando este nos informa: «nasci no Porto, mas onde eu queria nascer era em Barca d’Alva, pois antes de nascer foi a ela que eu escolhi. Os deuses que movem os astros quiseram fazer a minha vontade, mas como se trata de relações de grandes movimentos não conseguiram ser exactos e daí o Porto em vez de Barca de Alva.”

Refira-se, desde já, que estas palavras de AS, tanto no domínio escatológico como astrológico, levar-nos-iam muito além do escopo deste artigo. Sublinhe-se apenas que há aqui uma forte convicção do que em poética e filosofia se entende por fado, fatum, ou maktub, ou seja, os complexos meandros do destino, tema que baila constantemente no miolo de um horóscopo. É claro que AS ironiza a verdade, dizendo que «os deuses que movem os astros quiseram fazer a minha vontade, mas como se trata de relações de grandes movimentos não conseguiram ser exactos e daí o Porto em vez de Barca de Alva”! Com isto quis significar que, em última análise, os Céus (ou a divina sophia) suplantam a Terra, o limitado conhecimento individual, ou como diriam os antigos helenos «o todo é maior do que a soma das partes». 

 AT, lucidamente, faz a transposição de sentido para conciliar os opostos ao dizer que «não fez mais do que lançar-se ao mar, afastando-se do porto numa barca capitaneada pela deusa do nascer do dia», ou seja, a Estrela d’Alva. Vénus, na mitologia representando o amor e em «Os Lusíadas» como que um guia superior, na tradição popular é conhecido por este nome, que, consoante a sua posição astronómica, também se chama Estrela da Tarde, quando brilha perto do horizonte ocidental. Curiosamente, este planeta no horóscopo de Agostinho rege a 2ª casa, a 6ª (serviço e saúde) e a 9ª (mestres e conhecimento superior, estrangeiro e longas viagens). Escreve AT que AS quando escolheu Barca d’Alva tinha presente o mito de Er, de que falou Platão, ensinando que as almas antes de virem a este mundo escolheriam, por assim dizer, as linhas fundamentais do seu destino ou projecto de vida. Torna-se mais interessante este ponto se lermos o que Max Heindel, no início do século XX, diz em «Conceito Rosacruz do Cosmos», cap. III, onde se explica que o ser humano, ou espírito puro, antes de vir a este mundo, na missão que têm os chamados «Anjos do Destino» (lipikas, em sânscrito), é-lhe dado escolher alguns «panoramas» ou projectos de vida. Uma vez escolhidos têm que ser cumpridos nas linhas essenciais - sublinhe-se essenciais - pois é só no restante que se pode falar em livre-arbítrio. Havendo fugas, podem resultar dores e sofrimentos, por desobediência às leis da Natureza e, sublinhe-se, ao que nós próprios escolhemos!

AT, na análise do horóscopo de AS, confessa que vai tentar «interpretá-lo seguindo dois caminhos combinados um com o outro: o caminho dos astrólogos que tomarei consultando um bom livro da especialidade e o caminho da razão poética ou da mitologia, porquanto é à mitologia que os astrólogos vão buscar os nomes dos astros e dos signos». Interessante é também o relato que faz de ter levantado o horóscopo em Brasília, pedindo a AS os dados necessários. Este deu-lhe o local de Barca d’Alva e não o Porto, cidade onde aconteceu o seu primeiro gemido ou berro neste mundo.  Porém, astrologicamente não seria correcto se o horóscopo fosse levantado para o local de Barca de Alva. Todavia, AT, em visão de águia altaneira, como que corrige, conciliando os opostos, quando escreve «os meridianos [linhas que marcam a longitude] são próximos um do outro; do Porto, onde se formou na Escola de Leonardo Coimbra, saiu para capitanear com outros seus pares o movimento atlântico do pensamento português». Ora nesta relação Porto (escola de filosofia) e Barca d’Alva (barca), ou seja, o que se aprende e de onde sai (Porto) realiza-se partindo de Barca d’Alva (em barca/caravela/navio), pelo que a ansiedade de AS está bem patente querendo sair metaforicamente do “porto de Barca d’Alva” para o mundo!

Assim, este aparente imbróglio, sem a explicação de AT poderia ficar assim. Quando este escreve que «os meridianos [linhas que marcam a longitude] são próximos um do outro» diz o que um astrólogo já sabe, isto é, a alteração do grau ascendente do horóscopo é quase desprezível, pois não chega a ser de um grau. Mas o dilema, pela lucidez de AT, ganha luz na simbólica e por isso superior interpretação da carta dos céus e, consequentemente, da vida de AS. E recorrendo agora a outra imagem: sem colocar a questão do horóscopo, mas pelo símbolo, o que poderíamos dizer também de António Telmo: o filósofo de Estremoz ou o filósofo de Sesimbra?

O autor de O Horóscopo de Portugal pega no fio de Ariadne e toma a palavra considerar, sidério e sideral  e o «sul sidério», e por extensão, em Considerações,  livro de AS. Ora, isto mais não é do que quando o «Céu e a Terra se combinam para urdir os problemas da humanidade, mas também para os resolver». E acrescenta que AS tinha a sua carta astrológica desenhada em si mesmo, isto é, a sua vida espelhava claramente o que AT via na carta do céu e ainda hoje nela se lê. O filósofo de Estremoz – ou também de Brasília, pois lá fez este estudo e o entregou a AS – continua dizendo que Mercúrio é dominante no horóscopo, pois vemos que não só é regente do signo ascendente, Virgem, como do signo do Meio-do-Céu, Gémeos, e «forma com a Lua e Neptuno aspectos altamente benéficos». Telmo, atentamente, refere-se à dupla natureza de Mercúrio, pois um mensageiro/intermediário (figura associada a este planeta) pode sê-lo de várias maneiras, tanto pode servir a Deus como a Mamon, pelo que AT diz que «todos os deuses têm duas faces». É claro que no horóscopo de Agostinho, tendo este reagido superiormente ao que a tradição chama «mensageiro dos deuses», AT acrescenta o seguinte «Mercúrio em Aquário: Intuição, rapidez e inteligência fulgurante. Inventivo e aberto às ideias novas». Esta tónica aquariana está reforçada pela posição do Sol, ou arquétipo solar, também no signo de Aquário «aberto às ideias de vanguarda, vê as relações humanas de uma forma despreconceituosa e informal». Muito mais se poderia dizer e de suma importância quanto ao signo de Aquário, e que está bem enfatizado no caso de AS, ou seja, um traço bem vincado de individualidade ou individuação (no conceito de Carl Jung), gerando um sentido de independência que, ao mesmo tempo, nos espíritos superiores, se faz altruísta, fraternal e cooperante, mantendo-se todavia consciente de si.

O leitor pode ler o mais que AT descreve, mas vale a pena acrescentar «Marte em Carneiro: enérgico e resistente. Iniciativa, impetuosidade, audácia». Vemos a verdade disto quando AT nos diz que Agostinho, aquando da construção da Universidade de Brasília, carregava tábuas às costas, andava muitos quilómetros a pé e o que comia de manhã dava quase para todo o dia! É mister falar ainda de Neptuno «a renúncia a tudo o que é fácil, lutando pela felicidade do futuro, os contrastes profundos, a oratória, a política, as experiências científicas e sociais audaciosas, o misticismo religioso ou ateu, tudo isso está fortemente impregnado da influência de Neptuno»  

Telmo remata, dizendo que há um «admirável texto em que está bem evidente o perfeito acordo do seu pensamento com o seu ser íntimo, tal como podemos imaginá-lo através do horóscopo. Tem por título «Quanto a Deus». Na verdade, este texto mais que teológico, fulgurante e lúcido - dir-se-ia no Sopro do Espírito Santo - é a perfeita combinação do melhor da lógica, da razão e da expressão enquanto atributos de Mercúrio com a sua oitava superior, Neptuno, «o das longas viagens pelo mar, o que leva ao Brasil e a todas as partes do mundo», planeta do misticismo religioso, da inspiração,  universalidade, da compaixão e do serviço abnegado ao próximo. Repare-se que o Sol, Vénus e Mercúrio (este a entrar) estão na 6ª casa do horóscopo, a do serviço sob formas que necessariamente devem ser visíveis para o mundo.

Há, assim, neste texto, ainda que num espírito de síntese, um raro e profundo estudo de um filósofo para outro filósofo, com a vantagem de um deles ter recorrido à astrologia. Mas a importância deste «arcano sagrado» de sabedoria milenar ainda está por fazer quanto ao que se poderia dizer de influência subliminar na ampla obra de AT, pois do que nos deixou da Cabala temos recebido o suficiente para sabermos o quanto e como ela marca a sua obra. Prossigamos, pois, a «reunir o que está disperso».