«OS MEUS PREFÁCIOS». 01

12-01-2014 11:03

Mais do que um desejo, foi um desígnio de António Telmo: o filósofo intentou criar, intitulando-a, isto é: nomeando-a, uma recolha dos seus escritos prefaciais ou posfaciais, conforme alguns dos amigos puderam testemunhar, numa conversa havida no seu escritório, em Estremoz, num dos últimos anos da sua vida. Ciente das reponsabilidades que assumiu, mormente no âmbito da edição das Obras Completas de António Telmo, a que irá assegurar o apoio científico, o projecto António Telmo. Vida e Obra inicia hoje a acção que conduza à concretização daquele desígnio do seu patrono.

 

DUAS CARTAS-PREFÁCIO A O VELHO DA MONTANHA, DE PEDRO SINDE[1]

[António Telmo com Pedro Sinde, em 24 de Novembro de 2007, na Sala Polivalente da Biblioteca Municipal de Sesimbra, na sessão de lançamento de Contos Secretos (Tartaruga, 2007), da autoria do primeiro. Esta sessão antecedeu a realização do colóquio A Filosofia Portuguesa Hoje, com que se encerrou o ciclo No Signo do 7 – 150 anos de Filosofia Portuguesa. O fotógrafo foi João Augusto Aldeia.]

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Estremoz

9 de Junho de 1998

 

Meu Caro Pedro

 

            Recebi o seu livro que muito agradeço e a sua carta. Fiz uma primeira leitura. Quando nos encontrarmos de novo aqui em Estremoz e em Julho já terei feito as três leituras que nunca deixo de fazer dos livros que me ensinam.

            Vejo agora que foi bom não ter respondido à sua primeira carta que li 3 x 3. Vejo que foi bom porque o longo silêncio entre os dois criou, como provam as notícias do “outro mundo” que me chegaram de si hoje, um mais alto lugar para o diálogo que lembra na sua dedicatória.

            Ontem, pus sobre a minha mesa de “bateleur” essa sua primeira carta, na intenção de lhe escrever hoje. Hoje, recebi o seu livro e uma nova carta.

            A generalidade dos livros sobre os poetas são apenas uma “coisa mental” que nenhuma “experiência” ilumina. Reflectem, não refractam, a poesia que estudam. Não a recebem na própria água à luz do sol. Reflectem, repetem o que anteriormente se lhes patenteia. Neste seu livro, a sua alma está lá refractando a de Pascoaes.

            […]

           Precisam de “conversar” aqueles que se encontram envolvidos no mesmo “inter-esse”. Por muito que nos seja dado saber, nada sabemos; como V. diz: “dissemos muito e, contudo, não dissemos nada”.

            […]

 

                                                                                  Um grande abraço do

                                                                                              António Telmo 

 

* * *

 

Estremoz

Noite do dia 17 de Agosto

 

Meu estimado Amigo

 

            […]

            Fiz hoje a terceira leitura [do capítulo «A Alquimia da Saudade»], pelo que a inteligência do texto se iluminou pela memória. Desta vez, o que mais me impressionou foi o que escreveu depois de ter escrito, depois daquela paragem [passagem?] da quadriga puxada por três cavalos: essência e substância (duas rédeas); intelecto e memória (outras duas); transmutação e transformação. O auriga segurando as três pelo do meio. Eis como se pode ter por suporte o Guénon e fazer uma coisa puramente própria. A razão vai comandando as analogias para desocultar e manifestar o significado das imagens pelo qual a saudade se revela como a Shekina.

            Mas, como disse, o que mais me impressionou foi o que vem depois, precisamente o seguinte: “O caminho mais estável é, contudo, aquele que, avançando gradualmente por dissolução e coagulação sucessivas, por graduais conquistas, sabe que o vazio, a ausência que se sente interiormente é a ausência do Paraíso, é a lonjura em que estamos situados ou sitiados hoje” (e por aí fora até à palavra “pássaro”).

            Chama-lhe aviso e muito bem, porque as pessoas não estão avisadas disso, de que o que sentem como desolação não as deve deprimir ou iludir com vivências alheias ao próprio ser, fabricadas pelo diabo. Ficam por si a saber que, sendo essa desolação a ausência do Paraíso, é pelo sentimento dessa ausência que o podem tornar presente, desde que tenham a força de, na desolação do deserto, suportarem a insolação e o seu esplendor.

            […]

 

                                                                                  Seu amigo e admirador

 

                                                                                  António Telmo

 


[1] Pedro Sinde, O Velho da Montanha: a doutrina iniciática de Teixeira de Pascoaes, Lisboa, Hugin, 2000, pp. 13 e ss.